Considerada por muitos uma ‘”doença de antigamente”, a tuberculose ainda persiste como um grave problema de saúde pública em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a enfermidade afeta cerca de 10 milhões de pessoas por ano e, infelizmente, pelo menos 1 milhão acabam morrendo. No Brasil, são registrados aproximadamente 70 mil novos casos a cada ano, com cerca de 4,5 mil mortes – uma média de 14 mortes por dia, segundo o Ministério da Saúde.

O problema é ainda mais preocupante no Rio de Janeiro, cidade que concentra o maior número de casos de tuberculose do Brasil em pleno século 21. Em todo o estado, de acordo com a Secretaria estadual de Saúde, foram registrados 18.365 casos totais da doença em 2023, sendo 13.994 novos adoecimentos em todo o estado, com 794 óbitos.

Somente no Hospital Municipal Raphael de Paula Souza, em Curicica, zona oeste do Rio, entre janeiro e fevereiro de 2024, foram registradas 57 internações no setor de Infectologia, contra 42 no mesmo período de 2023 (aumento de 35%). Já na Pneumologia, o salto foi ainda maior: de 21 para 61 internações (aumento de 294%).

O hospital é considerado uma referência no tratamento de tuberculose no Rio desde a sua inauguração, nos anos 50. Para atender à grande demanda nos dias atuais, a unidade passou por reformas em 2023. As obras foram inauguradas em janeiro deste ano, aumentando a oferta de leitos de internação e consultas ambulatoriais à população do município.

O Dia Mundial da Tuberculose neste domingo (24/3) acende um alerta para a doença, que é motivo de preocupação dos especialistas pela dificuldade no tratamento e o grande número de mortes. A data foi criada com o objetivo de aumentar a conscientização sobre as consequências devastadoras dessa doença e medidas de prevenção, e destacando a importância do diagnóstico precoce e, sobretudo, da adesão dos pacientes ao tratamento.

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Maior desafio é garantir a continuidade do tratamento

A tuberculose é uma das doenças consideradas “negligenciadas” pela OMS – ou “socialmente determinadas”, segundo o Ministério da Saúde. Isso porque, na maioria dos casos, atinge pessoas em situação de extrema vulnerabilidade social ou excluídas da sociedade, como pessoas em situação de rua, de dependência química ou privadas de liberdade.

Um dos maiores desafios é a falta de continuidade no tratamento pelos pacientes. Mas especialistas garantem: com diagnóstico precoce e o tratamento adequado – que podem ser feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) – é possível vencer a tuberculose, apesar de sua alta taxa de letalidade.

Genilson de Almeida Araújo, internado no serviço de Pneumologia do Hospital Municipal Raphael de Paula Souza, está conseguindo vencer a doença. Em forte desabafo, ele fala sobre o enfrentamento da tuberculose. Genilson, que estava vivendo em situação de rua por causa da dependência de drogas e álcool, diz que chegou a pensar em morrer.

“O desafio era eu ou a doença. Mas no início eu não queria vencer a tuberculose, eu queria morrer. Porque essa doença estava agravando e pedi para Deus me levar, porque me senti excluído do mundo, rejeitado até pela própria família, depois de tudo que fiz”, disse ele à Ouvidoria do Hospital.

Ele conta que a doença o deixou muito debilitado. “Você fica incapaz, fica fraco e frágil e não tem como se movimentar. Cada vez mais vai apertando o seu peito, perdendo o apetite, emagrecendo. Não tinha forças para levantar uma lixeira”, disse, apontando para o recipiente no quarto do hospital.

‘Comecei a ter uma sensação de perfuração no peito’

O paciente explicou  que descobriu a tuberculose após uma forte crise de tosse. Chegou a pensar que era Covid-19, mas um teste rápido a que foi submetido não acusou vírus.

