Em novembro de 2010, aos 65 anos, minha mãe, Noêmia Vicente Macedo, faleceu de complicações de um grave Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico que lhe tirou a fala (afasia) e os movimentos do braço e perna direitos (hemiplegia). Acabava a luta que durou sete anos, entre idas e vindas ao hospital, muitas vezes direto no CTI.

A situação poderia ter sido diferente se ela tivesse recebido, nas primeiras quatro ou cinco horas após sofrer o AVCi, um medicamento chamado trombolítico. Mas, infelizmente, no Hospital São José do Avaí, em Itaperuna (RJ), informaram que ela já chegou tarde para receber tal terapia.

Passados quase 13 anos desde sua morte, hoje, recebemos na redação de ViDA & Ação uma excelente notícia que poderia ter poupado a vida da minha mãe e de muitas pessoas que sofrem AVCi ou, pelo menos, atenuar as sequelas e danos sofridos por essa doença tão cruel e incapacitante. E o melhor, de graça pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A novidade se chama Trombectomia Mecânica (TM), uma tratamento endovascular com eficácia comprovada no tratamento do AVC isquêmico, que aumenta em até três vezes as chances de pacientes ficarem com pouca ou nenhuma sequela, conforme aponta o estudo Resilient.

Minimamente invasiva, a Trombectomia Mecânica complementa a trombólise, única opção até então disponível na rede pública de saúde, e nem sempre eficiente para os casos mais graves do AVCi. Além de segura e eficaz, uma das grandes vantagens da TM é que pode ser utilizada até 24 horas após os primeiros sintomas do AVC com sucesso. Já outras formas de tratamento, como os trombolíticos, têm uma janela restrita de indicação e sucesso somente até 4,5 horas depois das manifestações iniciais da doença.

Tratamento no SUS já poderia ter poupado 60 mil vidas

A previsão é que até o final de 2023 a TM possa ser oferecida na rede pública. Em audiência pública realizada no dia 22 na Câmara dos Deputados para discutir a “Situação do acidente vascular cerebral no Sistema Único de Saúde”, o coordenador-geral de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri, informou que a Trombectomia Mecânica deverá ser implementada no SUS ainda no segundo semestre deste ano, contando com a participação da câmara técnica na análise do PCDT (Protocolo de Diretrizes Clínicas e Terapêuticas).

“Esse é um governo participativo que conta com a contribuição das sociedades científicas para a tomada da decisão. Neste espaço, vamos fazer o debate de quais são os primeiros serviços onde deve-se iniciar a implantação da Trombectomia Mecânica e, a partir disso, reeditar o PCDT vigente com a sua inclusão. Depois desse passo, vamos trabalhar no monitoramento do impacto e curva de aprendizado para a ampliação da disponibilização da Trombectomia Mecânica em toda a rede SUS”, finalizou Cariri.

A Trombectomia Mecânica já recebeu recomendação positiva há 1 ano e 8 meses pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias de Tecnologias no SUS), como um tratamento comprovadamente seguro, eficaz e custo-efetivo contra o Acidente Vascular Cerebral isquêmico (AVCi), mas até agora não foi implementada na prática.

A estimativa é que cerca de 60 mil pacientes deixaram de ser tratados com a TM por esta não estar ainda disponível no SUS para a população. O motivo? Para que a sua efetiva operacionalização no sistema público de saúde ocorra, ainda é necessária a publicação do PCDT pelo Ministério da Saúde.

A sessão tratou de programas de prevenção, reconhecimento de sinais e sintomas da doença, diagnóstico no tempo correto e das alternativas de tratamento, entre elas, com ênfase na importância da disponibilização da trombectomia mecânica no SUS. A sessão contou com a presença de representantes do Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), Instituto Lado a Lado pela Vida, a Sociedade Brasileira de AVC e da Sociedade Brasileira de Neurorradiologia Diagnóstica e Terapêutica (SBNR). 

Paciente de 40 anos recuperou completamente o movimento após ser tratado com TM

Para enfatizar os benefícios da Trombectomia Mecânica, o neurointervencionista Francisco José Mont’Alverne, membro do Comitê executivo da Rede Resilient de pesquisa em AVC e da Sociedade Brasileira de Neurorradiologia (SBNR), destacou o caso de um paciente com 40 anos que recuperou completamente o movimento dos membros após ser tratado com a TM.

“O propósito agora é oferecer um tratamento de alta performance de forma igualitária para a população como um todo. Estamos falando de uma conquista de valor inquestionável para uma doença cujos sintomas nem sempre são notados em curto espaço de tempo, bem como existem atrasos na busca imediata pelo auxílio médico especializado”, pontuou.

Segundo ele, hoje apenas 30% dos pacientes procuram as instituições de saúde no período de até 8h após o início dos sintomas do AVC. “Como a cada minuto que passa são 2 milhões de neurônios que morrem, imagine os estragos dessa falta de agilidade e as sequelas da doença na vida do paciente?”, questiona.

Presidente da Sociedade Brasileira de AVC, Maramelia Miranda Alves, afirmou que a Trombectomia Mecânica “mudou a chave para o tratamento do AVC isquêmico”.

