O surto de febre maculosa, que já causou mais de 53 mortes em todo o país, a maior parte em São Paulo, tem assustado a população e chamado a atenção não apenas da comunidade médica e científica, mas também de ambientalistas e defensores da causa animal. Para a ONG Proteção Animal Mundial, existe uma conexão entre os casos recentes de infecção por febre maculosa com a nossa alimentação, mas antes é preciso primeiro compreender o conceito de Saúde Única.

“Esse conceito demonstra a interdependência entre a saúde humana, a saúde animal e a saúde ambiental. Assim, devemos pensar a Saúde Única como uma abordagem integrada para promover o bem-estar de todos esses sistemas, considerando que o equilíbrio ecológico, a degradação ambiental e a saúde dos animais têm impacto direto na saúde humana”, ressalta a ONG.

Além do conceito de Saúde Única, é igualmente importante compreender o que é bem-estar animal, que se refere à qualidade de vida de um animal – se ele tem boa saúde, se suas condições física e psicológica são adequadas, e se ele pode expressar seu comportamento natural. Segundo o pesquisador Donald Broom, o bem-estar é uma qualidade inerente aos animais, e não algo dado a eles pelos humanos.

“Na prática, isso significa que ninguém é capaz de oferecer bem-estar a um animal, mas sim, condições para que ele possa se adaptar, da melhor forma possível, ao ambiente. Quanto melhor a condição oferecida, mais fácil será sua adaptação. Sendo assim, é preciso atentar para o uso de antibióticos em criações industriais intensivas de animais”, explica o pesquisador.

Queda na eficácia de medicamentos para combater carrapato-estrela

De acordo com o médico-veterinário e Ph.D. em Parasitologia Marcelo Molento, consultor da FAO/ONU, da OMS e de vários órgãos governamentais e de pesquisa no mundo, “nesses sistemas, o uso de medicamentos visa o tratamento de infecções reais e presentes (uso terapêutico), mas também é aplicado de forma irresponsável para prevenir doenças”.

Professor titular do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná e coordenador do Laboratório de Parasitologia Clínica Veterinária, ele orienta alunos de mestrado e doutorado nas áreas de epidemiologia, resistência antimicrobiana, biologia molecular, modelagem e previsão e estratégias sustentáveis para controle de doenças.

“O chamado ‘uso preventivo’ tem o objetivo de evitar que os animais fiquem doentes, já que vivem sob estresse, com baixa da imunidade. Esses animais são mantidos em ambientes superlotados, favorecendo a transmissão de doenças contagiosas entre os animais e até mesmo para promover o crescimento dos animais”, alerta o professor.

Molento destaca a ineficácia do antiparasitário. “A administração exagerada e irresponsável de antimicrobianos contribui para aumentar o processo natural de seleção dos microrganismos causa o aparecimento de populações de bactérias multirresistentes, a chamada Resistência Antimicrobiana (RAM)”.

Segundo ele, essa resistência também compromete a eficácia dos antiparasitários, usados para combater o carrapato-estrela, por exemplo, principal vetor da febre maculosa.

“Devido a essa redução da eficácia dos antiparasitários (organofosforados, piretróides), o controle do carrapato-estrela tornou-se bastante difícil em vários estados brasileiros”, destaca.

Consumo consciente pode ajudar no bem-estar animal

Para Daniel Cruz, coordenador de Agropecuária Sustentável da Proteção Animal Mundial, é preciso incluir orientações gerais como evitar locais com registro da doença. “Ao caminhar na mata, parques ou fazendas, é necessário fazer o autoexame, verificando se há larvas (1-2 milímetros) ou adultos (5-10 milímetros) de carrapatos na pele ou na roupa”, ressalta.

