Esporotricose: doença de gatos vira problema de saúde pública

Aumento de casos preocupa autoridades sanitárias. Qual o tratamento adequado para a doença que está atingindo milhares de gatos e humanos no Brasil?

Gatos são os principais vítimas da esporotricose que, se não tratada, pode contaminar humanos (Foto: Divulgação Petlove)
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O aumento de casos nos últimos anos, em especial de 2022 para 2023, levou o Ministério da Saúde reconhecer que a esporotricose é atualmente um  problema de saúde pública no país. A doença causada por um fungo da espécie Sporothrix schenckii tem acometido muitos gatos e sua ocorrência tem provocando um alerta geral de especialistas das áreas de saúde humana e animal.

O aumento de casos dessa zoonose tem sido observado em vários estados do país, com destaque para São Paulo (que apresentou este ano aumento de 40% no total de casos registrados em relação ao ano anterior) e Paraná (onde o registro saltou de 1.242, em 2022, para para 2.887 em 2023). Mas o problema não é recente: só no Estado do Rio de Janeiro, houve aumento de 162% na taxa de contaminação em dez anos: de 579 casos, em 2013, para 1.518, em 2022, segundo o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).

O infectologista e coordenador do Comitê de Micologia da Sociedade Brasileira de Infectologia Flávio Telles indica que a enfermidade está se espalhando de forma descontrolada no Brasil, mas não é possível saber com precisão os números totais de infecções. “Isso porque esta zoonose não é uma doença de notificação compulsória em muitos estados, ou seja, não é obrigatória a notificação para órgãos municipais e federais de saúde quando diagnosticada”.

Na cidade do Rio de Janeiro, desde maio, está valendo a Lei nº 7.889/2023 de autoria do vereador Dr. Marcos Paulo (PSOL), que obriga médicos veterinários da cidade a notificar aos órgãos municipais toda vez que atenderem animais domésticos com esporotricose. A legislação em vigor tem como objetivo ser uma aliada para que autoridades de saúde pública possam mapear as regiões do município que apresentam casos da doença para alertar tutores e as autoridades.

O autor da medida, que é médico e presidente da Comissão de Saúde Animal da Câmara de Vereadores do Rio, diz que “há anos” tem alertado  sobre o “surto de esporotricose”.  “Já passou da hora de a Prefeitura do Rio de Janeiro olhar para os animais, destinar verbas e, ainda,  aumentar o controle dos casos de esporotricose no nosso município”. Segundo ele, a identificação das colônias de animais com registro da zoonose é essencial para evitar mais contaminação.

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Saiba como prevenir seu pet de contrair o fungo

Os gatos atuam como portadores do fungo Sporothrix brasiliensis nas garras, saliva e sangue, tornando-se vetores da doença. A esporotricose pode ser transmitida por felinos contaminados para cães, outros gatos e seres humanos por meio de mordidas, arranhões e do contato com as lesões dos infectados.

De acordo com o médico-veterinário da Petlove Pedro Risolia, o gato semi domiciliado, ou seja, aquele que tem uma vida mista entre residir uma casa mas têm acesso livre para sair para a rua, apresenta importante relevância na disseminação da doença.

“Os tutores devem dar uma atenção especial para os felinos não castrados que buscam a rua com mais frequência, pois esses podem se contaminar ao cavar buracos depois de defecarem e ao afiarem as unhas em árvores e plantas”, alerta.

O veterinário da Petlove também comenta que outra forma de contaminação são as brigas, pois um felino contaminado pode transmitir a doença para o outro através de arranhões. Isso acontece, em sua maioria, com os pets não castrados, que ficam mais suscetíveis a disputas por territórios.

O controle da doença envolve medidas como impedir o acesso de gatos às ruas, realizar a castração, tratar animais infectados e evitar o abandono de gatos doentes.

“É importante lembrar que os pets não são culpados pela disseminação da doença, mas sim vítimas. Portanto, a educação dos tutores sobre o manejo adequado é essencial para prevenir a propagação da esporotricose”, afirma Pedro.

Sintomas em gatos e humanos e como tratar

A evolução da enfermidade costuma ser rápida, principalmente nos gatos. Ela pode variar de uma simples lesão de pele passível de regressão espontânea, até uma forma grave da doença devido à disseminação por via sanguínea ou linfática.

Portanto, é importante ficar atento aos sintomas, como feridas profundas na pele (geralmente com pus) que não cicatrizam e evoluem rapidamente, além de espirros frequentes.

Em seres humanos, o principal sintoma inicia-se com feridas que não cicatrizam e a evolução ocorre, principalmente, pela forma linfocutânea, na qual além das lesões de pele pode haver comprometimento dos vasos linfáticos. Sintomas frequentes da doença são tosse, falta de ar, dor ao respirar e febre.

Atenção aos indivíduos imunossuprimidos, pois o fungo possui maior capacidade de se disseminar sistemicamente via corrente sanguínea, afetando diversos órgãos e tecidos. Nos cães, a esporotricose é considerada rara, sendo a forma cutânea a mais comum.

Segundo o especialista da Petlove, o tratamento da doença é feito com antifúngico de fácil acesso em estabelecimentos comerciais e públicos de saúde. Porém, esse medicamento deve ser receitado por médicos-veterinários e, portanto, em caso de suspeita, é primordial procurar imediatamente um veterinário.

A mesma recomendação é dada aos seres humanos que apresentam sintomas de esporotricose. O portal oficial da Fiocruz recomenda que a dose do remédio deve ser avaliada e administrada por profissionais da saúde.

