De mãe para filho: alerta para alta de casos de sífilis congênita

Rio registra aumento nos casos de sífilis congênita. Diagnóstico precoce e tratamento adequado são fundamentais para evitar agravamento

Paciente faz teste rápidos para HIV, Hepatite B, Hepatite C e Sífilis (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)
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Mariana (nome fictício) tem 23 anos de idade e descobriu que tinha sífilis na maternidade ao dar à luz a uma menina. Poucos dias depois do nascimento de sua filha, os exames detectaram que ela e a bebê estavam com a doença. O tratamento, segundo Mariana, é difícil é doloroso, principalmente para a criança.

“Ela recebe o medicamento injetável por 10 dias. É doloroso para mim ver o sofrimento da minha filha. É incômodo, ela chora. Não é fácil, não foi fácil para mim. Passei muitas noites em claro por causa disso”, lamentou ela, que passou 12 dias no hospital.

Casos como o de Mariana têm sido cada vez mais comuns no Brasil, que registrou, de janeiro a junho de 2022, um total de 122 mil novos casos de sífilis. Segundo informações do Ministério da Saúde, no primeiro semestre de 2022, foram identificados 79,5 mil casos de sífilis adquirida, 31 mil casos em gestantes e 12 mil ocorrências de sífilis congênita, que é transmitida da mãe para o bebê.

Esta infecção sexualmente transmissível (IST) pode provocar feridas no genitais, na palma das mãos e planta dos pés, manchas no corpo, queda de cabelos. Em mulheres, a sífilis tem o potencial de evoluir e provocar danos nos órgãos vitais, resultando em lesões cerebrais, articulares e cardíacas que podem ser fatais. Nas gestantes, os impactos no feto podem ser a possibilidade de aborto ou a morte.

O terceiro sábado do mês de outubro foi instituído como o Dia Nacional de Combate à Sífilis e à Sífilis Congênita, data voltada para conscientizar a população sobre os riscos da doença, os métodos de prevenção, além de incentivar a participação de profissionais da saúde e administradores de sistemas de saúde em iniciativas que contribuam com essa educação.

Sífilis congênita pode levar a aborto, má formação do feto e até morte

O destaque deste ano é a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado da sífilis nas gestantes durante o período pré-natal, nas mulheres e homens. A sífilis congênita pode gerar complicações como aborto espontâneo, parto prematuro, má-formação do feto, com surdez, cegueira, deficiência mental e/ou morte ao nascer. Isso reforça a importância da realização do acompanhamento pré-natal.

“A sífilis apresenta um alto risco de resultar em perdas ou lesões fetais potencialmente irreversíveis. Os impactos no feto podem ser devastadores, incluindo a possibilidade de aborto ou óbito fetal. Sem tratamento, o bebê pode nascer com sífilis congênita, exigindo internação para exames e administração de antibióticos como parte do tratamento da doença”, alerta o médico Regis Kreitchmann, vice-presidente da Comissão de Doenças Infectocontagiosas da Febrasgo ( Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Segundo Regis Kreitchmann, é preciso atenção, porque os sintomas são parecidos com os de outras patologias e assim passar despercebidos pelas mulheres. “Nas gestantes, a doença passa para o bebê porque a Treponema pallidum atravessa a placenta podendo resultar em perdas ou lesões fetais irreversíveis”. Sem tratamento, o bebê pode nascer com sífilis congênita, exigindo internação para exames e administração de antibióticos como parte do tratamento da doença.

O conselho de Mariana para as futuras mães é que se cuidem e façam o pré-natal regularmente. “Tem que fazer todos os exames, mas muitas não acreditam e não pensam assim. Acham que fazer mais um exame de sangue é um gasto, então não fazem porque não estão sentindo nada diferente. Eu estava bem, não sentia nada, minha bebê nasceu saudável e quando fizemos o exame tivemos a surpresa do resultado positivo”, disse.

Aumento de casos no Rio de Janeiro

Teste para detecção de sífilis, semelhante ao teste de glicemia, é realizado na Semana da Saúde, no Largo da Carioca (Foto: Maurício Basílio / SES)

De 2016 a 2021, o aumento dos casos de sífilis congênita em todo o Brasil foi considerável. Enquanto em 2016 foram registrados 91.506 casos, com taxa de detecção de 44,6 para cada 1.000 habitantes. Em 2021 foram 167.523, com taxa de detecção de 78,5 para cada 1.000. O número de gestantes infectadas pulou de 38.305 para 74,095, com a taxa de detecção passando de 13,4 para 27,1.

