A modelo carioca Alice Ribeiro da Cunha, de 27 anos, eleita Miss Brasil Cadeirante 2023, morreu  no último dia 27 de abril. Seu corpo foi encontrado dias depois e sepultado no dia 4 de maio, na cidade de Viana (ES). Não se sabe a causa da morte, mas a modelo vinha sofrendo com fortes dores decorrentes ainda das sequelas do tiro que levou do ex-companheiro na coluna, que a deixou paraplégica em 2018.

Luiza Brunnet foi visitar Alice Bekker em hospital de Niterói (Fotos: Acervo pessoal)

Durante o período em que ficou internada após uma nova cirurgia, em janeiro de 2024, Alice recebeu o apoio afetivo da ex-modelo Luiza Brunet, como Vida e Ação publicou com exclusividade. Na época, ela fazia uma vaquinha para pagar as despesas do tratamento, mas não obteve êxito.

Foi a empreendedora social e ativista PCD Lu Rufino, organizadora do Miss Cadeirante e também paraplégica, que contou ao Vida e Ação sobre a morte de Alice. Segundo ela, a jovem morreu sozinha e sem apoio familiar ou de amigos. Ela morava em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, e decidiu se mudar para o Espírito Santo, onde mora a família do agressor, que era pai do seu filho Kewin, de 7 anos.

Foi terrível. Morreu sozinha no Espírito Santo, sem documentos para fazer o enterro. Eu tinha uma xerox autenticada dela, uma amiga levou e fez o enterro cinco dias depois do óbito”, contou a ativista. “Implorei pra ela não ir pro Espírito Santo, foi sem dinheiro, dormiu na rua. Adoeceu e morreu”, lamentou Lu Rufino.

‘Ela nunca aceitou ser cadeirante’

Alice Bekker, como era conhecida, chegou a fazer uma nova cirurgia em janeiro de 2024, na esperança de voltar a andar. “Ela nunca aceitou ser cadeirante”, disse Lu Rufino. Para a ativista, esse desejo de retirar a bala alojada em sua coluna e voltar a andar a motivou a fazer a nova cirurgia, que teria desencadeado as complicações que a levaram à morte.

Essa cirurgia foi o início de tudo, teve várias infecções. Estaria viva (se não tivesse feito a cirurgia). O médico não prometeu nada, ela disse que tinha que tirar a bala, fui com ela na consulta. Mas enquanto não operou não aceitou. Até no Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia) foram contra. Mas ela tinha essa esperança (de voltar a andar)”.

A empreendedora social e ativista PCD diz se sentir culpada por não ter conseguido impedir que ela fizesse a cirurgia. “Eu me culpo por ter permitido, era pra ter amarrado ela sei lá.  Estou muito triste. A primeira cirurgia trouxe ela pra minha casa. Fiz de tudo”.

Lu Rufino e Alice Bekker, na comemoração do título de Miss Cadeirante 2023 (Fotos: Acervo pessoal)

Lu Rufino era uma espécie de madrinha de Alice, que enfrentava dificuldades financeiras para sustentar a si  própria e ao filho que morava com ela. A jovem era órfã de mãe e já revelou ter sofrido abusos do próprio pai.

Eu a amava muito. Ia todo mês do Recreio (na zona oeste do Rio), onde moro, até São Gonçalo (onde Alice morava) levar alimentos para ela e o filho”, contou a organizadora do Miss Brasil Cadeirante. Segundo Lu, com a morte de Alice, o menino passou a ser cuidado pelo pai do homem que atirou nela e foi morto tempos depois.

Quem foi Alice Bekker

 

Vida e Ação acompanhava a trajetória de Alice desde que ela concorreu ao Miss Cadeirante 2020, ficando em segundo lugar – a vencedora foi Karen Aguiar, hoje também com 27 anos, que ficou paraplégica desde os 8 por conta de um tumor neuro hecto-dérmico primitivo que lesionou sua medula.

Alice ficou paraplégica aos 20 anos, após levar um tiro do ex-companheiro que tinha ciúmes dela. A tragédia ocorreu no Espírito Santo, onde a jovem chegou a morar com o agressor. Desde então, Alice precisou usar cadeira de rodas e a bala que lhe tirou os movimentos das pernas nunca foi removida por representar um risco à sua vida. Mesmo assim, ela cuidava do filho Kewin, fruto da união com o agressor.

Bonita, simpática e muito comunicativa, Alice faturou o título de Miss Brasil Cadeirante 2023, no concurso realizado via online. No mesmo ano, também conquistou o título Miss Afrodite. Amante de selfies, inclusive durante as longas internações pelas quais passou, ela fazia pequenos trabalhos como modelo PCD e sonhava em seguir na carreira e voltar a andar..

