A saúde mental vem recebendo cada vez mais atenção ao longo dos últimos anos e, com maior entendimento das questões, quebra de tabus e avanço em tecnologias, foram permitidos diagnósticos que, antes, não eram possíveis. Entre eles, está o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).  A Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA) estima que cerca de 5% a 8% das pessoas do mundo vivem com esse transtorno do desenvolvimento, que geralmente se manifesta na infância, mas também pode ser diagnosticado na vida adulta.

A apresentadora americana Ellen Degeneres, de 66 anos, revelou recentemente durante seu especial da Netflix, o “Ellen Degeneres: For Your Approval”, que foi diagnosticada com TDAH, além de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e de osteoporose – doença que enfraquece os ossos e costuma ser mais incidente em mulheres na pós-menopausa.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a prevalência de TDAH é estimada em 7,6% em crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos, 5,2% nos indivíduos entre 18 e 44 anos e 6,1% nos indivíduos maiores de 44 anos, no Brasil.  Dentro de um período de 10 anos, os diagnósticos de TDAH aumentaram em 4,06%.

Os diagnósticos em adultos vêm sendo cada vez mais frequentes, com um aumento de até 123%, quando comparado ao aumento de diagnósticos em crianças de 5 a 11 anos (26,4%). O diagnóstico em adultos vem aumentado devido à conscientização do impacto que o transtorno causa em seus pacientes.

No Rio de Janeiro, o contador R. C., de 52 anos,  que preferiu não se identificar,  descobriu tardiamente ter TDAH. Na época, ele estava com 40 anos e buscou ajuda médica, devido ao esquecimento e a procrastinação para fazer coisas importantes. Ele também tinha sintomas como fadiga, cansaço e sono constante. Na infância, já dava sinais da presença do TDAH, mas se considerava uma criança normal.

Nunca fui um aluno exemplar, o melhor da sala, mas era esforçado, e esse esforço me cansava. Era comunicativo e gostava de fazer o que me agradava, deixando a obrigação pra depois. Cansei de fazer as tarefas aos domingos à noite para entregar na manhã seguinte”, lembra.

Diagnóstico tardio tem relação com maior acesso às informações

De acordo com o neurologista Mauro Muszkat, professor orientador em Mestrado e Doutorado no Programa de Educação e Saúde da Infância e Adolescência (Unifesp Campus Guarulhos) e líder do Grupo de Pesquisa em Reabilitação e Ensino em Neurociência Educacional do CNPq, o diagnóstico tardio ocorre porque, na infância, os sintomas podem se manifestar de modo único, não sendo acompanhado de outros sinais e dificultando o diagnóstico.

Para o médico psiquiatra do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE),  Michel Haddad, o aumento de casos pode ter relação com a maior quantidade de informações que a internet, por exemplo, proporciona por meio das redes sociais, com mais conscientização e educação sobre o transtorno, principalmente pelo aumento do diagnóstico em pessoas mais velhas.

O mundo digital ajuda muito na disseminação das informações e acaba gerando um sinal amarelo para a pessoa buscar ajuda para si próprio ou até mesmo para um familiar. É comum que o TDAH seja confundido com outras doenças. Para fechar o diagnóstico, o psiquiatra realiza exames clínicos e anamnese para que, nos casos indicados, seja iniciado o tratamento o mais breve possível, a fim de melhorar a sua qualidade de vida”, explica.

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Sintomas em crianças e adultos

De caráter neurobiológico e de razões genéticas, o TDAH é caracterizado pela desatenção, hiperatividade e impulsividade, podendo trazer sintomas como a falta de atenção e inquietude e hiperatividade. Normalmente, na infância, são crianças agitadas e inquietas, o que pode acarretar em prejuízos importantes na escola, na família e no convívio social.

Embora seja mais associado à infância, estima-se que 60% dos diagnosticados entrem na vida adulta com algum sintoma. A falta de foco, de organização, a dificuldade de seguir rotina, sensação de inquietude, dificuldade de esperar ou de ter paciência em terminar um livro podem ser sinais do transtorno. Especialistas enfatizam que quando o diagnóstico é identificado na fase adulta, pode haver pacientes que até já desenvolveram, ao longo da vida, estratégias de adaptação para suprir algumas dessas deficiências.

Por não ser tratado, o TDAH pode vir acompanhado de outras comorbidades, como depressão e transtornos de ansiedade, trazendo impactos ao trabalho e vida social desse paciente. A partir daí, a pessoa entende que há um prejuízo em razão do TDAH não identificado anteriormente e pode precisar tratar a comorbidade antes de tratar o desencadeador.

