Você sabia que o coração tem uma espécie de sistema elétrico, que é responsável por ditar o ritmo em que o órgão trabalha para bombear o sangue a todo o organismo? E que é normal que os batimentos cardíacos subam durante a atividade física e diminuam durante o descanso e o sono? Também é esperado que esse ritmo do coração sofra pequenas irregularidades ocasionalmente. O que não é normal é quando essas batidas do coração ficam irregulares demais.
Nos quadros de arritmia, essas batidas podem se tornar muito rápidas ou muito lentas, ou assumir um comportamento absolutamente inconstante. Isso faz com que uma quantidade insuficiente de sangue seja distribuída para o corpo — o que gera uma série de problemas, desde tontura e falta de fôlego a desmaios e palpitações, como explica o Instituto Nacional de Coração, Pulmão e Sangue (NHLBI, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, à BBC Brasil.
A condição pode acometer até 20 milhões de brasileiros e em muitos casos pode ser fatal, causando 380 mil mortes anuais por morte súbita, conforme a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac). Um artigo de 2012 publicado no site do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo, estima que “até 20% da população tem algum tipo de arritmia cardíaca, incluindo aquelas que levam à morte súbita”.
Trata-se de uma doença grave na qual a qualidade de vida do paciente é comprometida, podendo chegar ao ponto de ele perder totalmente a autonomia”, diz o texto.
Especialistas chamam a atenção para as causas de morte súbita cardíaca, que tem como a principal delas as arritmias. O cardiologista eletrofisiologista Vinícius Marques Rodrigues, de Goiânia (GO), explica que a arritmia é uma doença congênita. “A pessoa nasce com esse problema, que pode se manifestar em qualquer idade e não precisa ter nenhum problema anterior no coração”, afirma.
Ele destaca ainda que a fibrilação arterial é a arritmia mais comum. “E pessoas com mais de 70 anos têm 30% de chance a mais de desenvolvê-la”, alerta. Segundo ele, a fibrilação arterial pode causar AVC, ao contrário de outras arritmias. Porém, as pessoas mais jovens que a desenvolvem só têm risco de ter AVC se já tiverem outras comorbidades”, diz.
Vinícius Marques destaca que a forma mais grave da doença é a arritmia ventricular, que ao contrário das outras é considerada maligna e atinge cerca de 5% das pessoas. “Essa é mais complexa e pode levar a um mal súbito”, ressalta.
As arritmias são definidas por anormalidades na formação ou na condução do impulso elétrico do coração, que vai gerar o batimento cardíaco”, explica Frederico Scuotto, coordenador da área de Arritmologia do Hospital Samaritano Higienópolis, rede Americas.
Dentre os sintomas, aponta para a palpitação, como sendo o principal deles, mas que há situações em que esses sinais inexistem. “Alguns pacientes são completamente assintomáticos e já podem ter uma situação crítica, de alta complexidade, sendo que a primeira manifestação pode ser a morte súbita cardíaca, por isso a relevância da avaliação médica preventiva”, observa Scuotto.
Aumento de casos entre jovens
Nos pacientes jovens as principais causas de morte súbita cardíaca são a cardiomiopatia hipertrófica, uma anormalidade na origem das artérias coronárias e as doenças elétricas primárias do coração, chamadas de canalopatias, que são as anormalidades nas proteínas de células cardíacas, que controlam a atividade elétrica do coração.
Muitos pacientes que sofrem com arritmia cardíaca precisam implantar um cardiodesfibrilador interno (CDI). Esse dispositivo é um tipo de marca-passo que, caso ocorra uma arritmia com risco de morte súbita, dá um choque direto no coração revertendo o que seria uma parada cardíaca.
O médico cardiologista do Hospital Adventista Silvestre, Silas Escobar, falou ainda do motivo desse procedimento estar sendo tão comum em pessoas jovens. Várias doenças cardíacas que necessitam desse aparelho costumam afetar pessoas jovens.
Em 2021, por exemplo, o ator Rafael Cardoso, precisou implantar um aparelho desse tipo. Ele possui uma condição chamada Cardiomiopatia Hipertrófica que geralmente se descobre na infância ou adolescência e é uma das doenças que pode ter como resultado uma parada cardíaca (morte súbita) por arritmias malignas.
Outras doenças comuns em pessoas jovens como miocardites, doenças congênitas e arritmias mais raras como a síndrome do QT longo também são causas de morte súbita e indicações potenciais de implantes de CDI”, finaliza o cardiologista.
Diferentes tipos de arritmia
Ainda segundo o NHLBI, existem diferentes tipos de arritmia, que são classificados de acordo com o local onde elas acontecem. Há, por exemplo, as arritmias supraventriculares, que começam no átrio (as câmaras superiores do coração) ou nas estruturas que marcam a fronteira com os ventrículos (as câmaras inferiores).
Dentro desse grupo, encontra-se a fibrilação atrial. Esse é o tipo de arritmia mais comum, que afeta entre 2% e 4% da população mundial, segundo diversos levantamentos internacionais. Nesse quadro, o coração chega a bater mais de 400 vezes por minuto (em repouso, o normal é que esse órgão bata entre 60 e 100 vezes por minuto).
Além disso, as câmaras superiores (os átrios) e as inferiores (os ventrículos) não trabalham em conjunto, como o esperado. Esse descompasso faz com que os ventrículos não recebam a quantidade de sangue suficiente para suprir toda a demanda do organismo.
Também fazem parte do grupo das arritmias supraventriculares o flutter atrial e a taquicardia paroxística. Há também o grupo das arritmias ventriculares, que começam nas câmaras cardíacas inferiores. O NHLBI pontua que elas podem ser bastante perigosas e necessitam de cuidados médicos imediatos.
