Janeiro Roxo contra a hanseníase e o preconceito

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Uma doença milenar, altamente contagiosa, que já foi conhecida no passado pelo quase impronunciável nome de lepra ainda assusta, e muito. O Brasil é o segundo país no ranking mundial de hanseníase, atrás da Índia. Cerca de 30 mil casos são notificados a cada ano – número semelhante à notificação de novos casos de HIV/AIDS. Mas por aqui a doença ainda é subnotificada. Estados como Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Tocantins apresentam as mais elevadas taxas.

Para ajudar a combater a doença e enfrentar o preconceito que é gigante no país, a Sociedade Brasileira de Hansenologia (SBH) realiza neste mês a campanha Janeiro Roxo, com o tema ‘Todos Contra a Hanseníase’. Segundo a SBH, a falta de informação e o preconceito são os grandes vilões responsáveis pelo cenário da hanseníase no Brasil. Por isso, o Janeiro Roxo tem o objetivo de reforçar o compromisso de controlar a hanseníase, além de promover o diagnóstico e o tratamento correto da doença. O dia mundial da campanha acontece sempre no último domingo do mês de janeiro – este ano, dia 28 de janeiro.

“Existe um estigma em relação à hanseníase. Antigamente, quando não havia tratamento para essa doença, os portadores eram isolados em vilas e colônias, onde ficavam por toda a vida. Hoje, a hanseníase tem cura, e o doente em tratamento pode conviver normalmente com parentes e amigos sem o risco de transmitir a doença. Mesmo assim, existem preconceito e medo por parte da população”, comenta o hematologista Hugo Alexandre.

A doença

A hanseníase, antigamente conhecida como lepra, é uma doença infecciosa restrita ao ser humano causada por uma bactéria chamada Mycobacterium leprae ou bacilo de Hansen, tendo sido identificada em 1873 pelo cientista Armauer Hansen. É uma das doenças mais antigas do mundo, com registro de casos há mais de 4 mil anos na China, no Egito e na Índia.

De acordo com informações da SBD, a transmissão do M. leprae se dá por meio de convivência muito próxima e prolongada com o doente portador da forma transmissora (chamada multibacilar) que ainda não iniciou o tratamento. No caso de doentes que recebem tratamento médico, não há risco de transmissão. A bactéria é transmitida para outra pessoa através de gotículas da fala, da tosse, do espirro e de secreções nasais.

“Tocar a pele do paciente não transmite a hanseníase”, diz o médico dermatologista Hugo Alexandre Lima. Segundo ele, é de extrema importância que a população seja informada sobre a hanseníase, pois trata-se de uma doença contagiosa, negligenciada, altamente incapacitante se não diagnosticada e tratada precoce e adequadamente”.

“Cerca de 90% da população têm defesa contra a doença. Apenas uma minoria está geneticamente propensa a desenvolver a doença. A hanseníase é uma doença considerada de alta infectividade e baixa patogenicidade, ou seja, muitas pessoas são contaminadas pelo agente causador, mas são pouquíssimas que irão adoecer. O período de incubação (tempo entre a aquisição a doença e da manifestação dos sintomas) varia de seis meses a cinco anos”.

 Ainda segundo a SBD, a suspeição da hanseníase é feita pela equipe de saúde e pelo próprio paciente. “O diagnóstico é feito pelo médico, e envolve a avaliação clínica dermatoneurológica do paciente por meio de testes de sensibilidade na pele, palpação de nervos, avaliação da força motora, etc. Exames complementares (como a baciloscopia e a biópsia) auxiliam no diagnóstico e na classificação clínica”, acrescenta o dermatologista.

Classificação

Conforme explica a SBD, pode-se classificar a doença em hanseníase paucibacilar (com poucos ou nenhum bacilo nos exames) ou multibacilar (com muitos bacilos). A forma multibacilar não tratada possui potencial de transmissão. “A classificação é importante para que o médico defina quais medicamentos o paciente deverá tomar e por quantos meses será o tratamento”, diz o coordenador da campanha promovida pela SBD-GO.

Sintomas

De acordo com Hugo Alexandre, a maneira como a hanseníase se manifesta varia de acordo com a genética da pessoa: “Algumas pessoas são propensas a desenvolver a forma paucibacilar, enquanto outras irão desenvolver a multibacilar. A maioria dos casos notificados de hanseníase está na faixa etária dos 20 aos 40 anos. Devido ao longo período de incubação, a hanseníase é menos frequente em crianças, mas ocorre praticamente em todas as faixas etárias”.