“Até então eu vivia na rua, na cachaça e nas drogas, até que me deu uma crise de tosse e não achei normal. Começou a dar uma sensação de perfuração no peito. Tomava leite, me alimentava pra ver se melhorava e a tosse continuava. Fiz um teste de Covid e deu negativo”.

Genilson, então, resolveu procurar uma unidade de saúde perto da sua casa, onde vivia com a família. Lá, fez exame de sangue, urina, de escarro, que diagnosticou a tuberculose. Ele diz que foi, então, orientado a procurar tratamento em um abrigo municipal para pessoas em situação de rua.

“Eles queriam me mandar para um abrigo, mas no abrigo eu não vou me tratar, porque lá é aquele negócio, você sai de dia e volta de noite. Então, é a mesma coisa que ficar em casa, tomar o remédio e ir para a rua beber cachaça, entendeu?!”, contou, consciente de sua dificuldade em lidar com a dependência química.

Genilson até chegou a pensar em procurar a família, mas também temia não ser novamente aceito em casa, por causa do abuso de drogas e álcool.

“Em casa não ia ter como eu fazer meu tratamento. Se fosse para ficar em casa, ia ficar bebendo, sem condições de andar, tendo que tomar remédio em jejum, podendo cair na rua… Falei com Deus, comecei a orar, voltei a me alimentar. Mas não ‘descia’ nada; tudo que comia, ‘voltava’ e eu só emagrecendo”, relatou.

Genilson disse que os sintomas da tuberculose só pioravam, somados a um sentimento que invadia seu peito.

“Forma uma bola de neve, junta tudo dentro do seu peito, no coração e vai apertando. Depois de tudo que fiz por eles e, quando você mais precisa, você fica sozinho. É quando você se pergunta: o que vai ser de mim? Eu não tenho importância, eu não existo. Pedia para Deus me levar, mas ele me livrou da morte. Ele não quer, tem algo para mim”, contou, desolado.

Foi em meio à sensação de completo abandono que ele pensou em procurar uma internação. No hospital, foi imediatamente internado. “Aqui foi bom, graças a Deus me acolheram bem, fui tratado bem”, conta ele.

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‘Parece até um hospital particular’, diz o paciente

Genilson está muito satisfeito com o atendimento que está recebendo pelo SUS. “Eles sempre atendem, perguntam, falam que se eu precisar de alguma coisa é só chamar eles, mas graças a Deus eu quase nem dou trabalho”.

Perguntado sobre a estrutura do hospital, aprovou: “Pra mim está tudo legal. Até hoje não tenho nem o que reclamar. Ar-condicionado eu uso às vezes, só quando tá muito calor. A estrutura é boa”. E fez menção especial à atenção que recebe da equipe de profissionais de saúde.

“Aqui eles fazem até perguntas demais, tudo para o nosso próprio bem. Perguntam como está a alimentação, se estou gostando, se tinha que pôr mais ou diminuir, como está a urina, como estão as fezes. Em vista de outros hospitais, isso aqui para mim parece é um hospital particular”.

O tratamento ainda inclui o serviço de apoio psicológico e social. Com a assistente social, ele se sentia confortável, depois de muito tempo se sentindo invisível nas ruas. “A gente conversava, a gente se ‘’abria’’. Muito bom”. E ainda se derrama em elogios à equipe de enfermagem.

“Graças a Deus, são todos amigos. Aqui eu criei uma família, a família que eu não tive, por que a minha própria família me rejeitou. Então a que eu não tive em casa, aqui eu ganhei”, declarou, emocionado.

Perguntado sobre qual conselho daria para quem descobriu hoje uma doença como a tuberculose, Genilson dá a receita:

“A primeira coisa é a força em Deus, a fé, e depois procurar um profissional, se alimentar, pois a doença veio para matar, precisa ter forças para comer, para caminhar, não ficar deitado, achando que vai ser curado. Tem que ter ajuda profissional. A tuberculose tem cura!”.

Com informações da Assessoria do Hospital Municipal Raphael de Paula Souza

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