Ainda são poucos os serviços de cuidados paliativos em pacientes vítimas de doenças crônicas no Brasil. Levantamento da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) apontou, em 2018, a existência de 177 unidades dedicadas a esse conjunto de práticas no Brasil. Um segundo relatório, divulgado no ano seguinte, apontou um total de 190 serviços. A distribuição também é desigual, com o Sudeste concentrando a maioria deles. No Rio de Janeiro, foi criado em 2019 o Programa Estadual de Cuidados Paliativos no Estado. Mas a lei não vem sendo cumprida como deveria.

Para debater o cumprimento da Lei 8.425/19, que cria o programa estadual, a Comissão do Cumpra-se da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) promoveu uma audiência pública nesta quinta-feira (19/10), com a participação de vários médicos e especialistas envolvidos no tema.

Durante a reunião, coordenada pelo deputado Carlos Minc (PSB), que preside a Comissão do Cumpra-se, destacou a urgência no cumprimento da lei, proposta por ele e sancionada em 2019 pelo então governador Wilson Witzel.

“Estamos realizando diversas ações para tratar de questões da saúde, pois é essencial que entendamos que pessoas idosas e com doenças crônicas enfrentam muitas dificuldades. Muito mais difícil do que criar uma lei é fazê-la ser cumprida”, comentou o parlamentar.

Cuidados paliativos não devem ser confundidos com ‘final de vida’, diz oncologista

Para o diretor-geral do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Roberto Gil, fazer cuidados paliativos é resgatar a dignidade das pessoas, investir na diminuição de medicamentos e na melhora da qualidade de vida.

“Cuidados paliativos não podem ser confundidos com cuidados de final de vida. Precisamos de estruturação, financiamento, capacitação de profissionais. A tecnologia pode ser uma aliada, podemos chegar em uma distância maior para orientar um profissional, evitar que um paciente precise percorrer grandes distâncias para ter um atendimento”, destacou o médico oncologista.

Durante a audiência, Pedro Henrique Araújo de Souza, representante regional da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) no Sudeste, lembrou da necessidade de mais atenção aos pacientes de câncer em tratamento. “O cuidado integral do paciente com câncer sem o cuidado paliativo associado não é um cuidado oncológico bem feito”, afirmou.

Em sua participação, o representante regional da SBOC também destacou as diretrizes e guias realizados pela SBOC. Há, por exemplo, publicações sobre cuidado de pacientes nas últimas semanas de vida e sobre tratamento sintomático em cuidados paliativos. “O médico precisa aprender a trabalhar de forma interdisciplinar e isso a SBOC também vem fazendo”, completou o Dr. Pedro Henrique.

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O que prevê o programa estadual de cuidados paliativos

Segundo a lei aprovada em 2019 na Alerj, os cuidados paliativos devem ser iniciados o mais precocemente possível, junto a outras medidas de prolongamento de vida, como a quimioterapia e radioterapia, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreensão e manejo dos sintomas.

O texto que deu origem à medida foi fruto de esforços de um grupo de profissionais da saúde da Fiocruz, liderados pelo fisioterapeuta Ernani Costa e pela assistente social Ana Paula Santos, e tornou-se projeto de lei de autoria de Minc.

“A proposta inicialmente é atuar na formação de profissionais que já trabalham na saúde pública e eleger alguns centros de referência em municípios com até 100 mil habitantes”, explicou Filipe Gusman, presidente do capítulo Sudeste da ANCP. “É uma grande conquista, porque certamente servirá como exemplo para implementar programas de cuidados paliativos em outros estados”, completa.

Casos de sucesso

Moradores cuidam de vizinhos doentes em comunidades cariocas

O trabalho desenvolvido pela Associação Favela Compassiva, nas comunidades da Rocinha e do Vidigal, na zona sul do Rio de Janeiro – que destacamos aqui no ViDA & Ação recentemente, por ocasião do Dia Mundial de Cuidados Paliativos – foi muito elogiado na audiência. Pelo projeto, moradores que já cuidavam espontaneamente de seus vizinhos recebem capacitação e recursos para desempenhar o papel de agentes compassivos de forma mais eficiente.

“Nós organizamos o cuidado a partir das próprias demandas dos pacientes. Mas enfrentamos muitas dificuldades como o acesso a medicamentos opióides, curativos e a falta de leitos de retaguarda”, disse a médica Lívia Coelho, que atua no projeto, durante a audiência pública na Alerj.

Segundo ela, minimizar o sofrimento dos pacientes nas dimensões física, psíquica, social e espiritual é o principal o objetivo da associação, que promove visitas mensais de profissionais de saúde de diversas especialidades aos pacientes.

Dra Lívia considera positivo que o Rio tenha participado doprojeto de cuidados paliativos que integra as ações do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi). “O que sugerimos é a formação de uma comissão de cuidados paliativos, com intuito de capacitar as equipes que estão em contato com os pacientes”, ressaltou.

60 famílias recebem cuidados em domicílio em Barra do Piraí

Na audiência, também foram mencionadas unidades que cumprem a lei estadual, como a Cruz Vermelha do município de Barra do Piraí, na região Sul Fluminense, que é referência no estado no tratamento de cuidados prolongados. Segundo o diretor da unidade, Ricardo Esperança, cerca de 60 famílias estão recebendo esses cuidados em domicílio.

“Estamos nessa luta há 18 anos. Nossa prioridade era capacitar os nossos profissionais por meio de seminários e parcerias com o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Cuidamos de pessoas que não necessariamente apresentam quadros terminais, mas que precisam ser cuidadas de acordo com suas sequelas”, explicou.

Para o médico oncologista Roberto Gil, diretor-geral do Inca, é fundamental que o trabalho executado pela Cruz Vermelha de Barra de Piraí seja expandido para outros municípios do Estado do Rio.

Grupo de trabalho discute medidas no estado

Uma das demandas apresentadas pelo representante do Movimento Nacional da Frente Paliativista, Ernani Mendes, e pela coordenadora do Grupo de Estudo e Pesquisa em Cuidados Paliativos da Fiocruz, Ana Paula Bragança, foi a participação de associações, profissionais de saúde e da sociedade civil nas reuniões do Grupo de Trabalho de Cuidados Paliativos, da Secretaria de Estado de Saúde (SES).

A superintendente de Atenção Primária à Saúde da SES, Halene Cristina Dias, explicou que o GT para discutir sobre o tema foi implementado no início deste ano e, até o momento, foram realizadas três reuniões para discutir sobre medidas de cuidados paliativos. A superintendente se comprometeu em convocar para as reuniões representantes de associações e movimentos sociais, além de profissionais de saúde que praticam cuidados paliativos com pacientes.

“Identificamos a necessidade de sensibilizar os profissionais de saúde para essa questão. O que temos feito é discutir bases para instituir o Plano Estadual de Cuidados Paliativos, e isso é fundamental para garantir o financiamento dessas medidas. Precisamos construir uma rede de atenção e saúde e, para isso, vamos disponibilizar um formulário para saber quais ações estão sendo adotadas pelos municípios”, declarou Halene.

Fonte: Alerj, Sboc e ANCP

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