Associação com outros transtornos

Outro fator que chama a atenção é a associação do TDAH a demais transtornos psiquiátricos. Estima-se que 70% das crianças com o transtorno apresentam outra comorbidade e pelo menos 10% apresentam três ou mais comorbidades, como depressão, ansiedade, tiques e transtorno opositivo desafiador.

Os outros transtornos podem aparecer associadamente devido ao compartilhamento de ciclos neurais entre o TDAH e a regulação emocional. Quando não tratado, pode afetar áreas na vida do paciente, como o resultado e produtividade no trabalho, relações de amizade, profissionais, familiares e amorosas, assim como diminuir o desempenho nos estudos”, explica Mauro Muszkat.

Isso tudo causa baixa autoestima nos pacientes e os impactos podem desencadear transtornos de humor, como a depressão, transtornos de ansiedade. “Para pessoas com tendências genéticas a outros problemas, como bipolaridade e borderline, pode ser o fator desencadeante”, alega o neurologista.

Os tipos de TDAH

A psicóloga Bárbara Couto explica que o TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento, ou seja, não se adquire a doença, nasce-se com ela e persiste pelo resto da vida. Segundo ela, há três tipos de TDAH: o desatento, o hiperativo, e o misto, que tem combinação desatenta com hiperatividade.

O desatento comete erro com frequência por falta de atenção quando tem que fazer algo que considera chato, ou repetitivo, tem dificuldade de se concentrar no que as pessoas dizem mesmo quando está falando diretamente com ela. Ele deixa projetos pela metade, mesmo depois de já ter feito grande parte, tem dificuldades para fazer trabalho que exige organização e a concentração em atividades maiores.

São pessoas que adiam o início de tarefas, então são procrastinadoras, estão sempre perdendo objetos, pois colocam coisas fora do lugar e têm dificuldade de encontrar, se distraem com atividades e barulhos em volta e têm dificuldade para se lembrar de compromisso ou obrigação.

Já o hiperativo é aquele que tem dificuldade de ficar sentado, fica mexendo a cadeira, fica balançando os pés, as mãos, é sempre muito inquieto, não consegue relaxar, se sente muito ativo, como se tivesse um motor ligado nas situações. “É comum terminar as frases antes das pessoas que começaram a falar, é impulsivo e  tem dificuldade para esperar a sua vez”, enumera Bárbara.

Como funciona o cérebro de quem tem TDAH

O cérebro de quem tem TDAH não faz uma boa recaptação de dopamina, consequentemente, ele não tem motivação bastante para fazer as coisas. Por isso, muitas são consideradas preguiçosas.  “Elas são procrastinadoras porque o cérebro, quando acredita que vai ser algo que vai gastar muita dopamina, não consegue mandar mensagem para fazer a atividade. Geralmente pessoas com TDAH têm fama de preguiçosas, quando na verdade o cérebro não consegue recaptar a dopamina de maneira adequada”, esclarece a psicóloga.

E a desatenção é causada porque o córtex frontal não consegue inibir os pensamentos acelerados. “Pessoas com TDAH têm um cérebro com pensamentos exagerados. E esse excesso de pensamento faz com que, mesmo quando estejam prestando atenção, se não for algo que é muito empolgante para elas, o cérebro manda um outro pensamento totalmente aleatório. E por mais que elas tentem prestar muita atenção, esses pensamentos aleatórios vão vindo e elas não conseguem. Por isso que acabam tendo muita dificuldade nos estudos, se não tratadas”, explica Bárbara

Além disso, a desregulação no córtex central causa impulsividade em pessoas com TDAH. “Elas fazer compras, falam coisas e tomam decisões sem pensar e depois se arrependem”, acrescenta ela.

Consequências na vida de quem tem TDAH

Como consequência dessa condição, pessoas com TDAH podem ter baixa produtividade no trabalho, erros frequentes por falta de atenção, muita desorganização e dificuldade em cumprir prazo. Além disso, pode ser difícil manter amizade ou relacionamentos estáveis. É muito comum as pessoas que relacionam com pessoas com TDAH achar que o outro não se importa com elas, porque esquecem coisas importantes do dia a dia.

Em contrapartida, pessoas com TDAH têm baixa autoestima, estão sempre frustradas com elas, com os erros constantes, têm sentimento de inadequação muito grande porque têm rendimento muito menor que as outras pessoas e precisam estar sempre se esforçando muito. Quadros de ansiedade, depressão e Bournout são muito comuns”, detalha Bárbara.

A psicóloga alerta ainda que a impulsividade do TDAH pode levar a problemas financeiros, problemas legais, como comportamento de riscos, uso de substâncias e acidentes. “Pessoas com esse transtorno são mais propensas ao vício, tanto pela impulsividade, quanto pela baixa dopamina. E eles acabam buscando a dopamina em outro lugar”, explica ela.