3 entre 5 doenças humanas têm origem animal

Por definição, zoonoses são doenças ou infecções transmitidas de animais para humanos e vice-versa, e são listadas mais de 200. Estas podem ser contraídas de forma direta, por contato com secreções, como saliva, sangue, urina e fezes, ou físico através de mordidas ou arranhões. Também podem acontecer de forma indireta, através de vetores, como mosquitos, ou por alimentos contaminados com secreções.

“Estima-se que a cada cinco novas doenças humanas, três delas sejam de origem animal. A campanha é essencial para tratarmos a saúde dos animais da forma adequada e como uma questão de saúde pública. E, mais do que isso, conscientizar sobre os riscos e a crueldade do abandono animal”, diz Daniela Bochi, gerente da Cobasi.

Entre as enfermidades mais conhecidas transmitidas de cães e gatos para humanos, estão a raiva, leptospirose, leishmaniose, toxoplasmose, calicivirose e esporotricose felina. Essas doenças podem ser evitadas ou tratadas logo nos primeiros sintomas, a fim de evitar complicações e transmissão em massa. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), importante forma para combater as zoonoses é através do entendimento de uma saúde única (One Health), com olhar atento para animais, humanos e o meio-ambiente.

O que fazer para evitar doenças em gatos e cães

Por isso, é preciso alertar e conscientizar sobre as zoonoses e, mais ainda, informar sobre a importância dos cuidados adequados com a saúde de animais domésticos, sejam eles de rua ou de estimação. Médicos veterinários alertam para a conscientização dos tutores para a importância de realizarem exames de rotina, que podem ajudar a salvar a vida de seus pets.

Cuidar da saúde do pet é uma demonstração de amor e carinho. Por isso é importante que ele faça consultas regulares a veterinários e um checkup de exames, para evitar o agravamento de doenças como a esporotricose. 

“O check-up periódico deve ser implantado na rotina de cuidados, pois é nesse momento que conseguimos prevenir inúmeras doenças. Além do exame clínico do médico veterinário, o exame de sangue analisa o quadro geral de saúde do pet. Com o hemograma, é possível detectar anemias; com a creatinina e ureia, pode-se analisar a função renal; e por fim, ao medir as enzimas hepáticas, examina-se se o fígado e as vesículas biliares necessitam de uma atenção especial”, ressalta Thiago Teixeira, diretor geral do Nouvet, um centro veterinário de nível hospitalar em São Paulo.

O alerta é ainda mais importante num momento em que, cada vez mais, cães e gatos se tornam membros das famílias. Já são mais de 54,2 milhões de cães 23,9 milhões de gatos domésticos no Brasil — considerado o terceiro maior país em população total de animais de estimação, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). 

Os tutores podem ser ativos na prevenção, com atitudes como:

  • Manter o calendário vacinal atualizado
  • Limpar os pets adequadamente
  • Manter os brinquedos limpos
  • Evitar o contato direto com secreções
  • Atenção à higiene adequada pessoal e do ambiente

Ainda, existem políticas públicas para a prevenção de zoonoses, como vigilância ativa e passiva, promoção da vacinação de animais, desenvolver atividades de educação da população e controle de regiões de risco. Ainda, campanhas de adoção e de controle populacional contribuem para a diminuição do risco de contrair estas doenças.

Falta de informação leva a abandono de animais com esporotricose

A Comissão de Saúde Animal da Câmara de Vereadores do Rio alerta ainda que gatos contaminados também são vítimas, sendo muitas vezes abandonados nas ruas. Apesar do tratamento gratuito ser oferecido pela prefeitura, os casos de abandono de animais infectados dentro das colônias espalhadas na cidade é muito comum, como relata a protetora de animais Regina Batista.

“Quando um animal é abandonado, a probabilidade de ter sido largado nas ruas por causa da doença é grande. As pessoas não entendem que existe cura para essa doença e é só procurar tratamento para recuperá-lo. Falta informação”.

Exemplo disso, é o do gato Nino, um dos resgatados pela protetora na Ilha do Governador. Abandonado nas ruas por ter esporotricose, passou por um longo tratamento e, atualmente, está saudável e recebe todo amor e cuidado de sua família adotante.

“Abandonar animais nas ruas  além de crueldade, é um crime de maus tratos, e abandonar um animal com esporotricose é mais grave ainda por colocar em risco a saúde de animais e humanos. A cidade vive uma epidemia de abandono de animais. Ao tornar a notificação obrigatória podemos também identificar os tutores desses animais e responsabilizá-los”, explica Dr. Marcos Paulo.

RJ pode ter subsecretaria para proteção e cuidado de animais abandonados

O Governo do Estado pode ser autorizado a firmar parcerias com protetores e cuidadores de animais soltos ou abandonados. É o que prevê o o Projeto de Lei 5.783/22, aprovado na Assembleia Legislativa do  Rio de Janeiro (Alerj) em segunda discussão, na última terça-feira (16/10). A norma também prevê que o Governo do Estado poderá ter uma subsecretaria para a proteção e cuidado dos animais soltos e abandonados.

As parcerias, diretamente ou por associação, deverão ter prazo mínimo de 12 meses e possuir intersetorialidade com demais órgãos do Poder Público. O texto prevê também a realização de parcerias público-privadas para financiamento de despesas.

A norma também autoriza o Governo do Estado a firmar um convênio com o Conselho Nacional de Política Fazendária para implementação de crédito de outorga no ICMS a favor das indústrias de insumos, quando envolver o patrocínio de projetos e eventos para animais soltos ou abandonados, valorizando os respectivos protetores e cuidadores.

O projeto, de autoria dos deputados Anderson Moraes (PL) e Marcelo Dino (União), tendo o deputado Leo Vieira (PL) como coautor, será encaminhado para o governador Cláudio Castro, que tem até 15 dias úteis para sancioná-lo ou vetá-lo.

Com Assessorias

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