Em janeiro deste ano, o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, revelou que não faria mais tratamento com proposta curativa por conta da evolução do câncer de esôfago, anunciado em abril de 2024. ‘Pepe’ morreu no último dia 13, aos 89 anos, um dia após sua esposa revelar que ele estava em processo de terminalidade.
O suporte recebido por Mujica e seus familiares nos últimos meses de vida traz visibilidade para o tema cuidados paliativos, que inclui abordagens em diferentes etapas do câncer ou diante de outras doenças.
No Brasil, cerca de 625 mil pessoas necessitam de cuidados paliativos, voltados para a melhoria da qualidade de vida de pacientes com doenças graves, crônicas ou em fase terminal. Uma parcela significativa desse grupo é composta por pacientes com câncer em estágio avançado, os quais têm direito a esse tipo de cuidado essencial.
Há um ano, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos, que permite esse tipo de assistência no Sistema Único de Saúde (SUS) e prevê a implantação de 1,3 mil equipes em todo o país. A nova política beneficia a saúde pública ao promover um tratamento mais humanizado, além de dar mais confiança para que os pacientes sigam os cuidados.
Abordagem focada no alívio do sofrimento
De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) a abordagem foca no alívio do sofrimento, por meio da gestão de sintomas físicos, emocionais, espirituais e psicológicos. Os cuidados paliativos surgem como uma abordagem essencial para garantir qualidade de vida aos pacientes, aliviando sintomas, reduzindo o sofrimento e oferecendo suporte emocional.
Os cuidados paliativos podem ser oferecidos em conjunto com as terapias voltadas para a doença, independentemente de o objetivo ser a cura ou não. O processo inclui enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais e religiosos, como capelães.
Esse tipo de cuidado deve ser integrado ao longo de todo o percurso da doença, desde o diagnóstico até as fases mais avançadas, independentemente do estágio ou da intenção curativa do tratamento.
Outro ponto importante é que esses cuidados são oferecidos em todos os estágios da doença, desde o diagnóstico até o final da vida. O objetivo é sempre proporcionar conforto e dignidade ao paciente”, ressalta o oncologista Audrey Cabral, coordenador da Comissão de Cuidados Paliativos da SBCO.
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Em meio ao alto número de casos de câncer no Brasil – com estimativa de 483 mil novos casos para o triênio 2023-2025, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) -, a busca por tratamentos eficazes vai além das terapias curativas.
De acordo com o oncologista e médico paliativista, Munir Murad, coordenador da unidade da Versania Brasil, clínica especializada em cuidados paliativos e reabilitação em Belo Horizonte (MG), os cuidados paliativos promovem um tratamento humanizado, respeitando as necessidades individuais e auxiliando também os familiares no enfrentamento da jornada oncológica.
O principal objetivo dos cuidados paliativos é o alívio do sofrimento em todas as suas dimensões. Isso inclui o controle eficaz de sintomas físicos, como dor, fadiga, náuseas, falta de ar e outros desconfortos que frequentemente acompanham o câncer e seus tratamentos.
Ao mesmo tempo, os cuidados paliativos abordam as necessidades emocionais, psicológicas e espirituais, ajudando pacientes e famílias a lidar com o impacto emocional do diagnóstico, o medo do futuro e as mudanças significativas no estilo de vida”, ressalta o médico.
Cuidados paliativos podem até prolongar a vida
Outro aspecto fundamental é a comunicação clara e compassiva, que facilita a tomada de decisões compartilhadas entre pacientes, famílias e a equipe médica. “Os cuidados paliativos ajudam a esclarecer metas de tratamento, alinhar expectativas e respeitar as preferências individuais, garantindo que o paciente receba um cuidado centrado em seus valores e prioridades”, explica Murad.
Segundo o oncologista, os cuidados paliativos, quando integrados precocemente ao tratamento oncológico, não apenas melhoram a qualidade de vida, mas também podem aumentar a adesão ao tratamento e até prolongar a vida em alguns casos.
Ao focar no bem-estar global do paciente e no alívio do sofrimento, os cuidados paliativos reforçam a humanização do cuidado, colocando a pessoa e sua dignidade no centro da atenção médica”, destaca.