Como é feito o diagnóstico do TDAH?

Doenças mentais como ansiedade e depressão podem ser confundidas com o transtorno. “É possível que uma pessoa apresente o quadro simultâneo das doenças ou não”, diz o psiquiatra Michel Haddad.

No entanto, a diferença é que o TDAH é associado em relação à impulsividade, atenção e hiperatividade. Já a ansiedade e a depressão estão relacionadas aos sentimentos, que podem impactar no afeto e no humor, sendo caracterizados quando há excesso de preocupação, tristeza e falta de interesse pelas atividades corriqueiras.

O diagnóstico TDAH é clínico, com avaliação detalhada dos sintomas, do histórico do paciente e também do histórico familiar, porque maioria das vezes o TDAH é genético. “Também pode ser feita avaliação neuropsicológica, avaliando atenção, memória, função executiva,  principalmente para tirar dúvidas se pode ser algum outro quadro”, informa Bárbara.

Como tratar o transtorno em cada fase da vida

Existem tratamentos efetivos, que controlam os sintomas e possibilitam um cotidiano produtivo ao paciente. O Brasil avançou no tratamento de TDAH e lançou mais um medicamento usado para reverter os sintomas que atrapalham e impactam a qualidade de vida dos pacientes.

O primeiro medicamento não estimulante, a Atomoxetina, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o TDAH, chegou ao Brasil em 2024. Os principais medicamentos, até então, eram a metilfenidato e a lisdexanfetamina, que atuam no controle da atenção, impulsividade e motivação para fazer as coisas.

A Atomoxetina – de nome comercial Atentah – é um inibidor seletivo da recaptação de norepinefrina, que ajuda a melhorar a concentração, a atenção e o controle dos impulsos nos pacientes com TDAH. Ao contrário de medicamentos estimulantes, a atomoxetina possui menos riscos de abuso.

Em resumo, enquanto a atomoxetina atua exclusivamente inibindo a recaptação da noradrenalina, os estimulantes como o metilfenidato aumentam a disponibilidade de neurotransmissores como a dopamina e a noradrenalina. A escolha entre esses medicamentos depende das necessidades individuais do paciente, da presença de comorbidades e da resposta ao tratamento”, explica o psiquiatra.

Recentemente, outra alternativa terapêutica chegou ao mercado, o Consiv (cloridrato de metilfenidato) nas apresentações de 18, 36 e 54 mg. O comprimido em formato reduzido e biconvexo pode auxiliar na deglutição, possui tecnologia de liberação com duração de até 12 horas. “O medicamento tem liberação prolongada e gradual, evitando picos e sustentando por mais tempo a disponibilidade no organismo”, explica Mauro Muszkat.

Segundo ele, o medicamento favorece as necessidades de concentração durante o dia atendendo ao período escolar, em crianças acima de 6 anos e adolescentes, ou na jornada de trabalho e estudo, para adultos, permitindo, ainda, um bom descanso à noite. Atualmente, não está claro se atomoxetina, metilfenidato ou  apresentam níveis diferenciais de eficácia.

Terapias comportamentais como tratamento

De acordo com a psicóloga, é preciso fazer monitoramento regular pelo médico para garantir que os medicamentos sejam seguros. Mas o uso do medicamento ajuda muito a minimizar os sintomas do TDAH, pois  é um cérebro que não funciona direito quimicamente falando e a medicação atua onde há falhas.

Depois de mais de 10 anos de diagnóstico, o contador R. C. aceitou a recomendação médica de usar a medicação. “Tem cerca de sete meses que comecei a usar o medicamento e já vejo diferença na minha via. Passei a ter ânimo para fazer minhas obrigações. Hoje, após tomar a medicação consigo me concentrar, fazer o que preciso e a tempo. Ah! Não tomo sempre, no final de semana se não tenho nada de importante fico sem tomar conforme orientação médica e não sinto falta”, relata.

O tratamento de cada paciente é individualizado. Buscar entender a história de vida do paciente e quais comorbidades ele apresenta, podem ajudar a ter mais clareza do caso. Além dos medicamentos prescritos por médicos, existem terapias comportamentais que são associadas ao uso medicamentoso, sendo mais uma das estratégias para o enfrentamento do transtorno.

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) e a medicação atuam de forma complementar, ajudando a pessoa a desenvolver a habilidade de organização, ter controle emocional, lidar com os impulsos, a traçar estratégias para não procrastinar, organizando a rotina.

E quando o TDAH é descoberto, é muito importante que familiares entendam o comportamento para apoiar e não cobrar ações e atividades que são difíceis para ele. Além disso, é muito importante intervenção pedagógica para ajudar no processo de aprendizagem”, finaliza Bárbara Couto.

Com Assessorias

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