Maconha medicinal para crianças com epilepsia pode ser liberada no SUS

Ministério da Saúde abriu uma consulta pública para receber opiniões sobre a inclusão do canabidiol no tratamento da epilepsia refratária. As contribuições podem ser feitas até 15 de março, pela internet

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  • Uma crise epiléptica é definida como “a ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas secundários à atividade neuronal cerebral anormal excessiva ou síncrona”. No mundo, estima-se que mais de 65 milhões de pessoas vivam com a doença, que apresenta risco de mortalidade superior à da população em geral e menor expectativa de vida. O tratamento da epilepsia é principalmente medicamentoso, com cerca de 70% dos pacientes atingindo a remissão da doença, ou seja, conseguem permanecer livres de crises.
  • Porém, atualmente, 30% dos pacientes são considerados refratários aos medicamentos, ou seja, resistentes aos antiepilépticos. Com isso, esses pacientes continuam apresentando crises epilépticas. Nesses casos, as alternativas disponíveis são o tratamento cirúrgico ou estimulação elétrica do nervo vago. Outras opções têm sido buscadas por pacientes, famílias e profissionais de saúde, com destaque para o uso medicinal da cannabis – a planta da qual é extraída a maconha.

Surge agora, oficialmente, uma esperança no horizonte para essas famílias, que atualmente são obrigadas a recorrer à Justiça para garantir o tratamento com canabidiol. Esta semana, o Ministério da Saúde abriu consulta pública para receber informações, opiniões e críticas da sociedade e comunidade científica sobre a incorporação do canabidiol para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia refratária a medicamentos antiepilépticos.

Hoje o canabidiol é usado somente para o tratamento de epilepsias de crianças e adolescentes refratárias aos tratamentos convencionais apenas como uso compassivo, ou seja, como demanda individual com prescrição restrita às especialidades de neurologia, neurocirurgia e psiquiatria cadastrados no Conselho Federal de Medicina. As contribuições poderão ser realizadas até o dia 15 de março, pelo site da Conitec, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

Saiba mais aqui.

Substância também pode ser usada para tratar pets

Entre muitos projetos que tramitam no Congresso Nacional para liberar o uso de maconha medicinal em diversos tratamentos, está o Projeto de Lei (PL) nº 369/2021, apresentado na última quarta-feira (10), na Câmara dos Deputados. O objetivo é regulamentar o uso veterinário de remédios derivados da Cannabis sativa e garantir as pesquisas que comprovem a eficácia e eficiência do produto em animais, como já ocorreu com o uso humano.

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) contribuiu técnica e juridicamente para o projeto de lei, orientando a redação, a fim de que a futura lei possa resguardar a saúde dos animais e dar segurança aos profissionais. “A ideia é de que apenas médicos-veterinários inscritos regularmente nos CRMVs possam receitar a substância para cada paciente”, assinala o presidente do CFMV, Francisco Cavalcanti de Almeida.
O PL, conforme descrito em seu artigo 1º, “dispõe sobre a prescrição, fabricação, dispensação, comercialização, importação, uso, pesquisa e fiscalização de produtos industrializados destinados à medicina veterinária que contenham como ativos derivados vegetais ou fitofármacos de ‘Cannabis sativa’”.
O deputado federal José Carlos Bacelar Batista, da Bahia,  explica que o projeto preenche uma lacuna, pois falta uma lei que ampare o uso e a prescrição dessas substâncias aos animais. “Com a aprovação, conseguiremos incentivar pesquisas, estudos e a comercialização, no mercado brasileiro, de medicamentos mais eficientes, seguros e de qualidade”, afirma Bacelar.

Uso análogo

Atenta ao tema, a autarquia recebeu requerimento para orientar técnica e juridicamente o projeto. Medicamentos à base de canabinoides em animais de estimação podem ampliar o escopo do tratamento de doenças neurológicas, a exemplo da epilepsia, e atenuar a dor, entre outras indicações.
Dessa forma, o CFMV cumpre seu papel explícito na Lei nº 5.517/1968, de servir de órgão de consulta em todos os assuntos relativos, direta ou indiretamente, às profissões de médico-veterinário e zootecnista”, pontua o advogado e médico-veterinário Rodrigo Montezuma, assessor técnico-jurídico de Relações Institucionais  do CFMV.
A orientação do CFMV é que, caso a lei seja aprovada no Congresso Nacional, que a aplicação dos derivados de Cannabis sativa em animais siga as normativas existentes para o uso em humanos, até que seja aprovada legislação específica para o uso veterinário das substâncias.

Efeito terapêutico do CBD

Embora seja da mesma família de plantas que a maconha, o canabidiol (CBD) não tem propriedades psicoativas e não é intoxicante. Assim como o THC (tetra-hidrocanabinol), trata-se de um composto encontrado na planta de cannabis.
Ambos atuam na mesma rede de receptores ligada ao equilíbrio, presente em todos os vertebrados, os chamados receptores canabinoides, que estão presentes em todo o corpo de humanos e animais. A diferença é que o THC é uma substância psicoativa e neurotóxica, enquanto o CBD possui diversas possibilidades terapêuticas cientificamente comprovadas.
Você pode acompanhar a tramitação do Projeto de Lei nº 369/2021 aqui.