OS CUIDADOS PALIATIVOS OFERECIDOS NO CÂNCER
Os cuidados paliativos no câncer se fundamentam na avaliação do prognóstico. Para isso, utilizam-se instrumentos como a Palliative Performance Scale (PPS), que avalia aspectos essenciais da funcionalidade do paciente, tais como:
– Capacidade de deambulação (caminhar de um lugar para outro de forma independente);
– Nível de atividade e progressão da doença;
– Independência no autocuidado;
– Padrão de ingestão alimentar;
– Estado de alerta e cognição.
Audrey Cabral explica que o paciente deixa de ser apenas um sujeito biológico ou um portador de doença e passa a ser visto como “uma pessoa que requer cuidados abrangentes”. Essas dimensões oferecem uma visão ampla e detalhada sobre a condição do paciente, permitindo a personalização das intervenções.
Seja em casa, na clínica de transição (hospice) ou em um hospital, o objetivo principal é minimizar os sintomas. Isso é feito respeitando as condições funcionais e necessidades específicas identificadas por essas avaliações.
São muitas as finalidades dos cuidados paliativos no tratamento do câncer, como:
- controle da dor óssea e prevenção de fraturas, direcionado ao manejo de metástases ósseas, promovendo mobilidade e conforto ao paciente;
- manejo da fadiga, por meio do foco na manutenção da funcionalidade e independência para a realização de atividades diárias básicas;
- melhora nutricional, com intervenções destinadas ao ganho de peso e recuperação de massa muscular para suporte geral;
- tratamento de delírios, com estratégias para melhorar atenção, memória e função cognitiva, promovendo maior estabilidade mental;
- prevenção e manejo de úlceras de decúbito, com cuidados específicos para pacientes restritos ao leito, associados ao suporte nutricional adequado;
- redução do impacto psicossocial, com apoio para lidar com o sofrimento emocional e social associado à terminalidade da doença;
- aconselhamento e suporte ao luto, através da assistência para pacientes e familiares durante o processo terminal e após a morte;
- radioterapia paliativa, para aliviar sintomas em tumores primários ou metastáticos, com protocolos de hipofracionamento, para minimizar desconfortos;
- intervenções não farmacológicas, como técnicas cognitivo-comportamentais, higiene do sono e exercícios aeróbicos realizados para manejar fadiga e problemas emocionais;
- cuidados no fim da vida, incluindo suporte ao luto para os familiares após a morte do paciente.
Qualidade de vida do cuidador do paciente
O alívio da sobrecarga dos cuidadores em cuidados paliativos pode ser promovido por meio de intervenções baseadas em evidências. É o caso da integração precoce dos cuidados, suporte psicossocial, educação prática, uso de tecnologias (como a telemedicina) e avaliação sistemática das necessidades dos cuidadores.
Essas estratégias incluem os cuidadores como parte da equipe de saúde, com o desenvolvimento de planos de autocuidado e de ferramentas para monitorar a sobrecarga. Tudo isso contribui para a qualidade de vida, tanto dos cuidadores, quanto dos pacientes.
Na prática, os cuidadores frequentemente dedicam a maior parte do seu dia a cuidados complexos, muitas vezes, renunciando à vida pessoal e profissional. Paralelamente, continuam desempenhando tarefas domésticas e/ou suprindo as necessidades do lar.
Essa sobrecarga significativa está associada a um aumento na incidência de ansiedade, depressão, esgotamento, somatização e outros distúrbios psicológicos. Para aliviar o impacto em quem presta cuidados paliativos no câncer, recomenda-se:
- praticar atividades físicas regularmente ou, ao menos, incorporar atividades relaxantes à rotina;
- buscar suporte social, seja prático (como ajuda de outros familiares ou profissionais contratados) ou emocional (como orientação de um líder espiritual);
- fazer psicoterapia, especialmente, se os sintomas psicológicos forem difíceis de manejar de forma independente.
Assim, os cuidados paliativos são fundamentais para o alívio do sofrimento e promoção da qualidade de vida de pacientes com doenças incuráveis. No entanto, é preciso reconhecer que a sobrecarga do cuidador existe, sendo necessário encontrar formas de aliviá-la, de modo a beneficiar ambas as partes.
Com Assessorias