A farmacêutica carioca Camila Andrade Pires, de 39 anos, sofre há 15 com as dores ocasionadas pela fibromialgia, uma doença ainda bem pouco compreendida, que é caracterizada por dores musculares generalizadas e acomete aproximadamente 12% da população adulta no Brasil. Além das fortes dores, os pacientes precisam enfrentar, ainda, a falta de informação tanto por parte da população quanto dos profissionais da saúde.
“A maioria das pessoas que não conhece a fibromialgia diz que é uma dor psicológica e isso ofende. Por muito tempo, nós sofremos com o estigma da doença e chegamos aos postos de saúde e somos tratados com preconceito. Eu não julgo os profissionais da saúde que fizeram isso porque eles não foram treinados para nos atender”, comentou, durante audiência pública realizada nesta terça-feira (8) pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a síndrome que se caracteriza por dores musculares generalizadas e crônicas, afeta aproximadamente 2,5% da população mundial, com maior incidência em mulheres, sobretudo entre 30 e 50 anos. Não há números sobre a doença no Brasil e no Rio de Janeiro.
Demora para consulta com reumatologista
Paciente de fibromialgia, Giselli Cunha, presidente da Associação Girassóis, relatou que já sofreu com fortes dores por conta da doença e foi diagnosticada com crise de pânico. Ela também ressalta a demora para se conseguir uma consulta com o reumatologista e que os medicamentos não são oferecidos pelo SUS.
“Eu já cheguei ao pronto-socorro com dores tão fortes que eu não conseguia explicar de onde vinha a dor. Hoje, para conseguirmos uma consulta com um reumatologista no SUS pode levar até cinco anos. Uma consulta particular custa de R$ 800 a R$ 1 mil. Além disso, nossos medicamentos custam muito caro, porque o SUS não fornece”, afirma Giselli.
Além de discutir as dificuldades enfrentadas pelos pacientes de fibromialgia, a audiência apresentou projetos de lei em tramitação na Alerj que abordam a doença e também formas de fortalecer as legislações estaduais de forma que possam ser cumpridas.
“Esse debate nos ajudará a desenvolver uma legislação mais eficiente, visando atender aos portadores desta síndrome, além de alertar e conscientizar a população sobre a doença”, disse o deputado estadual Vítor Júnior (PDT), vice-presidente do colegiado.
O parlamentar conta que, este mês, apresentou indicação legislativa solicitando ao governador Cláudio Castro, a implantação de ambulatório especializado em diagnóstico e tratamento de Fibromialgia, no Hospital Pedro Ernesto, da Universidade Estadual do Rio (Uerj).
“No ano passado, foi sancionada uma lei federal que garante o atendimento integral e multidisciplinar para pessoas com fibromialgia no SUS. Sem dúvidas, uma importante conquista, mas ainda há muito para avançar no diagnóstico e tratamento desses pacientes”, diz
17 projetos de lei sobre fibromialgia tramitam na Alerj
A Comissão de Saúde anunciou que vai tomar uma série de medidas para garantir os direitos das pessoas com Síndrome de Fibromialgia. Vitor Júnior (PDT), afirmou que vai cobrar a regulamentação da Lei Federal 14.715/23, que garante a pessoas com fibromialgia, fadiga crônica ou síndrome complexa de dor regional o atendimento integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O parlamentar declarou, ainda, que vai fazer ingerências junto às prefeituras quanto ao efetivo funcionamento de centros regionais de tratamento. Outra ação é trabalhar pela votação de 17 projetos de leis que tramitam na Casa sobre o tema.
“Entre esses projetos estão medidas como a que inclui o direito à carteirinha estadual de identificação da pessoa com fibromialgia e a que reduz a carga horária de trabalho de pacientes. Também há uma lei aprovada em âmbito federal que precisa ser regulamentada. Vamos realizar um encontro em Brasília com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, para fazer essa cobrança e apresentar aqui na Assembleia Legislativa esta mesma lei, a fim de incentivar e potencializar o direito ao tratamento de fibromialgia”, disse o parlamentar.
Falta conhecimento sobre fibromilagia entre profissionais de saúde
Segundo dados da Sociedade Brasileira de Reumatologia, a doença se manifesta em cerca de 12% da população adulta no Brasil. A síndrome acomete principalmente mulheres entre 30 e 55 anos de idade, embora, com menor frequência, possa também ser diagnosticada em crianças, adolescentes e idosos.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Estudo da Dor (SBED), Carlos Marcelo, que também é diretor clínico da Santa Casa de Alfenas (MG), a falta de ensino dentro das universidades e a ausência de capacitação dos profissionais para diagnosticar a doença são dois grandes desafios para o enfrentamento da fibromialgia.
“Os pacientes com dor generalizada são os que estão à margem do sistema por várias razões, mas a principal é a falta de educação nas universidades. Menos de 10% das universidades brasileiras ensinam sobre dor crônica e isso acaba acarretando um diagnóstico errado e a forma hostil que os pacientes são tratados. O problema passa primeiro pela educação, não só na medicina, mas também na fisioterapia, na nutrição e outras especialidades, pois é uma doença com muitas variáveis e necessita de tratamento multidisciplinar”, ressaltou o médico.
Durante sua fala, Carlos Marcelo aproveitou para pedir apoio à aprovação do Projeto de Lei 336/24, em tramitação no Congresso Nacional, que inclui, entre outras medidas, o ensino da dor crônica como matéria obrigatória no currículo dos cursos da área da saúde. Em resposta, o deputado Vitor Júnior disse que vai encaminhar um relatório para Brasília manifestando apoio à aprovação da proposta.
Exemplo de Santa Catarina
Na audiência, a gestora das Clínicas Integradas da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), Carine Cardoso, apresentou o projeto do Ambulatório de Atenção à Saúde da Pessoa com Fibromialgia da universidade, considerado referência no assunto para Santa Catarina e todo o país.
O ambulatório oferece atendimento multiprofissional em sete áreas da saúde: fisioterapia, psicologia, farmácia, profissional de educação física, enfermagem, nutrição e odontologia. O atendimento é gratuito e os pacientes são encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde. Desde o início do projeto, em 2021, foram mais 178 mil atendimentos e 1 milhão e 700 mil medicamentos doados para a população.
“O ambulatório atende toda a demanda do estado e é uma referência em políticas públicas de fibromialgia. Isso pode ser implantado também aqui no Rio de Janeiro, já que tem tantas universidades e profissionais qualificados”, comentou.
Entre os palestrantes da audiência pública também estavam Flávia Mesquita, presidente da Associação Nacional de Fibromiálgicos e Doenças Correlacionadas (Anfibro) e Camila Andrade Pires, farmacêutica e fibromiálgica, responsável pela Associação RJ Fibromialgia.