Réplicas hiper-realistas de recém-nascidos, os bebês reborns voltaram aos holofotes após um vídeo da influenciadora Carol Sweet simulando o “parto” de uma boneca reborn voltou a viralizar nas redes sociais na última semana. A cena, que mostra a youtuber retirando o boneco de uma caixa decorada como se fosse um útero, dividiu opiniões.
O tema ganhou ainda mais visibilidade com declarações públicas de celebridades e vídeos de famosas cuidando de boneco como se fosse um bebê real.. Na quarta-feira (7), a musa fitness e ex-BBB Gracyanne Barbosa, 41, compartilhou seu sonho de ser mãe e falou sobre o significado afetivo de Benício, o seu bebê reborn. “Podem me julgar, no começo eu achei estranho. Mas Benício me trouxe felicidade”, escreveu a influenciadora.
No mesmo dia, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou o “Dia da Cegonha Reborn”, a comemorado anualmente no dia 4 de setembro, no calendário oficial da cidade. O projeto de lei foi aprovado em segunda votação e agora aguarda a sanção do prefeito Eduardo Paes (PSD-RJ).
Os vídeos com influencer e pessoas comuns que colecionam bebês reborn – como as mostradas pelo programa Fantástico da TV Vlobo neste domingo (11), Dia das Mães – reacenderam discussões sobre saúde mental, luto, maternidade e a maneira como temas íntimos e delicados são tratados na cultura digital
O nascimento de um bebê é um momento singular na vida de uma mulher, e não é diferente para as mamães reborn. Porém, os seus filhos são enviados por cegonhas, sendo esse o nome conferido às artesãs que customizam bonecas para se parecerem com bebês reais”, diz o vereador Vitor Hugo (MDB), autor da proposta.
As imagens de bebês reborn dividem opiniões e geram dúvidas sobre o que pode motivar esse tipo de vínculo simbólico. Embora sejam vendidas como itens de coleção, elas também têm sido utilizadas para auxiliar no tratamento psicológico em casos de perdas gestacionais, traumas e elaboração do luto.
Os bebês realistas estão ganhando cada vez mais espaço, pois tornaram-se uma febre mundial. Surpreende, ainda, o fato de que no mundo dos bebês reborn, existe até maternidade e parto. Há ainda, relatos de casos em que são utilizados como terapia por Psicólogos, para o restabelecimento de lutos e outros traumas”, diz trecho do projeto de lei.
Para a psicóloga Laís Mutuberria, especialista em Neurociência do Comportamento, o uso dessas bonecas pode ser válido em algumas abordagens clínicas, desde que inserido em uma metodologia estruturada e mediado por profissionais qualificados. “Nessas situações, a boneca não é o fim em si, mas um recurso simbólico dentro de um processo terapêutico seguro, baseado em vínculo e escuta”, explica.
Segundo a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, fundadora do instituto MaterOnline, há casos em que o apego a bebês reborns está associado a questões emocionais, como a vivência de um luto, frustrações ligadas à maternidade ou um desejo de ser mãe que ainda não foi realizado. Esse tipo de comportamento pode revelar afetos que precisam ser acolhidos e elaborados com acompanhamento psicológico”, afirma.
Apesar disso, a psicóloga destaca que o vínculo com bebês reborns não substitui a experiência com um bebê real e que, quando esse apego se intensifica, pode indicar sofrimento emocional. “Não é sobre fantasia ou brincadeira. É uma tentativa simbólica de suprir algo que está faltando emocionalmente”, explica.
‘Bebê reborn pode gerar efeitos opostos ao desejado’, diz psicóloga
Fora do ambiente clínico, no entanto, o uso indiscriminado de objetos como o bebê reborn pode gerar efeitos opostos ao desejado. “O luto, o amor e o nascimento são experiências fundamentais, e não podem ser tratados com a lógica do fast food”, afirma a psicóloga Laís Mutuberria.
Segundo ela, a ausência de mediação profissional pode transformar a experiência simbólica em uma forma de fetichização ou de exploração comercial da dor. “Objetos não são, por si, terapêuticos. A potência está no processo construído entre terapeuta e paciente”, completa.
Para a psicóloga, embora haja um aspecto legítimo na elaboração de desejos ou afetos por meio de objetos simbólicos, é preciso cautela com o modo como essas experiências são expostas e consumidas nas redes sociais.
O que vemos é uma tendência crescente de transformar processos humanos profundos, como o luto, o amor ou o nascimento, em conteúdos rápidos, higienizados e performáticos’. diz Mutuberria.
A romantização do parto nas redes
Laís também critica a romantização do parto nas redes, como no caso do vídeo de Carol Sweet. “O parto real é atravessado por dor, sangue, medo e entrega. Reduzir esse evento a uma cena limpa e “instagramável” esvazia sua potência simbólica e corporal”. afirma.
