Ativista em defesa de mulheres que, assim como ela, foram vítimas de violência doméstica, a atriz, empresária e modelo Luiza Brunet, de 61 anos, esteve na tarde desta segunda-feira (8) na enfermaria do Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói (RJ). Foi levar a sua solidariedade e carinho à modelo Alice Bekker, de 26 anos, a Miss Cadeirante 2023, que ficou paraplégica aos 20, após levar um tiro do ex-companheiro.
“Não costumo ter visitas e muito menos acompanhantes! Ela foi eu comecei a chorar, pelo carinho, pelo zelo, pelo amor dela comigo. Ela ter tirado um tempinho para vir aqui me ver significou muito para mim. Me senti protegida depois de anos sem saber o que é isso”, disse Alice ao ViDA & Ação.
Alice Ribeiro da Cunha – conhecida como Alice Bekker – se recupera de uma cirurgia complexa, realizada na última quinta-feira (4) e que poderá reduzir as dores que sente na coluna desde que perdeu os movimentos das pernas – saiba mais aqui.
A modelo conheceu Luiza durante um evento sobre o tema violência contra a mulher no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, e, desde então, se falam com frequência pelo celular. “Vai dar tudo certo. Que sorte a sua poder ser operada. Tem muita gente que te espera com muito amor, inclusive eu”, escreveu Luiza pelo whatsapp, poucas horas antes de Alice entrar no centro cirúrgico.
Assim como Luiza, Alice também se tornou uma ativista em defesa das mulheres vítimas de violência. Apesar do prognóstico pessimista dos médicos, sobre a remota probabilidade de voltar a andar, a modelo sonha com o dia em que poderá, finalmente, desfilar de pé – quem sabe até ao lado de sua ídola e ‘madrinha’, Luiza Brunet.
Vaquinha para ajudar modelo precisa de doações
Na noite de domingo (6), já na enfermaria após passar duas noites no Centro de Terapia Intensiva (CTI) por conta da cirurgia, Alice não dormiu direito, preocupada com o filho, Kewin, de 7 anos, que está sob cuidados de vizinhos. Quando tiver alta, ela precisará de ajuda para cuidar dela e do filho, já que moram sozinhos, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.
Alice faz uma campanha pela internet para ajudar a custear as despesas da fase pós-cirurgia, quando for para casa. Até esta segunda-feira, no entanto, a campanha arrecadou somente R$ 264 de 13 doadores – a meta é atingir R$ 20 mil.
Sem poder trabalhar como modelo por conta das dores, a jovem acaba dependendo da ajuda de amigos e vizinhos que a acolheram. Um ex-namorado, a quem o filho chama de pai, é que tem ajudado a pagar o aluguel.
A única renda nos últimos tempos vinha do BPC LOAS (Benefício de Prestação Continuada), garantido pela Lei Orgânica de Assistência Social, de 1993, para pessoas em vulnerabilidade extrema. Mas o benefício federal, equivalente a um salário mínimo, foi cortado, segundo ela, por falta de atualização e da prova de vida e precisa ser regularizado junto ao INSS.
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Ginecologista renomada colaborou para cirurgia
A cirurgia de Alice pôde ser viabilizada graças à intervenção da ginecologista Albertina Duarte Takiuti, que atua em São Paulo. Além de custear exames preparatórios, foi a médica quem intercedeu junto à direção do Hospital Universitário Antônio Pedro para garantir a cirurgia, já que, segundo a paciente, faltavam os materiais que seriam necessários para o procedimento.
“Liguei para o hospital, conversei com os médicos e pedi para que eles apressassem os materiais. A promessa foi cumprida e eu inclusive sugeri que podia conseguir esses materiais de alguma forma, mas, felizmente, a cirurgia foi realizada e ela está bem”, disse a médica ao ViDA & Ação.
Em mais de quatro décadas de atuação e mais de 4 mil partos realizados, Dra Albertina tornou-se conhecida em todo o país inicialmente pelo trabalho que realizava junto a mulheres torturadas durante o período da ditadura militar. Há muitos anos, ela ajuda mulheres em situação de vulnerabilidade social, especialmente aquelas vítimas de violência doméstica e outros abusos, além de adolescentes grávidas, seja atendendo em sua sala no Hospital das Clínicas de São Paulo, seja em sua clínica particular.