A sífilis congênita passou de 21.547 casos para 27.019, com a taxa de detecção aumentando de 7,5 para 9,9 para cada 1.000 habitantes. No Rio de Janeiro, vem aumentando os casos da transmissão da doença de mãe para filho. De acordo com o Boletim Epidemiológico Sífilis/MS de 2021, o estado registra taxa de 21,1 casos por mil nascidos vivos; quase três vezes acima da notificação nacional (7,7 casos para cada mil nascidos vivos).

Entre 2019 e 2021, houve crescimento de 15,6% do número de casos registrados no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN): de 4.387, em 2019, para 4.448, em 2020, e 5.068, em 2021. Por outro lado, no mesmo período foi verificada redução de mortalidade: dos 229 óbitos, em 2019, para 216, em 2020, e 188, em 2021.

A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), por meio da Gerência de IST/AIDS, realiza encontros com os municípios para analisar e discutir os óbitos por sífilis congênita. medidas para melhorar o pré-natal ofertado às gestantes, o atendimento à criança com sífilis e à criança exposta à sífilis, para diminuir a ocorrência de óbitos evitáveis.

O Brasil compõe a Agenda de Saúde Sustentável para as Américas 2018-2030, que apresenta como uma de suas metas a eliminação da transmissão vertical do HIV e da sífilis até 2030. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) tem como meta a eliminação da sífilis congênita nas Américas a partir do parâmetro da ocorrência de menos de 0,5 casos para cada mil nascidos vivos, sendo essa meta adotada pelo Ministério da Saúde (MS).

Subnotificação durante a pandemia de Covid

Segundo a especialista em saúde da mulher, enfermagem e obstetrícia e professora de Saúde da Mulher da Faculdade Anhanguera Karina Lopes Capi, o aumento dos casos em 2022 pode estar ligado à diminuição da notificação devido ao período da pandemia da covid-19, “mas não é possível falar em epidemia porque os dados abrangem apenas os 6 primeiros meses do ano”.

Karina reforça que para prevenir a doença basta usar o preservativo durante as relações sexuais. Para detectar a infecção já existem os testes rápidos disponíveis nas unidades básicas de Saúde (UBS) e caso o teste seja positivo, o tratamento é feito com a penicilina, a depender do estágio.

Durante a gestação, o tratamento da mãe e do bebê envolve o uso do medicamento por via intramuscular, com o número de injeções dependendo do tempo desde o contágio, variando de uma a três doses. Além disso, o parceiro também deve ser tratado com o mesmo regime de tratamento ou, se preferir, pode optar por um antibiótico oral. É fundamental seguir o tratamento prescrito e realizar exames de sangue para confirmar a eficácia da terapia.

“É importante ressaltar que nem sempre a criança apresenta os sintomas quando nasce. Mas a partir do momento que a gente tem uma mãe que foi diagnosticada com sífilis, essa criança precisa ser muito bem acompanhada, porque os sintomas e as manifestações clínicas em geral podem surgir aí nos 3 meses. E precisamos acompanhar de perto até pelo menos os 2 anos de vida”, explicou.

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A importância do diagnóstico precoce

Dia Nacional de Combate à Sífilis e à Sífilis Congênita, 19 de outubro, foi estabelecido com o propósito de incentivar a conscientização da população sobre a prevenção da doença. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) destaca a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado da sífilis nas gestantes e suas parcerias durante o período pré-natal, fundamentais na redução da morbidade e da mortalidade associada à sífilis congênita.

É necessário promover mobilização comunitária e a ampliação do acesso às ações de prevenção, diagnóstico e tratamento da população em geral. Os sintomas não são específicos da sífilis, sendo que muitas vezes, nas fases iniciais da doença, eles podem passar despercebidos pelas mulheres. A transmissão da doença pode ocorrer tanto por meio de relação sexual, quanto durante a gravidez, uma vez que a bactéria pode facilmente atravessar a placenta.

O diagnóstico da sífilis é clínico, epidemiológico e laboratorial, que acontece através de um exame de sangue. O Dr. Régis explica que o teste diagnóstico pode ser feito através de exames de sangue (VDRL ou RPR) no laboratório ou mesmo por teste rápido específico para sífilis no posto de saúde.

