Só em 2021, 18.139 brasileiras morreram por causa do câncer de mama, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Depois do melanoma, esta é a principal causa de óbitos de mulheres no mundo. Até 2030 são estimados mais 25 milhões de novos casos, 73 mil no Brasil só até o final de 2023. Como frear essa epidemia de câncer de mama? Investindo nos exames de rastreamento e contando com a empatia da opinião pública para lidar com o problema.
É no que apostam instituições como a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e o Instituto Oncoguia, ao apontarem que o diagnóstico – e também o tratamento – precoce está longe de ser uma realidade no Brasil. Segundo o Inca, 38% dos cânceres de mama são detectados em fase avançada da doença, quando é necessário contar com tratamentos mais agressivos e a chance de cura é menor.
Por isso, o tempo é um fator crucial para o tratamento do câncer de mama. Quando detectado de forma precoce e ainda em estágios iniciais, as chances de cura e controle da doença aumentam significativamente. Mas é possível reduzir o ritmo da epidemia de câncer de mama facilitando o acesso aos exames de rastreamento.
20% nunca fizeram a mamografia
Quando detectado precocemente, o câncer de mama tem 95% de chances de cura. Por isso é fundamental seguir as recomendações do Ministério da Saúde que indica o exame anual para mulheres com 40 anos ou mais e, quando há antecedentes familiares, a partir dos 30 anos.
Mas a importância da mamografia ainda é muito subestimada no Brasil. Na pesquisa “Um Olhar sobre o Câncer de Mama no Brasil”, promovida pela Roche, em parceria com a Femama e Instituto Oncoguia, divulgada em agosto de 2023, cerca de um terço dos entrevistados afirma não fazer o exame com frequência e 20% nunca o fizeram.
A pesquisa ouviu 1.237 pessoas que já foram diagnosticadas com câncer de mama e também mostrou que enquanto 51% das pacientes que utilizam plano de saúde iniciaram seu tratamento dentro de 30 dias após o diagnóstico, apenas 34% das pacientes do SUS vivenciaram uma situação semelhante.
E embora 37% das pacientes do SUS tenham iniciado o tratamento dentro do limite de 60 dias estabelecido pela lei 12.732/12, que busca garantir tratamento em tempo hábil para pacientes com câncer, ainda havia um número substancial (28%) de pacientes que enfrentaram atrasos, chegando a até seis meses em alguns casos. No setor privado, 13% das pacientes também relataram início do tratamento após 60 dias.
Autoexame é importante, mas não garante um diagnóstico eficiente
De acordo com a médica mastologista Maira Caleffi, chefe do serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento, presidente voluntária de Femama e membro do Board da UICC (Union for International Cancer Control), autoexame é importante sim, mas ele não garante um diagnóstico eficiente.
“A mamografia de rotina oferece a possibilidade de identificar lesões que ainda não são tumores malignos e também tumores invasores pequenos que a palpação não consegue detectar. É a forma indicada para aumentar as chances de curar a doença, evitar tratamentos que impactem demais na vida do paciente e reduzir a o número de mortes”, pontua.
Segundo a médica, é necessário amplificar o discurso sobre o papel dos exames de rastreamento. “Por enquanto não temos outra alternativa com evidências científicas que superem o impacto da mamografia de rotina na melhoria das curvas de mortalidade. É preciso fazer isso com afeto, com as responsabilidades de todos e com empatia”, afirma.
Veja mais no Especial Outubro Rosa
Demora no início do tratamento do câncer de mama ainda é desafio para pacientes
Os exames de rastreio como a mamografia são a chave para encontrar o tumor em estágios iniciais, mas além do diagnóstico precoce, é necessário também que o tratamento seja iniciado com rapidez, um fator que ainda é uma realidade difícil para muitos pacientes.
“O câncer detectado de forma precoce também precisa ser tratado de forma precoce, não adianta encontrar o tumor e demorar a tratá-lo. O tempo é crucial em qualquer jornada, para pacientes em estágio inicial o tratamento iniciado, da forma mais breve possível, pode preservar as chances de cura desta paciente, por exemplo”,” comenta Maira Caleffi.
Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, concorda com a visão da especialista e complementa que fala-se muito sobre a demora em detectar o câncer, mas a demora no início do tratamento também precisa ser endereçada e combatida.
“Atualmente, diferentes fatores impactam o início do tratamento no SUS, desde questões ligadas ao transporte da paciente, filas de espera e problemas na disponibilização de tecnologias mais efetivas”, completa.
SUS demora mais de 180 dias para oferecer medicamentos já aprovados
Atualmente, oito medicamentos oncológicos que já obtiveram o parecer positivo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) estão com a sua disponibilização atrasada no Sistema Único de Saúde – cenário crítico que pode ser ainda mais prejudicial quando abordamos tecnologias voltados ao tratamento do câncer em estágio inicial – por causa do potencial curativo nesse cenário.