“Todas as pessoas que sofrem de violência me tocam, é uma situação que eu vejo muito e tenho muito respeito pela Luíza Brunet, que quando nós trabalhamos juntos, sempre é uma satisfação e muito carinho. Já fizemos várias reuniões, já fizemos vários eventos juntas, e não só a história da Alice me sensibiliza. Como eu disse, todas as mulheres”, comentou.
Alice fez um agradecimento especial à médica pelo apoio que vem recebendo, não somente agora para esta nova cirurgia, mas em toda a jornada como cadeirante, vítima de violência doméstica.
“Ela sempre me deu força, sempre disse que ia dar certo, que estava junto comigo! Sempre me acalentando com carinho, com amor. Sempre falando comigo que ia dar certo. Mesmo que fosse uma simples consulta, ela vibrava junto comigo”, conta a jovem modelo. “A Dra Albertina foi muito importante no processo de requerer meus direitos, de ficar firme nesse processo de dor, de complicações da cifose e em geral da minha saúde! E continua sendo importante para mim. Vou levá-la com carinho e gratidão pra vida toda!”.
Dra Albertina conheceu Alice por intermédio de Luiza Brunet, com quem mantém parceria para atendimento a mulheres vítimas de violência, e vem acompanhando o caso da Miss Cadeirante há algum tempo, oferecendo o suporte necessário.
“No caso da Alice, o fato dela ser tão jovem e principalmente tão linda e com afeto tão grande, como a forma de descrever o seu quadro, me fez com que eu pensasse muito tudo que eu faria para ajudá-la. Se eu pudesse neste momento, eu iria ao Rio abraçá-la, porém estou com muitas pacientes que também necessitam de mim”, comentou, agradecendo pelo carinho que Alice e Luísa demonstraram. “Foi um fato que vai marcar minha vida também”.
Bala que deixou Alice sem andar permanece na medula
Alice foi submetida a uma nova cirurgia para correção da hipercifose, uma deformidade acentuada na coluna, que causava muitas dores. Chamado de artrodese da coluna torácica, que consiste na fixação da coluna lombar com hastes e parafusos, o procedimento durou cerca de 10 horas na última sexta-feira (5/1).
“Foi uma cirurgia de correção da deformidade de coluna que faz com que a paciente tenha uma melhora da qualidade de vida e menos dor. A cirurgia foi um sucesso, não teve nenhuma intercorrência, (a coluna agora) está bem posicionada”, explicou ao ViDA & Ação o neurocirurgião Paulo Cortez, responsável pelo caso.
Segundo ele, Alice sofreu uma lesão grave na coluna, que causou uma deformidade que é uma hipercifose, uma curva anormal da coluna que causava muita dor para a paciente e não deixava ela ficar numa posição correta. “Então, quando ela ficava na cadeira de rodas, causava outros tipos de machucados para ela”, comentou.
Alice permanece com a bala que a deixou paraplégica alojada próximo da medula, já que sua remoção representaria mais riscos que benefícios, segundo os médicos. Paulo Cortez confirmou que não há chances de Alice voltar a andar.
“Sobre a questão de voltar ao andar, não. A cirurgia não foi para isso. Infelizmente, quando ela teve essa primeira lesão na coluna, teve um machucado na medula e isso foi definitivo”, completou. Segundo ele, ainda esta semana, Alice deverá ter alta.
Paciente agradece médicos e enfermeiros
Antes mesmo da cirurgia, o médico neurocirurgião João Paulo Chevrand Latini (foto) – que atua na equipe do neurocirurgião Paulo Rogério Cortez – informou dos altos riscos do procedimento, inclusive de piora do quadro, e disse que a possibilidade de recuperação dos membros inferiores (coxas, pernas e pés) era “altamente improvável”.
A Miss Cadeirante revelou sentir ainda muitas dores depois da nova cirurgia e que não tem conseguido dormir. Na tarde desta segunda-feira, ela fez uma nova tomografia, para verificar o estado da coluna após a cirurgia, e retirou o dreno. Na terça, ela apresentou febre alta. Um grupo de amigos acompanha sua evolução pelo whatsapp.