“O teste precisa ser realizado pelas pacientes que estão planejando uma gestação. Todas as gestantes devem realizar o teste na primeira consulta do pré-natal e repeti-lo no terceiro trimestre e no momento do parto. O exame deverá ser feito também nas situações de exposição de risco para sífilis, como ocorre nos episódios de violência sexual”, destaca o ginecologista. 

Riscos da sífilis não tratamento para a saúde da mulher

Pelo Sistema Único de Saúde, a gestante pode buscar as Unidades Básicas de Saúde e se tratar gratuitamente peo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de injeções de penicilina. Durante a gestação, o tratamento da mãe e do bebê envolve o uso de penicilina benzatina por via intramuscular, com o número de injeções dependendo do tempo de contágio, variando de uma a três doses.

Além disso, o parceiro também deve ser tratado com o mesmo tratamento ou, se preferir, pode optar por um antibiótico oral. É fundamental seguir o tratamento prescrito e realizar exames de sangue para confirmar a eficácia da terapia. Uma vez curada, a sífilis não pode reaparecer – a não ser que a pessoa seja reinfectada por alguém que esteja contaminado.

Se a gestante for detectada com a doença, poderá receber o tratamento corretamente, assim como o seu parceiro sexual, para evitar a reinfecção e transmissão no parto. A ausência de tratamento durante a gestação pode ocasionar sintomas na criança logo após o nascimento, durante ou após os primeiros dois anos de vida.

O mais comum é surgirem os sinais logo nos primeiros meses. A complicação mais séria de um tratamento inadequado é a possibilidade de transmitir a infecção para o bebê, o que pode acarretar consequências graves e sequelas ao longo de toda a vida da criança.

“A sífilis não tratada pode causar abortos de repetição, além da ocorrência de perdas fetais e neonatais repetidas. Essas perdas possuem enormes impactos sociais, econômicos e psicológicos para a mulher e a sociedade. A sífilis congênita pode ser eliminada se a mulher for diagnosticada e tratada corretamente”, alerta o especialista.

Os diferentes estágios da sífilis e seus sinais

Transmitida pela bactéria Treponema pallidum, a sífilis pode ser adquirida em relação sexual sem uso de preservativos ou passada da mãe para o filho durante a gravidez ou parto. A doença pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios – sífilis primária, secundária, latente e terciária. Nos estágios primário e secundário da infecção, a possibilidade de transmissão é maior.

Na sífilis primária, o sinal é uma ferida, geralmente única, no local de entrada da bactéria que pode ser no pênis, vulva, vagina, colo uterino, ânus, boca, ou outros locais da pele, que aparece entre 10 e 90 dias após o contágio. Essa lesão é rica em bactérias e é chamada de cancro duro. Normalmente não dói, não coça, não arde e não tem pus, podendo estar acompanhada de ínguas (caroços) na virilha. A ferida desaparece sozinha, independentemente de tratamento.

Na sífilis secundária, os sintomas aparecem entre 6 semanas e 6 meses do aparecimento e cicatrização da ferida inicial. Podem surgir manchas no corpo, que geralmente não coçam, incluindo palmas das mãos e plantas dos pés. Essas lesões são ricas em bactérias. Pode ainda ocorrer febre, mal-estar, dor de cabeça, ínguas pelo corpo. As manchas desaparecem em algumas semanas, independentemente de tratamento, trazendo a falsa impressão de cura.

Na fase assintomática, os sinais e sintomas não aparecem e a doença está dividida entre latente recente (até 1 ano de infecção) e latente tardia (mais de 1 ano de infecção). A duração dessa fase é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciária.

Já a sífilis terciária pode surgir entre 1 e 40 anos após o início da infecção, apresentando principalmente lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas. No terceiro e mais avançado estágio da sífilis, os órgãos internos – incluindo cérebro, olhos, nervos, coração, vasos sanguíneos, fígado, ossos e articulações – podem ser danificados, mesmo após décadas da doença. Pode ocorrer, inclusive, dificuldade de coordenação dos movimentos musculares, paralisia, cegueira gradual, demência e até a morte.