Saiba mais sobre o uso medicinal da Cannabis

O uso da cannabis medicinal é conhecido há milhares de anos, nos remetendo à era que precede a palavra escrita. Atualmente, com o avanço da ciência nos estudos da cannabis como tratamento terapêutico, a substância vem sendo utilizada com segurança por pacientes de todo o mundo.

Diversos estudos, em diferentes fases de pesquisa, apontam os benefícios da cannabis para o tratamento dos sintomas não-motores da doença de Parkinson (depressão, ansiedade, transtornos do sono e outros), das dores e espasmos provocados pela esclerose múltipla, no controle das crises epiléticas e outras doenças.

Esses benefícios contribuem de forma significativa para a qualidade de vida dos pacientes que apresentam melhora em quadros de ansiedade, depressão, dores, transtornos do sono, espasticidade, entre outras condições.

O avanço do conhecimento científico sobre a cannabis medicinal e o desenvolvimento da indústria farmacêutica especializada mostram que a substância pode ser classificada como uma nova área terapêutica disponível para apoiar diferentes especialidades médicas”, explica o neurologista Flavio Rezende, mestre e doutor em Neurologia, professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Health Meds.

Os fitofármacos à base da cannabis são desenvolvidos por meio de rigorosos controles de qualidade com 99% de grau de pureza e indicações definidas. “Estudos de fase III para tratar dor e espasticidade na esclerose múltipla e para o tratamento de epilepsias farmacorresistente apresentam evidências científicas sólidas com aprovação regulatória pelo FDA (Food and Drug Administration), nos Estados Unidos”, exemplifica Dr. Flavio Rezende.

Entenda como funciona

A cannabis medicinal possui mais de 480 substâncias químicas. Cerca de 150 destes compostos são denominados fitocanabinóides, sendo que os mais conhecidos e estudados são o THC (Tetrahidrocanabinol), o CBD (Canabidiol) e o CBG (Canabigerol).

Os fitocanabinóides se ligam a receptores específicos do corpo humano. Esse sistema complexo é responsável por uma série de funções fisiológicas, incluindo a memória, o humor, o controle motor, o comportamento alimentar, o sono, a imunidade e a dor.

Principais indicações

Por se tratar de área do conhecimento em constante desenvolvimento, novas indicações* vêm sendo buscadas pela comunidade científica e publicadas nas principais revistas médicas do mundo:

• Ansiedade
• Demência com agitação
• Distúrbios do sono secundários a doença neurológica
• Doença de Parkinson (sintomas não-motores)
• Dor crônica
• Epilepsia (Dravet e Lenox Gastaut)
• Esclerose múltipla (sintomas urinários, dores, espasticidade)
• Esquizofrenia
• Síndrome de estresse pós-traumático
• Síndrome de Tourette*Estudos variados em fase II, fase III ou observacionais.

Mais de 5 mil anos de uso pela civilização

O uso medicinal da cannabis é conhecido em diversas culturas há mais de 5 mil anos. Sabemos que a cannabis percorreu toda a Rota da Seda que interligava comercialmente o Oriente e a Europa, sendo levada ao ocidente pelo médico escocês Willian O’Shaughnessy enquanto participava das missões britânicas nas Índias.

Como pesquisador e professor da Universidade de Calcutá (Índia), O’Shaughnessy foi um dos cientistas pioneiros na pesquisa de terapias com a cannabis em pacientes com cólera, reumatismo, raiva, tétano, epilepsias e doenças inflamatórias, estudando os benefícios da substância no alívio de dores e redução de espasmos musculares.

O uso da cannabis medicinal ganhou destaque na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos, entre os anos de 1840 e 1940. Médicos ingleses indicavam o uso da cannabis como estimulante do apetite, analgésico, relaxante muscular, anticonvulsivante e hipnótico.

Ao longo dos últimos séculos, cientistas continuaram a estudar o uso da cannabis medicinal como terapia adjuvante no tratamento doenças neurológicas, psiquiátricas, degenerativas e inflamatórias.

O “pai da cannabis medicinal”

Conhecido como o “pai da cannabis moderna”, o pesquisador Raphael Mechoulam, em parceria com a Universidade Hebraica de Jerusalém, conseguiu isolar 60% da substância ativa da cannabis com métodos laboratoriais, sintetizando pela primeira vez o THC (tetrahidrocanabinol) e, posteriormente, o canabidiol, compostos da planta. Seu estudo publicado na revista Science aborda de maneira inédita a biogênese dos canabinóides.

A descoberta e a elucidação do sistema endocanabinoide permitiu a realização de uma ampla gama de estudos pré-clínicos, propiciando a condução dos primeiros ensaios clínicos na área. Em 1980, Raphael Mechoulam e o professor brasileiro Elisaldo Carlini, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicaram juntos o primeiro estudo com humanos sobre o uso da cannabis medicinal em pacientes com epilepsia farmacorresistente, demonstrando os benefícios da substância no controle das crises epiléticas.
Com Ministério da Saúde, CFMV e Health Meds
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