Ao Vida e Ação, Alice contou que já estava ficando de pé antes da primeira cirurgia, mas depois sofreu uma lesão no membro inferior esquerdo isquiático, ficando praticamente dois anos internada. Nos últimos tempos, ela vinha sofrendo fortes dores: “Sinto muita dor por conta dos ossos fora do lugar”.

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A cirurgia de Alice

Para tentar aliviar suas dores, a jovem modelo PCD conseguiu uma nova cirurgia pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foi operada no dia 5 de janeiro de 2024 no Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói (RJ).  Chamada de artrodese da coluna torácica, a cirurgia complexa durou mais de 10 horas e envolveu a fixação da coluna lombar com hastes e  parafusos.

O objetivo era reduzir as dores causadas pelo hipercifose, uma curva anormal da coluna que causava muita dor para a paciente e não deixava ela ficar numa posição correta. Era uma sequela decorrente da lesão na medula que tirou os movimentos de suas pernas e lhe causava muitas dores.

Foi uma cirurgia de correção da deformidade de coluna que faz com que a paciente tenha uma melhora da qualidade de vida e menos dor. Quando ela ficava na cadeira de rodas, causava outros tipos de machucados para ela. A cirurgia foi um sucesso, não teve nenhuma intercorrência, (a coluna agora) está bem posicionada”, explicou ao Vida e Ação o neurocirurgião Paulo Cortez, responsável pelo caso.

Na cirurgia, entretanto, não foi retirada a bala alojada próximo da medula, já que sua remoção representaria mais riscos que benefícios, segundo os médicos. Na época, Paulo Cortez confirmou que não havia chances de Alice voltar a andar. “A cirurgia não foi para isso. Infelizmente, quando ela teve essa primeira lesão na coluna, teve um machucado na medula e isso foi definitivo”, completou.

A amizade com Luiza Brunet

No dia 8 de janeiro, três dias após a cirurgia, Alice recebeu a visita da atriz, empresária e modelo Luiza Brunet, 62, que se tornou ativista em defesa de mulheres após ser vítima de violência doméstica praticada pelo ex-marido, empresário bilionário Lírio Parisotto, em 2016.

As duas haviam se conhecido tempos atrás, por conta do movimento de mulheres vítimas de violência. Assim como Luiza Brunet, Alice também se tornou uma ativista da causa. Apesar do prognóstico pessimista dos médicos, sobre a probabilidade de jamais voltar a andar, a modelo sonhava com o dia em que poderia, finalmente, desfilar de pé, ao lado de sua ídola e ‘madrinha’.

Tratada no hospital com todas as honras de uma miss, Alice também  recebeu a visita de uma das candidatas que concorreram também ao Miss Cadeirante 2023 pelo Rio de Janeiro. Eleita Miss Simpatia no concurso, Tayssa Yang levou artigos de higiene pessoal para a colega.

Alice ainda posou para fotos ao lado o  médico neurocirurgião João Paulo Chevrand Latini e demais integrantes da equipe do neurocirurgião Paulo Rogério Cortez, responsável pela cirurgia. Ela fez questão de agradecer à equipe da enfermaria.

“São elas que dão remédio, que trocam a fralda, que dão o banho e dão carinho e amor, que cuidam da gente enquanto a gente está no hospital”, disse. Um grupo de amigos acompanhava sua evolução pelo whatsapp.

A falta de apoio financeiro

Apesar da esperança de reduzir o desconforto, Alice temia o pós-operatório, já que não tinha apoio familiar e enfrentava dificuldades financeiras para se sustentar sozinha com o filho. Sem poder trabalhar como modelo por conta das dores na coluna, a jovem acabava dependendo da ajuda de amigos e vizinhos que os apoiavam.

Na época, ela tentava regularizar sua situação junto ao INSS para retomar o recebimento do BPC LOAS, equivalente a um salário mínimo – a sua única renda. Em dezembro de 2023, ela chegou a lançar uma vaquinha para ajudar nas despesas do pós-operatório, mas conseguiu poucos recursos.

A meta era atingir R$ 20 mil, para conseguir pagar uma pessoa para ajudar na sua recuperação em casa e também nos cuidados com o filho – eles moravam em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio. Mas Alice conseguiu apenas R$ 1.241 doados por 26 colaboradores – veja aqui. 

Estou com medo. Como vou fazer em casa? Não consegui o valor da vaquinha nem para pagar alguém pelo menos um mês. Mas vou ter que ir e fazer as coisas todas sozinha”, contou Alice, que chegou a pedir dinheiro à reportagem para conseguir comprar um presente para o filho.

Descanse em paz, Alice. Você foi uma guerreira!

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