- Uma crise epiléptica é definida como “a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas secundários à atividade neuronal cerebral anormal excessiva ou síncrona”. No mundo, estima-se que mais de 65 milhões de pessoas vivam com a doença, que apresenta risco de mortalidade superior à da população em geral e menor expectativa de vida. O tratamento da epilepsia é principalmente medicamentoso, com cerca de 70% dos pacientes atingindo a remissão da doença, ou seja, conseguem permanecer livres de crises.
- Porém, atualmente, 30% dos pacientes são considerados refratários aos medicamentos, ou seja, resistentes aos antiepilépticos. Com isso, esses pacientes continuam apresentando crises epilépticas. Nesses casos, as alternativas disponíveis são o tratamento cirúrgico ou estimulação elétrica do nervo vago. Outras opções têm sido buscadas por pacientes, famílias e profissionais de saúde, com destaque para o uso medicinal da cannabis – a planta da qual é extraída a maconha.
Surge agora, oficialmente, uma esperança no horizonte para essas famílias, que atualmente são obrigadas a recorrer à Justiça para garantir o tratamento com canabidiol. Esta semana, o Ministério da Saúde abriu consulta pública para receber informações, opiniões e críticas da sociedade e comunidade científica sobre a incorporação do canabidiol para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos.
Hoje o canabidiol é usado somente para o tratamento de epilepsias de crianças e adolescentes refratárias aos tratamentos convencionais apenas como uso compassivo, ou seja, como demanda individual com prescrição restrita às especialidades de neurologia, neurocirurgia e psiquiatria cadastrados no Conselho Federal de Medicina. As contribuições poderão ser realizadas até o dia 15 de março, pelo site da Conitec, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
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Substância também pode ser usada para tratar pets
Entre muitos projetos que tramitam no Congresso Nacional para liberar o uso de maconha medicinal em diversos tratamentos, está o Projeto de Lei (PL) nº 369/2021, apresentado na última quarta-feira (10), na Câmara dos Deputados. O objetivo é regulamentar o uso veterinário de remédios derivados da Cannabis sativa e garantir as pesquisas que comprovem a eficácia e eficiência do produto em animais, como já ocorreu com o uso humano.
Uso análogo
Efeito terapêutico do CBD
Saiba mais sobre o uso medicinal da Cannabis
O uso da cannabis medicinal é conhecido há milhares de anos, nos remetendo à era que precede a palavra escrita. Atualmente, com o avanço da ciência nos estudos da cannabis como tratamento terapêutico, a substância vem sendo utilizada com segurança por pacientes de todo o mundo.
Esses benefícios contribuem de forma significativa para a qualidade de vida dos pacientes que apresentam melhora em quadros de ansiedade, depressão, dores, transtornos do sono, espasticidade, entre outras condições.
O avanço do conhecimento científico sobre a cannabis medicinal e o desenvolvimento da indústria farmacêutica especializada mostram que a substância pode ser classificada como uma nova área terapêutica disponível para apoiar diferentes especialidades médicas”, explica o neurologista Flavio Rezende, mestre e doutor em Neurologia, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Health Meds.
Os fitofármacos à base da cannabis são desenvolvidos por meio de rigorosos controles de qualidade com 99% de grau de pureza e indicações definidas. “Estudos de fase III para tratar dor e espasticidade na esclerose múltipla e para o tratamento de epilepsias farmacorresistente apresentam evidências científicas sólidas com aprovação regulatória pelo FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos”, exemplifica Dr. Flavio Rezende.
Entenda como funciona
A cannabis medicinal possui mais de 480 substâncias químicas. Cerca de 150 destes compostos são denominados fitocanabinóides, sendo que os mais conhecidos e estudados são o THC (Tetrahidrocanabinol), o CBD (Canabidiol) e o CBG (Canabigerol).
Os fitocanabinóides se ligam a receptores específicos do corpo humano. Esse sistema complexo é responsável por uma série de funções fisiológicas, incluindo a memória, o humor, o controle motor, o comportamento alimentar, o sono, a imunidade e a dor.
Principais indicações
Por se tratar de área do conhecimento em constante desenvolvimento, novas indicações* vêm sendo buscadas pela comunidade científica e publicadas nas principais revistas médicas do mundo:
• Demência com agitação
• Distúrbios do sono secundários a doença neurológica
• Doença de Parkinson (sintomas não-motores)
• Dor crônica
• Epilepsia (Dravet e Lenox Gastaut)
• Esclerose múltipla (sintomas urinários, dores, espasticidade)
• Esquizofrenia
• Síndrome de estresse pós-traumático
• Síndrome de Tourette*Estudos variados em fase II, fase III ou observacionais.
Mais de 5 mil anos de uso pela civilização
O uso medicinal da cannabis é conhecido em diversas culturas há mais de 5 mil anos. Sabemos que a cannabis percorreu toda a Rota da Seda que interligava comercialmente o Oriente e a Europa, sendo levada ao ocidente pelo médico escocês Willian O’Shaughnessy enquanto participava das missões britânicas nas Índias.
Como pesquisador e professor da Universidade de Calcutá (Índia), O’Shaughnessy foi um dos cientistas pioneiros na pesquisa de terapias com a cannabis em pacientes com cólera, reumatismo, raiva, tétano, epilepsias e doenças inflamatórias, estudando os benefícios da substância no alívio de dores e redução de espasmos musculares.
O uso da cannabis medicinal ganhou destaque na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos, entre os anos de 1840 e 1940. Médicos ingleses indicavam o uso da cannabis como estimulante do apetite, analgésico, relaxante muscular, anticonvulsivante e hipnótico.
Ao longo dos últimos séculos, cientistas continuaram a estudar o uso da cannabis medicinal como terapia adjuvante no tratamento doenças neurológicas, psiquiátricas, degenerativas e inflamatórias.
O “pai da cannabis medicinal”
Conhecido como o “pai da cannabis moderna”, o pesquisador Raphael Mechoulam, em parceria com a Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu isolar 60% da substância ativa da cannabis com métodos laboratoriais, sintetizando pela primeira vez o THC (tetrahidrocanabinol) e, posteriormente, o canabidiol, compostos da planta. Seu estudo publicado na revista Science aborda de maneira inédita a biogênese dos canabinóides.