Mulherar-se
Quantos versos cabem no ato de ser mulher?
Você já pensou que ser mulher é um verbo que inclui milhares de outros?
Mulherar-se é lutar com vários leões por dia, nascer junto com o sol para ser mais que uma, ser várias.
Mãe, profissional, arrumadeira, cuidadora de gente e de almas, distribuidora de tempo e de afetos.
Erguer, distribuir, ausentar-se de si para ser dos outros, para os outros.
Isso tudo faz parte do verbo mulherar-se. E de onde vieram esses há muito mais.
Sofrer, amar, ganhar, perder, soltar, canalizar, centralizar a dor do mundo, perder-se em turbilhões de pensamentos, encontrar-se, desfazer-se, morrer um pouco a cada dia, depois renascer pelos filhos, pelos netos, pelos outros, doar-se.
Garantir o sustento para o seu rebento, tentar libertar-se do medo, do apego, sentir desassossego, gaguejar e tremer de medo, mas apenas por dentro.
Mulherar-se significa dividir-se para poder se juntar, ceder para conseguir participar, dissolver-se para poder atravessar, retroceder vários passos atrás para conseguir depois avançar.
Seguir, faça sol ou chuva, tenha ou não lua, com a alma vestida ou desnuda, sem saber o seu destino, apenas ir.
Mulherar-se é verbo de conexão com o lúdico, o universo, o masculino e o feminino, com o nascimento, com o divino.
É ser vítima de sua própria imensidão, dos pesos, dos amores que carrega em sua permanente prenhes, de sua solidão, de seu passo, de sua falta de exatidão, de sua eterna prontidão.
Quantas paixões, regressões, possessões existem em mulherar-se, verbo de vida e de morte, de azar e de sorte, de sofrimento pelo racismo, machismo, assédio, abuso, força bruta, feminicídio.
Mulherar-se até parece nunca poder fraquejar.
Mas não caia nessa armadilha, mulher.
Corra, grite, esperneie, mostre sua força, mostre sempre a que veio.
Um dia, quem sabe, esse verbo que até parece corriqueiro possa multiplicar-se e fazer do mundo um lugar bem mais acolhedor e potente.
E mulherar-se-à, sempre, quem tiver dois pré-requisitos básicos: nascer com vida, nascer mulher.