Segundo o dermatologista, a doença pode se manifestar de diferentes formas na pele. “As manchas podem ser claras, avermelhadas ou escuras. Também podem ser pouco nítidas ou bem visíveis com limites precisos. Algumas apresentam relevo com descamação. O fator comum entre elas é a diminuição da sensibilidade (com maior ou menor grau). Existe uma forma da doença (hanseníase neural pura) em que o paciente não tem manchas na pele, mas apresenta dores e diminuição da força em braços e pernas”, explica o dermatologista, que alerta: “Qualquer pessoa que tiver uma mancha ou área de pele dormente deve procurar um centro de saúde”.

Tratamento

A hanseníase é uma doença crônica, transmissível, de notificação compulsória, que tem como agente etiológico o Mycobacterium leprae. A doença acomete principalmente pele e nervos e sua transmissão se dá pelas vias aéreas superiores por meio de contato próximo e prolongado de uma pessoa suscetível (com maior probabilidade de adoecer) com uma pessoa doente sem tratamento.

A doença tem cura, e todo o tratamento é ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).  A investigação dos contatos domiciliares e sociais das pessoas acometidas pela doença é a principal estratégia para a interrupção da cadeia de transmissão. Hoje, em todo o mundo, o tratamento é oferecido gratuitamente com a intenção de que a doença deixe de ser um problema de saúde pública. Atualmente, os países com maior detecção de casos são os menos desenvolvidos ou com superpopulação.

“O tratamento é fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e varia de seis meses (nas formas paucibacilares) a um ano (nos multibacilares), podendo ser prorrogado ou feita a substituição da medicação em casos especiais. Gestantes podem fazer o tratamento normalmente sem prejuízo ao feto. O tratamento é eficaz, e cura. Quando o paciente é diagnosticado tardiamente e apresenta sequelas – por exemplo, perda dos dedos, perda dos movimentos das mãos e dos pés –, são utilizados órteses, próteses e calçados especiais. Além disso, uma grande contribuição à prevenção e ao tratamento das incapacidades causadas pela hanseníase é a fisioterapia”, pontua o médico especialista.

Prevenção

Ter hábitos saudáveis, alimentação adequada, boas condições de higiene, evitar o álcool e praticar atividade física, segundo o dermatologista, contribuem para dificultar o adoecimento pela hanseníase.

“As melhores formas de prevenção são o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, assim como o exame clínico e a indicação de vacina BCG para melhorar a resposta imunológica dos contatos do paciente. Desta forma, a cadeia de transmissão da doença pode ser interrompida. Por ter um longo período de incubação e por muitos diagnósticos serem tardios, a hanseníase está longe de ser erradicada”, conclui Hugo Alexandre.

Ações em Tocantins

Com uma das mais altas taxas de hanseníase do país, o Estado do Tocantins criou um plano de enfrentamento da doença, que será lançado nesta segunda-feira (29). Em 2016, o Tocantins teve um total de 1.585 casos de hanseníase diagnosticados no estado, sendo 1.327 casos novos. Os municípios que mais apresentaram casos foram: Palmas, Araguaína, Gurupi, Paraíso, São Valério da Natividade, Porto Nacional, Colinas, Guaraí, Santa Fé do Araguaia e Augustinópolis.

Já em 2017, o Tocantins apresentou um total de 1.411 casos diagnosticados, sendo 1.144 casos novos. Os municípios que apresentaram maior número de casos foram: Palmas, Araguaína, Santa Fé do Araguaia, Paraíso do Tocantins, Porto Nacional, Gurupi, Colinas, Recursolândia, Almas e Marianópolis.

Nos dias 21 e 22 de janeiro foi realizado um mutirão de cirurgias no Hospital Geral de Palmas (HGP) e Hospital Regional de Paraíso. Do dia 29 janeiro ao dia 3 de fevereiro, o HGP irá intensificar as consultas ambulatórias de hanseníase, com sete consultórios atendendo casos exclusivos de hanseníase.

No dia 29 de janeiro será lançado o Plano de ação para enfrentamento da doença, que segundo a assessora da hanseníase, abrange toda a linha de cuidado do paciente. “Ele abrange desde a atenção básica (porta de entrada) onde é feito o diagnóstico, acompanhamento, tratamento do usuário, perpassando pela média e alta complexidade, vigilância em saúde, informação, comunicação e educação”, explica Suen Santos, assessora da hanseníase da Secretaria de Estado da Saúde.