Na enfermaria, Alice recebeu a equipe da neurocirurgia, que atuou no seu procedimento, tirou fotos. E não esqueceu de agradecer também à equipe da enfermaria, onde ela permanece internada. “São elas que dão remédio, que trocam a fralda, que dão o banho e dão carinho e amor, que cuidam da gente enquanto a gente está no hospital”, disse a miss, esbanjando a sua simpatia de sempre.
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Luiza Brunnet foi vítima de violência física e patrimonial
Luiza Brunet já sentiu na pele o que é ser vítima de violência doméstica. Em 2016, durante uma viagem a Nova York, nos Estados Unidos, a modelo recebeu um soco no olho esquerdo e vários chutes desferidos pelo então marido, o empresário Lírio Parisotto. Após a enorme repercussão do caso, ela tem dedicado sua vida a iniciativas pelo fim da violência contra a mulher.
Em novembro passado, La Brunet denunciou ter sido vítima de violência patrimonial. Ao se pronunciar pela primeira vez sobre a dívida de R$ 646 mil no cartão de crédito, ela relacionou o problema com o vazamento de seus dados bancários. Em seu perfil do Instagram, Luiza escreveu um longo texto retaliando o Bradesco por ter aberto ao público seu sigilo bancário.
Em novembro passado, véspera do Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres (25/11), ela postou um vídeo no Instagram esclarecendo que violência não é somente agressão física. E explicou os diferentes tipos de violência contra a mulher.
“Você ou alguma mulher próxima a você já foi vítima de violência? É provável que sim, já que uma em cada três mulheres em todo o mundo já passou por isso. É importante falar que a violência contra as mulheres não se refere apenas a agressões físicas. A Lei Maria da Penha, criada para nos proteger e garantir que os agressores sejam responsabilizados, reconhece cinco formas de violência diferentes”, começou.
Os 5 tipos de violência contra a mulher
A artista detalhou os cinco tipos de violência, considerados pela legislação e que podem levar o agressor à cadeia: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
“A violência física é definida como qualquer ação que prejudique a integridade ou saúde do corpo. A violência psicológica inclui ações que causam danos emocionais, reduzem a autoestima, perturbam o desenvolvimento e comprometem o controle pessoal. A violência sexual acontece quando a mulher é forçada a testemunhar, participar ou manter relações sexuais contra a sua vontade sob intimidação, ameaça, coação ou força”, explicou.
Ela explicou ainda que a violência patrimonial – da qual também foi vítima – é “quando alguém retém, rouba ou destrói coisas importantes para você, como bens, objetos pessoais, ferramentas de trabalho, documentos e outros recursos”. Já a violência moral, segundo ela, “pode ser entendida como qualquer ação que configure calúnia, difamação ou injúria”, completou.
Luiza encerra o vídeo com um alerta às mulheres: “Saber identificar os tipos de agressões é o primeiro passo para reconhecer e combater a violência contra a mulher. Se informe, divulgue e busque apoio. Juntas podemos ajudar a construir um país de mulheres sem dor”.
Uma entre 3 mulheres é vítima de violência
De acordo com a ONU (Organização das Nações Unidas), uma em cada três mulheres em todo o mundo é vítima direta da violência. O Brasil registrou aumento de todos os tipos de violência contra a mulher em 2022, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base em dados das secretarias estaduais de segurança e polícias.
Os casos de feminicídio, nome dado ao assassinato de mulheres por causa do gênero, cresceram 6,1%, com um total de 1.437 casos em 2022. Mais da metade dos crimes foi cometida por parceiros e ex-parceiros. Segundo a pesquisa, também houve aumento de 2,9% nos casos de violência doméstica com relação a 2021 – ao todo, 245.713 agressões.
Foram registradas 613.529 ameaças, um aumento de 7,2%, e 102 chamadas por hora ao 190, número de atendimento da Polícia Militar. Houve ainda o crescimento de casos de stalking, crime de perseguição online ou física, com 147 casos diários, e de violência psicológica, com 24.382 ocorrências no ano. Relatos de assédio sexual e importunação sexual cresceram 49,7% e 37%, respectivamente.