  • Segundo ele, também é importante praticar o consumo consciente, que começa com uma redução no consumo de carne. “Isso contribui para que o sistema de criação intensiva se adapte a um modelo mais sustentável e passa pela prática de fazer melhores escolhas, como priorizar produtos com selo de bem-estar animal”, comenta.
  • Outra recomendação é cobrar dos pontos de venda a oferta de produtos com selo de bem-estar animal. A ONG está divulgando uma petição que pede o fim do uso irresponsável de antibióticos em animais de fazenda – saiba como assinar aqui.

Sobre a ONG Proteção Animal Mundial

  • Com mais de 70 anos de experiência em campanhas por um mundo no qual os animais vivam livres de crueldade e sofrimento, a Proteção Animal Mundial (World Animal Protection) mantém escritórios em 12 países e desenvolve trabalhos em 47 países, colaborando com comunidades locais, com o setor privado, com a sociedade civil e governos para mudar a vida dos animais para melhor.
  • O objetivo é mudar a maneira como o mundo trabalha para acabar com a crueldade e o sofrimento dos animais selvagens e de produção. Por meio de uma estratégia global de sistema alimentar, a proposta é acabar com a pecuária industrial intensiva e criar um sistema alimentar humano e sustentável, que coloca os animais em primeiro lugar.
  • “Ao transformar os sistemas falhos que impulsionam a exploração e a mercantilização, daremos aos animais silvestres o direito a uma vida silvestre. Nosso trabalho para proteger os animais desempenhará um papel vital na solução da emergência climática, da crise de saúde pública e da devastação de habitats naturais”, afirma a ONG.
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  • Professor de Medicina Veterinária esclarece dúvidas

  • Com casos fatais no Brasil, a febre maculosa é uma doença que afeta os seres humanos e é transmitida por meio da picada do carrapato. De acordo com dados do Ministério da Saúde, somente neste ano, foram registrados 53 casos em todo o país, sendo 30 na região Sudeste, levando oito pessoas a óbito. O professor de Medicina Veterinária do Centro Universitário de Brasília (CEUB) Lucas Edel esclarece algumas das principais dúvidas relacionados à enfermidade.

    De acordo com o veterinário, um mito comum é que a febre maculosa é transmitida diretamente pelo carrapato. O carrapato, segundo ele, atua apenas como vetor da doença, sendo infectado por uma bactéria presente em alguns tipos de mamíferos, principalmente herbívoros, como equinos, capivaras e gambás, além de cães. “Quando esses animais são infectados, os carrapatos que os parasitam se tornam portadores da bactéria, podendo transmiti-la aos seres humanos”, explica.

    O especialista alerta que os sintomas mais comuns da febre maculosa em seres humanos incluem febre alta e súbita, dores de cabeça, dores abdominais e hiperemia ocular (vermelhidão nos olhos).

    Apesar de as regiões Sul e Sudeste do Brasil serem as áreas de maior risco da febre maculosa, é importante estar atento em todas as localidades: “Mesmo que outras áreas não apresentem alto risco, não significa que não haja a possibilidade de transmissão da doença”, ressalta o médico veterinário.

    Quanto ao diagnóstico, recomenda-se que seja realizado o mais precocemente possível, assim que surgirem os sintomas. O docente ressalta que os métodos diagnósticos incluem exames sorológicos, como a reação de imunofluorescência, exames moleculares, como o PCR e, em alguns casos, cultura da bactéria. O tratamento é baseado no uso de antibióticos, que atuam contra a bactéria causadora da febre maculosa. Em casos de complicações, como insuficiência renal ou cardíaca, tratamentos específicos são aplicados conforme necessário.

    Como forma de prevenção à febre maculosa, Lucas Edel considera fundamental divulgar informações precisas para evitar a propagação da doença e garantir que a população esteja ciente dos riscos e das medidas preventivas.

    “É importante evitar áreas infestadas por carrapatos, usar repelentes adequados e roupas de proteção ao caminhar em áreas de vegetação densa, além de verificar cuidadosamente o corpo após exposição a ambientes propícios à presença de carrapatos”, conclui o veterinário.
    Com Assessorias
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