“Nós estamos seguindo a linha dos cardiologistas. Quando eles identificam o infarto, levam o doente para mesa da hemodinâmica, fazem o cateterismo e abrem a artéria. Os neurointervencionistas, que tratavam até pouco tempo o AVC isquêmico apenas com medicamento para dissolver o coágulo, agora levam o paciente para a mesa de hemodinâmica para passar um cateter e abrir a artéria. Isso transformou radicalmente a evolução do tratamento do AVC isquêmico, ao ponto de pacientes chegarem com graves quadros clínicos de hemiparesia (paralisia de uma das partes do corpo) e, ao receberem a Trombectomia Mecânica, saírem praticamente sem sequelas. É isso, portanto, o que a Sociedade Brasileira do AVC preconiza: proporcionar esse tratamento aos pacientes do SUS”, concluiu Maramelia.

Como funciona a Trombectomia Mecânica

A Trombectomia Mecânica consiste na desobstrução da artéria cerebral realizada por um cateter que leva um dispositivo endovascular, um stent ou um sistema de aspiração, para remover o coágulo sanguíneo do cérebro. Com o procedimento, a taxa de recanalização na oclusão de grandes vasos chega a 77%, bem mais eficiente que o tratamento convencional de trombólise endovenosa, com 11%. A trombólise endovenosa, tratamento medicamentoso com uso de trombolítico, deve ser aplicado em até 4h30 após os primeiros sintomas.

A nova técnica reduz as taxas de mortalidade, o tempo de internação e dá mais chances para a boa recuperação no pós-AVC. A TM proporciona também melhor qualidade de vida ao paciente, aumentando a sua capacidade funcional (cognitiva e motora) e dando maior independência no pós-AVC. Estudos apontam ainda que 46% dos pacientes que foram submetidos a essa nova técnica se mostraram independentes após três meses de tratamento, contra apenas 26,5% do grupo que recebeu a trombólise endovenosa

  • Já aprovada nos Estados Unidos, países da Europa, Canadá e Austrália, além de chancelada por guidelines internacionais e sociedades médicas da área, a Trombectomia Mecânica teve eficácia e custo-benefício analisados por nove estudos clínicos. A técnica, no entanto, não havia tido até então a sua viabilidade de implementação evidenciada em um país em desenvolvimento.
  • Para atender essa necessidade, surgiu o Resilient, estudo colaborativo da Rede Nacional de Pesquisa em AVC, com financiamento do Ministério da Saúde, realizado em 12 hospitais públicos do país, e com 221 pacientes. A pesquisa foi coordenada pela médica Sheila Martins.

Corrida contra o tempo para vencer o AVC

Do ponto de vista da sociedade civil, “há uma luta permanente em nome dos pacientes para que, independentemente da situação econômica, todos tenham acesso a tratamentos realmente eficazes e que vão fazer a diferença”, conforme defendeu Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida,

“O AVC deve ser tratado como uma importante questão de saúde pública e, se as instâncias competentes já recomendaram a tecnologia que pode evitar óbitos e dar mais qualidade de vida aos pacientes, ela deveria ser disponibilizada no SUS com agilidade, assim como ocorre aos pacientes que têm acesso à saúde suplementar”, argumenta Marlene.

O Instituto Lado a Lado pela Vida existe há 15 anos e atua em defesa dos pacientes nas duas principais causas de morte por enfermidade no país: câncer e doenças cardiovasculares. Segundo Marlene Oliveira, AVC e o infarto são as doenças que mais matam no país e quando não levam o paciente a óbito, o deixa incapaz.

Ela retratou que 70% das pessoas que sofrem AVC precisam se afastar do trabalho e familiares muitas vezes precisam fazer o mesmo para cuidar do paciente, onerando o sistema previdenciário e os custos com saúde.

Letícia Rebelo, especialista em neurologia vascular, endossou a precisão do tratamento devido ao desafio de correr-se contra o tempo no combate ao AVC e a importância dessa informação ser disseminada de forma mais contundente.

“O tempo é o nosso maior obstáculo, cada minuto conta. A cada 1 minuto são 2 milhões de neurônios perdidos. A cada AVC, temos em torno de 40 anos de idade acelerada. Quando mais rápido for a intervenção, menores são as chances de sequelas ao paciente”, finaliza.

Ainda durante a audiência na Câmara dos Deputados, Celso Amodeo presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), enfatizou a importância da propagação do trabalho educativo para prevenir a doença. Segundo ele, a hipertensão é o principal fator para a ocorrência do AVC e as atividades físicas e uma boa alimentação são consideradas importantes fatores contra ela.

AVC mata mais de 100 mil brasileiros por ano

O Acidente Vascular Cerebral é a segunda causa de morte e a primeira causa de incapacidade no mundo, de acordo com a World Stroke Organization. O AVC ocorre quando há uma alteração na circulação sanguínea do cérebro. Pode ser isquêmico – quando um vaso sanguíneo no cérebro fica bloqueado devido a um coágulo ou trombo, que é o tipo mais comum, correspondendo a 85% dos casos – ou hemorrágico – quando a artéria se rompe e o sangue extravasa.

O total de óbitos por AVC no Brasil foi de 101.965, em 2019; 102.812, em 2020; e 84.426, de janeiro a 27 de outubro de 2021. Além dos óbitos causados pelo AVC, cerca de 50% dos sobreviventes passam a ter sequelas, que levam à dependência parcial ou total, e até 30% desenvolvem algum tipo de demência nos meses seguintes. Cerca de 70% dos indivíduos que sofrem um AVC não retornam ao trabalho em razão de sequelas da doença. Os idosos continuam a ser o grupo com maior prevalência.

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