Para a psicóloga, o episódio ilustra um fenômeno maior: a forma como a lógica da rapidez e do consumo vem afetando a maneira como lidamos com a complexidade da vida emocional.
A comida chega em minutos, o amor depende de um “match”, a felicidade precisa caber em um story filtrado. O luto, o amor e o nascimento são experiências fundamentais, e não podem ser tratados com a lógica do fast food”, afirma.
Como lidar com esse tipo de apego simbólico?
A psicóloga perinatal Rafaela Schiavo fala sobre possíveis fatores emocionais envolvidos na cultura dos bebês reborn, reforça a importância de acolhimento especializado em alguns casos e traz quatro dicas importantes de como se deve lidar com este ‘apego simbólico’. Confira:
1) Procure acolhimento psicológico
O acompanhamento com um psicólogo perinatal pode ajudar a compreender os sentimentos envolvidos e a transformar o desejo de maternar em caminhos concretos.
2) Evite julgamentos apressados
A exposição pública desse vínculo pode gerar comentários negativos. Para quem já está emocionalmente fragilizada, isso pode intensificar o sofrimento.
3) Transforme o desejo em plano de ação
Se o desejo de ser mãe está presente, a psicoterapia pode auxiliar no planejamento de uma gestação, no caminho para a adoção ou em outras formas de maternar.
4) Respeite seus sentimentos
Não existe certo ou errado em sentir. O importante é reconhecer o que está por trás desse vínculo e buscar apoio para dar um novo significado à dor.
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O que a psicologia revela sobre a substituição simbólica e seus riscos emocionais
A presença crescente dos bebês reborn na vida adulta exige uma reflexão: quando o acolhimento simbólico se transforma em obstáculo para a saúde emocional?
Por Roberta Passos*
Em um mundo onde a solidão, o luto e as perdas emocionais se tornaram ainda mais intensos, os chamados bebês reborn — bonecos hiper-realistas que imitam com precisão um recém-nascido — ganharam um novo status. Mais do que brinquedos, passaram a ser companheiros de adultos que, em muitas situações, enfrentam lutos, traumas ou dores relacionadas à maternidade.
Ainda que, à primeira vista, o ato de adotar um bebê reborn possa parecer um recurso inofensivo para oferecer acolhimento emocional, a psicologia clínica adverte: quando essa substituição simbólica se torna prolongada ou intensa demais, há risco de prejuízos significativos para a saúde mental.
Os bebês reborn, em certos contextos, funcionam como objetos transicionais, ou seja, elementos que ajudam a lidar com a dor emocional. No entanto, se esse vínculo se cristaliza, impedindo a pessoa de elaborar suas perdas ou seguir com a vida real, entramos em um campo de patologização do luto e da negação da realidade.
Um dos exemplos mais delicados envolve mulheres que enfrentam dificuldades para engravidar. Nesses casos, o uso do bebê reborn pode inicialmente aliviar o sofrimento. Entretanto, se o vínculo se transforma em uma fixação, substituindo de forma permanente a busca por elaborações emocionais mais profundas, surgem riscos de agravar quadros como depressão, transtornos de ansiedade ou até transtornos dissociativos.
Outro ponto de atenção é a solidão contemporânea, que favorece o surgimento de vínculos intensos com objetos inanimados como forma de suprir necessidades afetivas. É compreensível que, diante da falta de suporte social ou familiar, a pessoa busque alternativas emocionais. Mas é essencial que haja acompanhamento psicológico para garantir que o bebê reborn não se torne um substituto permanente para relações humanas.
A psicologia não condena o uso dos bonecos. Pelo contrário: reconhece seu valor simbólico como instrumento temporário de acolhimento e reconstrução emocional. A questão central está na vigilância sobre o tempo e a função que esse objeto passa a ocupar na vida da pessoa.
Quando o bebê reborn é um recurso dentro de um processo terapêutico, ele pode ser muito útil. O problema surge quando ele se transforma em uma prisão emocional, impedindo que o indivíduo elabore suas perdas, estabeleça novos projetos de vida e se reconecte com o mundo real.
Em tempos de vínculos frágeis e dores invisíveis, os bebês reborn revelam uma realidade urgente: a necessidade crescente de acolhimento emocional verdadeiro, que respeite a complexidade dos lutos e das ausências — e que estimule, sempre que possível, o resgate da capacidade de viver plenamente.
Roberta Passos atua há mais de 14 anos como Psicóloga Clínica e Psicopedagoga, com especialização em Neuropsicologia pelo IPQ-FMUSP. Atende crianças, adolescentes e adultos em diversas queixas, entre elas dificuldades de aprendizagem.
Com informações de agência e assessorias (atualizada em 12/5/25)