1 milhão de brasileiros com ISTs

Doenças como herpes genital, sífilis, gonorreia, a clamídia, hepatites virais B e C, HPV e HIV são consideradas agora Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Segundo dados da última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), aproximadamente 1 milhão de brasileiros são diagnosticados com algum tipo de IST por ano no Brasil, números correspondentes a 0,6% da população com 18 anos de idade ou mais.

Segundo especialistas, tais números evidenciam o alto risco de contágio para pessoas que não tomam os cuidados de prevenção adequados. No caso, o método mais eficaz, prático e seguro de prevenção é o tradicional uso de preservativos, sejam masculinos ou femininos, em todos os tipos de relações sexuais – sejam orais, anais ou vaginais.

Muitas pessoas optam por não procurar ajuda médica mesmo com o aparecimento de sintomas, uma atitude que, na prática, prejudica o tratamento e pode ter um efeito colateral grave: tornar estas infecções mais fortes e resistentes a medicamentos.

Diagnóstico e prevenção de ISTs

O infectologista credenciado da Paraná Clínicas, empresa do Grupo SulAmérica, Luiz Otávio da Fonseca, conta que uma parte fundamental do combate a propagação das IST é o diagnóstico claro e precoce do problema. Neste sentido é fundamental a realização de exames periódicos que detectem as infecções ainda em estágios iniciais.

O Ministério da Saúde, inclusive, oferece via SUS testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites B e C em unidades básicas de saúde da rede pública ou em Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) espalhados pelo País.

Além da testagem gratuita, outro serviço oferecido pelo SUS é o PEP (Profilaxia Pós-Exposição de Risco), uma medida de prevenção de contágio emergencial para ser utilizada em situação de risco à infecção ao HIV. Ela se consiste na aplicação de medicamentos que reduzem o risco de contágio e deve ser feita em caráter de urgência até 72h após o ato.

De qualquer forma, segundo Fonseca, a orientação em casos de sintomas suspeitos tais como surgimento de feridas, corrimentos, dores pélvicas, verrugas anogenitais, ardência ao urinar e outras lesões de pele é a imediata procura por um serviço de atendimento a fim de fazer a testagem precoce de uma possível infecção sexualmente transmissível.

E é importante destacar: a testagem e acompanhamento permanentes para pessoas que têm um ou mais parceiros sexuais é muito importante. “É fundamental que as pessoas se conscientizem da realização de exames periódicos para detecção precoce de IST tanto para a proteção do indivíduo quanto para a proteção de seu parceiro ou parceira”, conclui o infectologista.

Como posso me proteger da sífilis e de outras infecções?

Uma maneira eficaz de se prevenir contra doenças sexualmente transmissíveis é o uso de preservativos durante as relações sexuais. Além disso, a testagem regular para sífilis, HIV e hepatites virais, disponível em postos de saúde, é fundamental, especialmente para indivíduos que praticam sexo desprotegido, devendo ser realizada anualmente. A testagem dos parceiros também é essencial para garantir uma camada adicional de proteção, especialmente para as mulheres.

“Em situações de risco, como aquelas envolvendo violência sexual, é recomendado que as mulheres busquem serviços especializados o mais rápido possível, a fim de receber medicamentos de profilaxia contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Para pessoas que enfrentam exposição frequente a ISTs, a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição), que consiste em uma combinação de antirretrovirais orais, pode ser uma opção para prevenir a infecção pelo HIV”, pontua Dr Régis.

Supergonorreia preocupa nos EUA

Em 2022, autoridades de saúde americanas vieram a público anunciar a existência do que chamaram de uma variação da gonorreia que vem sendo chamada informalmente de “supergonorreia”. Segundo especialistas, a doença que é considerada a segunda infecção sexualmente transmissível bacteriana mais comum entre as IST.

A gonorreia tem ficado mais resistente a medicamentos convencionais na medida em que as transmissões se alastram cada vez mais fora de controle e os pacientes não buscam tratamento adequado. Na prática clínica cotidiana já é possível observar casos onde medicamentos tradicionais não estão surtindo os efeitos esperados.

“Apesar de não termos confirmações de que se tratam de casos como os descritos nos Estados Unidos, temos observado pacientes que não respondem ao tratamento inicial com os antibióticos padrões para gonorreia. Se casos como esse não forem tratados adequadamente eles podem, sim, contribuir para um aumento gradativo da resistência dessa doença e de outras infecções sexualmente transmissíveis”, alerta o médico.

Com Agência Brasil e Assessorias

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