De acordo com cruzamento de dados disponíveis no DATASUS, todos os dias, aproximadamente sete novas pacientes chegam ao SUS com o diagnóstico de câncer de mama HER2 positivo, em estágio inicial e com alto risco de recorrência da doença.
Max Senna Mano, oncologista clínico e investigador de estudo clínico sobre esta terapia específica, diz que essas pacientes, por exemplo, poderiam ser beneficiadas diretamente por uma tecnologia já incorporada e que ainda não foi disponibilizada, superando o prazo dos 180 dias previstos por lei.
“A ciência evoluiu e continua evoluindo cada vez mais em busca de tratamentos personalizados e precisos para pacientes com diversos tipos de câncer, do mais indolente até os mais graves, mas esses tratamentos precisam chegar, de fato, até quem se beneficiaria dele”, finaliza o profissional.
38% dos pacientes não tinham nenhum sintoma, nem dor nas mamas
Conheça alguns dos resultados do sudeste dessa pesquisa realizada pela Veja Saúde em parceria com a Femama, Roche e o Instituto Oncoguia. Foram entrevistadas 1.237 pessoas (homens e mulheres), de 20 a 70 anos de todo Brasil.
31% das pacientes nunca haviam feito mamografia antes do exame de diagnóstico e 58% realizava anualmente.
38% dos pacientes não tinham nenhum sintoma, nem dor nas mamas, quando foram diagnosticados.
69% confirma que foi solicitado o exame de imunohistoquímica e levou até 30 dias.
59% das participantes apontam que os efeitos colaterais foram uma das principais dificuldades no tratamento medicamentoso.
25% das pacientes apontam que um dos setores da vida mais impactado foram a empregabilidade e a renda familiar.
32% afirmam que após o diagnóstico o fato da vida mais afetado foi a sexualidade.
Uma causa de todos: homens também podem ter câncer de mama
Sim, o câncer de mama é uma causa de todos nós, homens e mulheres, jovens e idosos. Afinal, homens também podem ter câncer de mama e a incidência da doença em mulheres jovens cresce a cada ano.
Por isso, empatia é a palavra-chave na campanha do outubro rosa de 2023. A Femama acredita que com empatia, pacientes sentem-se encorajados para enfrentar a doença, homens e mulheres se ajudam a lembrar do papel dos exames de rastreamento e a população apoiará mais as políticas públicas em prol da saúde da mama.
“A empatia torna esse assunto comum a todos nós, é importante para sensibilizar a sociedade tanto no sentido privado, de ajudar quem está por perto, como também na esfera institucional, no ato de apoiar políticas públicas em prol da prevenção, diagnóstico e tratamentos”, afirma Maíra.
Apoio e mobilização para políticas públicas
A Femama busca ampliar o acesso ágil e adequado ao diagnóstico e ao tratamento do câncer de mama para todas as pacientes e, com isso, reduzir os índices de mortalidade pela doença no Brasil. A entidade está presente na maioria dos estados brasileiros por meio de ONGs associadas, atuando na articulação de uma agenda nacional única para influenciar a criação de políticas de atenção à saúde da mama.
Maíra lembra a Femama conseguiu avançar em diversas medidas voltadas para prevenção e assistência à pessoa com câncer de mama, mas é preciso ainda exigir o cumprimento de leis e direitos já conquistados.
“Já avançamos na aprovação de leis e agora é preciso o envolvimento da opinião pública para exigir o cumprimento dessas conquistas no dia a dia. A mudança de consciência ainda está em curso e contamos a empatia de todos para divulgar informações de qualidade sobre a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença”, diz a médica.
Segundo ela, a Femama acredita na informação de qualidade, nos cuidados mútuos e no poder das redes de apoio para o acolhimento ao paciente e seus familiares. “Por isso, cuide-se, cuide de quem está por perto e apoie políticas públicas em prol da saúde. Lembre-se: com empatia, somos mais vida”, ressalta Maíra.
Conquistas que garantem direitos a pacientes de câncer de mama
2008 – Lei da Mamografia: assegura o direito de a realização de mamografia para mulheres a partir dos 40 anos
2012 – Lei dos 60 Dias: após o diagnóstico, o tratamento pelo SUS deve ser iniciado em 60 dias
2013 – Lei das Drogas Orais: inclusão no rol dos procedimentos da ANS
2017 –Trastuzumabe e pertuzumabe: incorporação desses medicamentos no tratamento do câncer de mama metastático pelo SUS
2018 – Lei da Notificação Compulsória: comunicação obrigatória à autoridade de saúde sobre a suspeita ou confirmação de doença
2019 – Lei dos 30 Dias: a partir da suspeita prazo para a realização dos exames de diagnóstico no SUS
2022: Lei da Mamografia ampliada: qualquer mulher, a partir da puberdade, tem direito a fazer a mamografia no SUS independentemente da idade
Fonte: Femama e Oncoguia, com Redação