Patologia hereditária monogenética (que afeta um único gene) e hereditária mais predominante no Brasil e no mundo, a a doença falciforme configura um desafio considerável à saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2014 e 2020 o Brasil apresentou uma média anual de 1.087 novos casos de crianças diagnosticadas, uma incidência de 3.78 a cada 10 mil nascidos vivos.
Estima-se que aproximadamente 7% da população mundial seja acometida pelos transtornos das hemoglobinas, representados, na sua maioria, pelas talassemias e pela doença falciforme. A estimativa é de que há entre 60 mil e 100 mil pacientes com a doença no país, onde cerca de 3,5 mil crianças nascem por ano com a enfermidade.
A doença falciforme é uma condição genética e hereditária de anemia, caracterizada pela presença de glóbulos vermelhos rígidos em formato de foice – diferente da forma redonda e flexível normal – que dificultam a passagem de oxigênio para o cérebro, pulmões e outros órgãos. As consequências da DF são muitas e envolvem anemia crônica, crises dolorosas associadas ou não a infecções, retardo do crescimento, infecções e infartos pulmonares, acidente vascular cerebral, inflamações, úlceras e, consequentemente, reflexos na autoestima e na saúde mental.
“A doença não tem cura e pode comprometer funções importantes do organismo, podendo levar a crises dolorosas, retardo do crescimento, infecções pulmonares, AVC, inflamações e úlceras”, explica Maria do Carmo Favarin, hematologista do Sabin Diagnóstico e Saúde em Ribeirão Preto.
O reconhecimento tardio de tais doenças pode levar à morte nos primeiros anos de vida. Os avanços científicos e tecnológicos permitem que atualmente seja possível realizar testes genéticos que identificam a doença antes mesmo do nascimento, o que permite o reconhecimento da patologia desde o início e a possibilidade de já planejar o tratamento e acompanhamento necessários. Outras formas de descobrir a doença depois do período pós-natal é através da realização de exames complementares.
“Por isso é fundamental o diagnóstico precoce para oferecer um tratamento adequado e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O diagnóstico preciso, que geralmente é feito na triagem neonatal, permite o início de intervenções terapêuticas e medidas preventivas que podem minimizar as complicações associadas à doença”, complementa Favarin.
Após o diagnóstico, o tratamento envolve um acompanhamento médico e um programa de atenção integral, para garantir os cuidados adequados ao longo da vida. Os cuidados podem incluir medicamentos, transfusão de sangue e, em alguns casos, transplante de medula óssea. “Além disso paciente e família precisam ser preparados para o manejo adequado da condição, que inclui medidas preventivas, identificação rápida de sinais de gravidade e cuidados em situações de crise”, orienta a hematologista.
“O primeiro passo é sempre o diagnóstico adequado, com ele em mãos podemos iniciar o tratamento de maneira mais assertiva. Por isso a triagem neonatal é fundamental. Hoje temos o Teste do Pezinho, que pode ser complementado pela Teste Genético da Bochechinha, e que é capaz de fazer a triagem para essa condição já nos primeiros dias de vida do bebê”, explica Rosenelle Araujo.
Mitos e verdades sobre a doença falciforme
Estabelecido em 2008 pela Organização Mundial da Saúde, o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Falciforme é celebrado no dia 19 de junho e tem por objetivo informar e aumentar a compreensão sobre essa condição genética que afeta pessoas no mundo inteiro.
Ana Cristina Silva Pinto, médica da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) e professora da Universidade de São Paulo (USP) traz alguns verdades e mitos sobre a doença:
O principal meio de diagnóstico é o Teste do Pezinho
Verdade. Para o tratamento adequado da doença falciforme, o diagnóstico precoce é essencial. Ela pode e deve ser diagnosticada nos primeiros momentos de vida pelo teste do pezinho para o rápido direcionamento a exames, acompanhamento e tratamentos para amenizar seus impactos9,10.
“É fundamental que a sociedade esteja ciente dos desafios enfrentados pelos indivíduos com Doença Falciforme. A DF causa muitas complicações agudas e crônicas ao longo da vida do paciente. A principal indicação para lidar com esse desafio é a triagem neonatal, essencial para identificação dos casos e correto encaminhamento para centros de referência para acompanhamento regular, realização de exames e recebimento de toda atenção necessária. Só assim o paciente conseguirá ter melhores condições de sobrevida com uma doença que, na maioria dos casos, o acompanhará por toda a vida”, ressalta.
A doença falciforme tem cura.
Depende. Os pacientes contam com tratamentos como hidroxiureia, antibióticos e transfusões de sangue, que podem minimizar efeitos da doença falciforme, oferecendo a possibilidade de um cotidiano com mais qualidade de vida. A cura é possível apenas em casos muito específicos, em que é indicado o transplante de medula óssea, mas, mesmo nessas situações, o médico deve acompanhar continuamente o paciente9.
Embora seja uma anemia, o excesso de ferro no sangue é uma ameaça (verdade).
Atualmente os pacientes contam com opções importantes de tratamento, sendo as transfusões regulares de sangue as indicadas com mais frequência. Porém, há de se ter atenção às principais consequências desse tipo de terapia, como a possível sobrecarga de ferro no organismo, já que o ferro presente no sangue transfundido não é eliminado de forma eficiente. “A sobrecarga crônica de ferro pode causar danos irreversíveis em órgãos vitais, como o coração e o fígado”, aponta a Dra. Ana Cristina Silva Pinto.
Tradicionalmente, a terapia de quelação por meio do uso de agentes quelantes de ferro tem sido a abordagem padrão para remover o excesso de ferro no organismo dos pacientes. No entanto, em alguns casos, devido a contraindicações ou intolerância a esses agentes, a terapia de quelação convencional pode não ser recomendada.
“Atualmente, há alternativas terapêuticas focadas em abordagens para remover o excesso de ferro de maneira segura e eficaz, visando minimizar os danos causados pela sobrecarga crônica de ferro”, enfatiza a especialista.
Doença falciforme pode evoluir para câncer.
Mito. Mesmo que toda esteja ligada à genética sanguínea, a doença falciforme não evolui para câncer, a não ser que já tenha a predisposição para tal. A doença falciforme e a talassemia afetam os glóbulos vermelhos, enquanto a leucemia, por exemplo, acomete os glóbulos brancos.
Essa é uma doença que afeta somente pessoas negras (mito).
É uma verdade que a DF se manifesta com mais frequência em pessoas afrodescendentes, isso porque ela tem origem no gene HbS, de origem africana. Porém, em um mundo globalizado, a miscigenação racial, presente em todos os continentes, faz com que praticamente pessoas de qualquer etnia possam desenvolver a patologia.
A DF só é transmitida geneticamente.
Verdade. O único meio de transmissão da doença falciforme é entre gerações, pela genética ou, em outras palavras, por transmissão mendeliana. Não há a possibilidade de transmissão da enfermidade pelo contato com outras pessoas.
Com Assessorias