Por Luana Couto*
Também conhecido como “o país do Carnaval”, o Brasil tem características que ajudam a compreender por que a nação só funciona depois do Carnaval. Clima tropical, miscigenação cultural e, portanto, influência de ritmos e tradições variadas, nível de relevância para o povo, visto que o Carnaval do Brasil é tido como uma das maiores festas do mundo.
Tal como os cartões postais, o Carnaval, figurado pela alegria de nosso povo, fantasias, samba, frevo e alegorias são exemplos de referências mundiais. Literalmente o país paralisa para viver os dias de folia.
Nesta festa mágica, acontecem fenômenos comportamentais como a pausa sagrada para festejar, ser quem quiser, esquecer de “tudo”, anestesiar-se das dívidas, dores e problemas, o “efeito manada” e algo raro em um país com tanta diferença social: a união de desiguais.
Para entendermos a lógica da expressão expressão famosa que tornou-se parte da identidade/ referência do nosso país – “o Brasil só funciona depois do Carnaval” – trazemos algumas de diversas possibilidades de fundamentos.
1- Vamos aproveitar o restinho de ano e o começo também.
O Carnaval é comemorado principalmente em fevereiro, nos dias que antecedem a quarta-feira de cinzas. É uma festa em que o país inteiro festeja ou descansa. Antes disso, há o resquício das férias escolares, que antecederam festas de fim de ano, fim de ciclo e daí pode surgir a justificativa de “muitos intervalos”, não conseguir juntar a todos para grandes decisões, então começamos depois do Carnaval.
Frases como “Já que passou Natal, mês de janeiro é “meio morto”, deixa passar o carnaval e resolvemos, e entregamos, e começamos, e alinhamos” e assim vai.
2- Tudo é festa, procrastinação, preguiça ou também saúde mental?
Há quem critique a cultura brasileira que tem em seu DNA traços de “pão e circo”, que quer festejar tudo, apesar dos problemas, que vai buscar estender ao máximo a possibilidade de prazer em detrimento às obrigações e que neste momento não vai se preocupar com decisões, problemas e boletos.
Por outro lado, nosso corpo e mente precisam de momentos que nos desconectem das obrigações e cobranças diárias. Há de certa forma uma culpa pelo prazer quando se fala de uma cultura capitalista que valida e compara as pessoas pelo sucesso financeiro.
O prazer é necessário e precisa ser permitido, ter seu espaço para ser vivido em plenitude sem retaliações. É importante consciência desta necessidade, bem como aplica-la de forma recorrente e equilíbrio com os demais pratos equilibrados no dia a dia.
3- Se eu não for perder, bora aproveitar
Há uma divisão quando se trata de quem pode lucrar ou depende de produzir para sobreviver neste período e de quem tem a garantia de remuneração caso folgue. Retomando agora aos aspectos comportamentais, vou começar com a pausa sagrada. Trata-se daquele momento que anestesia a alma, que dá uma sensação de que posso me desligar das obrigações sem culpas.
Se em dezembro muitas pessoas sofrem com a falta de sentido, ter que estar ou não com a família, excessos, análises e balanços do ano, em janeiro vem os impostos, matrículas, boletos, novos planos para o novo ano, mais balanços e espaço para comparação e sofrimentos, em fevereiro elas podem “não ter que nada”.
Concordando ou não, nosso emocional e corpo precisam de pausas e momentos de despojamento para sorrir por motivos simples do dia a dia e ter uma licença poética para brincar. Afinal, não falamos brincar Carnaval?
O ideal é que ao invés de concentrar só neste momento do ano, as pessoas planejem incluir estas pausas entre as atividades cotidianas e manter este pilar alimentado e saudável.
‘Efeito manada’
Sobre o efeito manada, ele tem a ver com a influência do coletivo no comportamento das pessoas. No bloco, no grupo, nas festas, eu me uno a outros tantos e posso ter a sensação de minha identidade estar protegida porque sou o grupo, estamos fazendo juntos. Então, posso liberar minhas fantasias, ser o que o dia a dia não me permite ou me julgar, posso beber e cantar, abraçar um desconhecido sem ser julgado.
As defesas tendem a ficar mais desatentas, acreditando numa falsa proteção a ponto de perderem pertences, serem alvos fáceis para crimes. No grupo há também um movimento inconsciente de imitação, com grande chance das pessoas agirem sem avaliar racionalmente porque estão seguindo. Isso para o bem e para o mal. Assim como uma multidão pode cantar junto e fazer uma única voz, também pode se unir para uma briga sem saber o motivo e nem o rival.
A união de desiguais
E finalmente, o raro e belo fenômeno da ‘união de desiguais’. É incrível como o Carnaval tem o poder de unir pessoas que no restante do ano não acessam os mesmos ambientes e, inclusive, caso tenham conexão ainda que indireta, poderão estar separadas pelas relações de poder, de acesso e direitos.
No carnaval, podem festejar num mesmo bloco de rua ou escola de samba pessoas de todas as cores, idades, crenças e etnias, pobres e ricos, frequentam a mesma “ala”, tomando a mesma cerveja do patrocinador, sem que seja um servindo ao outro.
Pode até rolar mais proximidade com direito a abraços e sorrisos. Reações estas muito distintas do que pode ocorrer em outros dias do ano, onde até um olhar pode ser interpretado como risco de assalto ou intimidação.
A magia do Carnaval
O carnaval é mesmo muito mágico. Fale bem ou mal, uma coisa não podemos negar – ele tem um poder de democratizar a diversão e tirar as pessoas do sério. E isso é louvável, pois cria um ambiente seguro pra usar fantasias, rir da vida e recarregar as baterias sem a ressaca da culpa.
Porque afinal, no Carnaval todo mundo pode e foi “só uma brincadeirinha”. Chega quarta de cinzas, todos podem voltar pra versão que socialmente se sentem aceitos.
Luana Couto é psicóloga e utiliza a abordagem Comportamental Cognitiva (TCC) no atendimento clínico a crianças, adolescentes, famílias e casais e também atua como palestrante em escolas e empresas. Luana está presente em diversas mídias digitais, tv e impressas, colaborando em pautas sobre comportamento humano e temas factuais.