Diagnóstico e tratamento
Para identificar uma arritmia cardíaca é preciso realizar exames como o teste ergométrico, holter e eletrocardiograma. “Quando esses exames estão alterados é preciso analisar um tratamento”, afirma o cardiologista. O tratamento dessa disfunção pode ser realizado com de medicamentos contínuos, para o controle do caso, ou através de cirurgia, denominada ablação. “Em alguns casos é indicado a colocação de marca-passo também”, lembra o médico.
O cardiologista explica que a ablação é um procedimento micro invasivo e que, através dele, é possível fazer tanto o diagnóstico quanto o tratamento do problema no mesmo momento. “Introduzimos um cateter pela virilha, com uma microcâmera para identificar a arritmia e realizar a cauterização dos nervos que estão causando esse distúrbio”, explica.
Os sintomas e o diagnóstico da arritmia cardíaca
A British Heart Foundation, uma organização sobre saúde cardiovascular do Reino Unido, lista os sinais mais comuns de uma arritmia:
- Palpitações no peito;
- Enjoo e náusea;
- Sensação de desmaio;
- Falta de fôlego;
- Desconforto no tórax;
- Cansaço.
A entidade aponta que os sintomas podem variar de acordo com o tipo de arritmia que o paciente tem.
Mas como é feito o diagnóstico da condição?
O NHS, o serviço de saúde pública do Reino Unido, explica que quando esses sintomas persistem por muito tempo ou existe um histórico familiar de morte súbita por problemas cardiovasculares, é importante passar por uma avaliação médica.
Um dos métodos mais usados para detectar as arritmias é o eletrocardiograma. O exame faz um registro do sistema elétrico do coração, para ver como está o ritmo de batidas do órgão. “Mesmo se o eletrocardiograma não encontrar nenhuma alteração, pode ser necessário fazer outros monitoramentos”, diz o NHS.
Outro teste comum é o holter, um pequeno dispositivo que avalia o funcionamento do coração por um período de 24 horas (ou mais, se o especialista achar necessário). Caso a arritmia aconteça em momentos de atividade física, o médico pode ainda sugerir a realização de testes de esforço, que são feitos em esteiras ou bicicletas ergométricas.
Por fim, também pode ser necessário fazer um monitoramento contínuo do coração ou outros exames, como um estudo eletrofisiológico ou um ecocardiograma (um ultrassom do músculo cardíaco).
As causas da arritmia cardíaca
O NHLBI, dos EUA, explica que as arritmias “são geralmente causadas por um problema no sinal elétrico do coração”. “Frequentemente, a condição se desenvolve a partir de um gatilho. Em alguns casos, a causa da arritmia não é conhecida”, diz o instituto.
Entre as possíveis origens da doença, destacam-se:
- Idade: conforme envelhecemos, o coração pode sofrer algumas lesões ou sentir as consequências de longo prazo de condições crônicas, como colesterol alto, hipertensão, problemas na tireoide e diabetes;
- Genética: algumas arritmias que aparecem em crianças e adolescentes estão relacionadas a defeitos congênitos ou problemas herdados das gerações anteriores;
- Estilo de vida: estudos revelam que o risco de ter uma arritmia é maior entre fumantes, usuários de drogas ilegais, como cocaína e anfetaminas, e quem bebe muito álcool;
- Remédios: alguns fármacos prescritos para tratar outros problemas de saúde, como hipertensão, alergias, infecções bacterianas ou transtornos psiquiátricos, podem gerar uma arritmia. Antes de interromper o uso deles, no entanto, é importante passar por uma avaliação para ver se é possível fazer um ajuste de doses ou trocar o princípio ativo;
- Outras doenças: as arritmias também são mais frequentes em indivíduos com cardiomiopatias, defeitos cardíacos congênitos, inflamação cardíaca, doenças renais, pulmonares, obesidade, apneia do sono, gripe, covid-19, entre outras.
Existem também alguns fatores que podem engatilhar as arritmias em determinadas pessoas. É o caso de aumentos ou baixas na quantidade de açúcar no sangue, cafeína, drogas, quadros de desidratação, falta de eletrólitos (potássio, magnésio e cálcio, por exemplo), atividade física, questões emocionais (como estresse, ansiedade, raiva, dor e surpresa), vômitos e tosses.
Nesses casos, uma das maneiras de prevenir as arritmias é justamente evitar sempre que possível esses gatilhos — embora isso não descarte a necessidade de um acompanhamento médico e uma busca por tratamentos efetivos.
Como é o tratamento da arritmia cardíaca
O NHS destaca que o controle da arritmia depende do tipo do quadro — e se o coração está batendo mais rápido ou mais devagar do que o esperado. Também há a necessidade de tratar as condições que estão por trás do descompasso cardíaco.
Se o paciente está com diabetes, pressão e colesterol fora das metas, por exemplo, é importante lidar com esses fatores também. Já os tratamentos específicos da arritmia envolvem:
- Remédios, como os betabloqueadores e os bloqueadores dos canais de cálcio;
- Cardioversão-desfibrilação (dar um choque elétrico no peito para que o ritmo do coração volte ao compasso);
- Ablação por catéter (técnica cirúrgica que “queima” e destrói o tecido cardíaco doente, onde se origina a arritmia);
- Instalação de marca-passos ou outros pequenos dispositivos que mantêm o ritmo adequado das batidas do coração;
A British Heart Foundation lembra que a maioria das arritmias são tratáveis. “Isso significa que, com a terapia correta, o paciente pode seguir a vida normalmente”. “Viver com um ritmo cardíaco anormal pode ser emocionalmente desafiador para a pessoa e a família. E é importante lidar com a ansiedade e o estresse relacionados ao quadro”, conclui a instituição.