paliativos

Minha mãe lutou durante mais de sete anos contra um AVC isquêmico que a deixou sem falar e sem andar aos 58 anos. A certa altura, com o avançar da doença, chegamos a ter dúvidas se ela estava mesmo ali, presa naquele corpo franzino e sofrido, após inúmeras idas e vindas entre a nossa casa e o CTI do hospital. Nos meses finais, bastante debilitada, alimentava-se por uma sonda nasogástrica e parecia não mais nos reconhecer. Foi diante de todo aquele sofrimento que, como dizem os católicos, eu a “entreguei nas mãos de Deus”, para que lhe desse o descanso e o conforto necessário na hora final, após anos alimentando a esperança de que ela voltaria a nos brindar com seu sorriso.

De fato, aceitar a morte sempre foi o grande desafio para muitos de nós. Mas como propor e suportar a responsabilidade frente a qualquer decisão que interfira sobre os limites da vida?  A perspectiva de morte, que em muitos casos pode se arrastar por meses e às vezes, anos, impacta o doente e as pessoas que estão em volta, os familiares e até amigos.  A doença e perspectiva de morte dos que amamos – dos que nos cercam – nos faz lidar não só com a perspectiva de perda daquela pessoa, mas também a perspectiva da nossa morte, a nossa finitude…

É justamente este tema tão complexo e delicado vai ocupar uma manhã de debates entre médicos e psicanalistas neste sábado (12) durante o encontro “Humanização no final da vida: os cuidados paliativos”. O evento faz parte da “Sessão Humanidades na Saúde”, que acontece na Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), das 9h às 12h, com inscrição gratuita.

De acordo com a geriatra Claudia Burlá e a psicóloga Ligia Py, especialista em gerontologia, no cenário médico-científico atual,os cuidados paliativos representam uma exigência do avanço da biotecnologia aliado ao aumento da longevidade humana. “Requer a ousadia de reconhecer a chegada da morte, acompanhar o processo de morrer e acolher a morte com a solenidade devida aos grandes momentos da vida”, afirmam.

Elas explicam que paliar é proteger e solenizar. “É a supremacia do humano que, usufruindo do técnico-científico, o supera”. Reconhecida recentemente como uma nova especialidade médica, os Cuidados Paliativos recorrem à Bioética especialmente no respeito a autonomia e à proteção da pessoa até o final da sua vida. A prática da paliação requer a consciência da finitude, a competência profissional e a coragem para transgredir racionalidades a partir de reflexões transformadoras. Integrar Cuidados Paliativos é agregar valor à assistência. Bons cuidados ao fim da vida é uma questão de saúde pública.”

O evento traz ainda os psicanalistas Miguel Calmon e Cristiane Blaha Rangel. “Aceitar a morte sempre foi a questão por excelência da vida. A novidade do nosso debate diz respeito a como propor e suportar a responsabilidade frente a qualquer decisão que interfira sobre os limites da vida. Nossa conversa se deve a uma conquista recente, muito recente: a evolução da medicina e da tecnologia aplicada aos seus desenvolvimentos”, afirma Calmon.

De acordo com ele, ao expandir as possibilidades e as fronteiras da vida, esta evolução vem exigindo que os limites que definem e separam a vida e a morte sejam reconsiderados em seu conjunto pelos sujeitos implicados tanto no viver quanto no morrer. “Do prolongar excessivo da vida às diferentes formas de abreviação do sofrimento quando as esperanças de cura se esgotam,  a reflexão sobre o limite entre a vida e a morte passaram a frequentar nossas conversas, até mesmo as cotidianas, e nos obrigado a pensar sobre nossa responsabilidade”, ressalta.

“As questões relativas ao final da vida, como as doenças e o próprio envelhecimento,  afetam a quem passa pelo processo e aos que estão à volta. São questões presentes nos consultórios de médicos e psicanalistas. Então, vamos fazer esse encontro na Sociedade para uma conversa interdisciplinar sobre essa temática que merece toda a nossa atenção”, comenta Ana Sabrosa, diretora do Conselho Científico da SBPRJ.

“Sessão Humanidades na Saúde” é um projeto  coordenado pelo médico Ricardo Cruz, especialista em Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Desde julho de 2016 já foram realizadas 20 sessões, envolvendo profissionais de diferentes áreas da saúde no auditório do Hospital Samaritano.

A SBPRJ fica na Rua David Campista, 80, no Humaitá.  Informações pelo telefone (21) 2537-1115.

Fonte: SBPRJ, com Redação

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