No dia 6 de fevereiro o Estado do Tocantins irá receber a carreta da Novartis Brasil disponibilizada em parceria com o Ministério da Saúde, com um laboratório de diagnóstico da hanseníase e distribuição de remédio para o tratamento da doença. A carreta irá passar por municípios para reforçar o diagnóstico da doença.

Para Suen Oliveira Santos, além de alertar a população, o dia mundial de combate a hanseníase é importe também para os profissionais de saúde. “O dia mundial de combate a hanseníase é uma data importante para atentar os profissionais de saúde e gestores quanto a necessidade de desenvolver ações que integrem a mobilização e a assistência como estratégia para ampliar a detecção de casos  de hanseníase. E assim alertar a população quanto aos sinais e sintomas, tratamento e importância de examinar os contatos”, afirma a assessora.

Projeto combate a doença em 20 municípios

O projeto ‘Abordagens Inovadoras para intensificar esforços para um Brasil livre da Hanseníase’ tem realizado ações deste outubro de 2017 nos estados do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí e Tocantins. Serão beneficiados, com a ação, 20 municípios dentre os que registraram maior número de casos novos da doença, tanto na população em geral como em menores de 15 anos, com base no ano de 2015. O projeto, que busca reduzir a carga de hanseníase nessas cidades, é uma parceria do Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), com apoio da Fundação NIPPON do Japão, com duração de três anos (2017/2019).

Além de apresentarem elevado número de casos novos em crianças, os municípios participantes do projeto foram selecionados pela disponibilidade de serviços, de profissionais de saúde e intervenção pedagógica. O objetivo do Projeto é diminuir a carga de hanseníase nas cidades selecionadas, com a ampliação do trabalho da detecção de casos novos; promoção da educação permanente para os profissionais da Atenção Primária à Saúde; fortalecimento dos centros de referência; redução da proporção de casos novos com Grau 2 de incapacidade física – GIF2 (como garras em mãos e/ou pés e atrofia muscular), por meio do diagnóstico precoce e ações de prevenção de incapacidades; e enfrentamento do estigma e discriminação contra as pessoas acometidas pela doença.

O Ministério da Saúde, em parceria com estados e municípios, vem intensificando ações para reduzir a carga de hanseníase no Brasil e o Projeto Abordagens Inovadoras é mais uma ferramenta da saúde pública para controlar a doença no país.  Na última década, o Brasil apresentou uma redução de 37,1 % no número de casos novos, passando de 40,1 mil diagnosticados no ano de 2007, para 25,2 mil em 2016. Tal redução corresponde à queda de 42,3% da taxa de detecção geral do país (de 21,19/100 mil hab. em 2007 para 12,23/100 mil hab. em 2016). Do total de casos novos registrados, 1,6 mil (6,72%) foram diagnosticados em menores de 15 anos, sinalizando focos de infecção ativos e transmissão recente, e 7,2 mil iniciaram tratamento com alguma incapacidade, sendo 1,7 mil com GIF 2.

“Uma ação que temos desenvolvido nos últimos quatro anos é a busca ativa de casos novos de hanseníase em alunos do ensino fundamental de escolas públicas, na faixa etária de 5 a 14 anos, para o diagnóstico precoce e tratamento oportuno. Com esse novo Projeto, estamos ampliando a busca ativa da doença nos municípios selecionados para além dos muros escolares. Dessa forma poderemos eliminar fontes de infecção, impedindo que novas crianças contraiam a doença, reduzindo o risco de desenvolver deficiências físicas associadas à hanseníase”, reforçou o ministro Ricardo Barros.

Os municípios que registram maior número de casos: São Luís/ MA, 1º no ranking de números de casos novos de hanseníase em crianças em relação ao restante do país; 2º Recife/PE; 3º Olinda/PE; 5º Marabá/PA; 8º Teresina/PI; 11º Cuiabá/MT; 12º Jaboatão dos Guararapes/PE; 17º Palmas/TO; 23º Belém/PA; 29º São José do Ribamar/MA; 31º Araguaína/TO; 54º Cabo de Santo Agostinho/PE; 61º Paço do Lumiar/MA; 66º Gurupi/TO; 85º Porto Nacional/TO; 105º Paulista/PE; 189º Floriano/PI; 300º Parnaíba/PI; 435º Alcântara/MA; 1.698º Raposa/MA.

Da Redação, com Assessorias

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