Quem cuida de quem cuida da pessoa com demência?

45% dos cuidadores de pessoas com demência relatam sintomas de ansiedade e depressão

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Pelo menos 45% dos cuidadores de pessoas com demência apresentam sintomas psiquiátricos de ansiedade e depressão, 71,4% apresentavam sinais de sobrecarga relativa ao cuidado, 83,6% exerciam o cuidado de maneira informal e sem remuneração. Os dados foram divulgados pelo Relatório Nacional sobre a Demência no Brasil (Renade), do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a partir da iniciativa do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).

O estudo revelou que as pessoas responsáveis pelos cuidados estão sobrecarregadas e que, na maior parte das vezes (85%), são mulheres. “Há uma cultura da mulher cuidar para o resto da vida. Entendo que é uma questão cultural”, diz a psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto Renade.

De acordo com a OMS, um trilhão de dólares foram destinados ao cuidado de pessoas com demência no mundo em 2019. Nos países com menos recursos, como o Brasil, a maior parte dos custos advém do cuidado informal provido por familiares, em geral mulheres, cuja saúde e renda são colocadas em risco.

É o que revela o relatório do projeto Renade, ao enumerar custos diretos em saúde, como internações, consultas e medicamentos, e também os recursos indiretos, como a perda de produtividade da pessoa que é cuidadora. “As atividades relacionadas ao cuidado e supervisão da pessoa com demência consomem uma média diária de 10 horas e 12 minutos”, aponta o relatório.

“Isso envolve horas de dedicação para o cuidado. A pessoa, por exemplo, pode ter que parar de trabalhar para cuidar. Isso tudo envolve o que a gente chama de custo informal. É importante que se ofereça um apoio para a família”, afirmou a .

O estudo também apontou que pelo menos 73% dos custos que envolvem o cuidado de pessoas com demência no Brasil ficam para as famílias dos pacientes. Esses custos podem chegar a 81,3% por parte do familiar a depender do estágio da demência.

O estudo chama a atenção para que, dentro dessa amostra, 51,4% dos pacientes utilizaram, em algum momento, o serviço privado de saúde, 42% não utilizavam nenhum tipo de medicamento para demência. Somente 15% retiravam a medicação gratuitamente no SUS.

Olhar para o cuidador

A médica Cleusa Ferri avalia que é necessário aumentar o número de serviços de qualidade que atendam às necessidades da pessoa com demência e também dos parentes. “O familiar pode até ser um parceiro do cuidado. Mas precisamos também pensar nesse cuidador”.

A psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, pesquisadora e coordenadora do Projeto Renade no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em entrevista à Agência Brasil (Foto: Cleusa Ferri/Arquivo Pessoal) 

Para elaboração do estudo, os pesquisadores entrevistaram 140 pessoas com demência e cuidadores de todas as regiões do país, com média de idade de 81,3 anos sendo 69,3% mulheres. Os dados foram coletados com pessoas em diferentes fases da demência.

Subdiagnóstico de pessoas com demência

De acordo com a pesquisadora, o Brasil contabiliza cerca de 1,8 milhão de pessoas com demência e a projeção é que esse número triplique até 2050. Desse contingente, 80% delas não estão diagnosticadas, um cenário que não é exclusivo do Brasil. Na Europa, o subdiagnóstico chega a ser de mais de 50% e na América do Norte, mais de 60%.

“A taxa de subdiagnóstico é grande. Temos muitas pessoas sem diagnóstico e, portanto, sem cuidado específico para as necessidades que envolvem a doença. Então, esse é um desafio muito importante”, afirma a especialista.

A pesquisadora acrescenta que a invisibilidade da doença é outro desafio. “Temos muito para aumentar o conhecimento, deixar mais visível. A falta de conhecimento da população sobre essa condição precisa ser enfrentada”. Nesse contexto, a invisibilidade também ocorre diante das desigualdades sociais. Ela falou da necessidade de melhorar as políticas públicas para aumentar o conhecimento da população sobre a demência.

“Há uma questão de estigma também. As pessoas evitam falar do tema e procurar ajuda”. Essa situação, na avaliação da pesquisadora, também contribui para dificuldades para conscientização, treinamento de cuidadores e busca por apoio.

Demência deve triplicar até 2050, diz OMS

O rápido envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. demência – uma condição usualmente progressiva que afeta as funções cognitivas e a capacidade de realizar tarefas diárias – é mais comum nos idosos, mas não é parte do envelhecimento normal. Atualmente, mais de 55 milhões de pessoas no mundo vivem com essa condição e estima-se que, em 2050, aumentará para mais de 150 milhões.

Além disso, de acordo com o relatório de atualização sobre o cenário global da demência, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em setembro de 2021, apenas um quarto dos países possuem políticas, estratégias ou planos nacionais para apoiar estes pacientes e suas famílias.

No Brasil, a maioria das pessoas com demência depende do cuidado oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Assim como em outras regiões do mundo, o aumento de casos no país aponta a urgência de uma resposta dos serviços de saúde para atender as necessidades deste grupo.

Compreender a real situação da doença é fundamental para o cuidado: “O nosso país envelhece muito rapidamente. É esperado que, em 2050, um terço de nossa população tenha mais de 60 anos, e, apesar da demência não ser parte do envelhecimento natural, é muito comum nessa fase da vida e requer atenção especial”, diz a médica.

Mais sobre o Relatório Nacional sobre a Demência

Com base nisso, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADISUS), em parceria com o Ministério da Saúde, elaborou o Relatório Nacional sobre a Demência (Projeto ReNaDe). O estudo foi executado pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, uma das seis instituições de excelência que compõem o programa.

“Com o ReNaDe, pretende-se definir o real cenário e contribuir para preparar o SUS no sentido de atender as necessidades das pessoas com demência e seus familiares”, diz Cleisi.

O objetivo é apresentar um panorama atual da situação entre os brasileiros, incluindo as necessidades e os custos do cuidado, bem como os investimentos nacionais em pesquisas sobre o tema. A iniciativa procura, através dos seus resultados, subsidiar tomadas de decisão em ações voltadas às pessoas com demência e seus familiares, incluindo a adequação de políticas públicas e o incentivo à produção de pesquisas sobre a temática.

Da Agência Brasil e Proadis-SUS

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