A possível mudança nas regras para laqueadura e vasectomia no Brasil levanta diversas questões sobre maturidade, planejamento familiar e direitos reprodutivos. Esta semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar uma ação que pode permitir a laqueadura e a vasectomia para maiores de 18 anos. Atualmente, a lei exige que a pessoa tenha pelo menos 21 anos ou dois filhos vivos para realizar esses procedimentos.
Para esclarecer os principais pontos do debate, Rafaela Schiavo, psicóloga perinatal e fundadora do Instituto MaterOnline, responde às principais dúvidas sobre o tema.
Aos 18 anos, uma pessoa já tem maturidade suficiente para decidir pela laqueadura?
Alguns jovens conseguem ter clareza cedo sobre não querer filhos, mas não é possível generalizar. Estamos falando de um período em que prevalecem sentimentos de rebeldia e pensamentos mágicos, fantasiados, próprios da adolescência. Do ponto de vista psicológico, a maturidade cognitiva plena se dá aos 18 anos.
Porém, apesar de alguns aspectos já estarem formados entre 12 e 18 anos, o pensamento realmente maduro, adulto e crítico ocorre após essa idade. Se já é complicada a pressão para um jovem escolher uma profissão e ingressar numa faculdade aos 18 anos, imagine tomar uma decisão definitiva sobre não ter filhos.
Claro que existem exceções. Há pessoas que atingem uma maturidade mais cedo devido às circunstâncias da vida, às dificuldades que enfrentaram ou às lutas que precisaram travar ainda na adolescência. Muitos jovens já têm maturidade suficiente e clareza sobre essa escolha, e é fundamental que sejam respeitados. No entanto, considerando a maioria, estabelecer a idade de 18 anos para realizar uma laqueadura ou vasectomia parece precoce.
A redução da idade mínima para esterilização pode afetar os direitos reprodutivos?
Precisamos discutir esse tema com sensibilidade e respeito, pois é uma decisão que envolve sobre a vida do outro com base em nossa própria visão. Do ponto de vista da psicologia, 18 anos ainda não representa uma maturidade cognitiva suficiente para uma decisão irreversível como essa. Já sobre a percepção social, é necessário urgentemente de políticas efetivas de planejamento familiar e educação sexual nas escolas. As pessoas precisam ter liberdade real para decidir sobre filhos sem sofrerem julgamentos.
Se a mulher já tem filhos antes dos 21 anos, a laqueadura deveria ser permitida?
Sim. Se a pessoa já tem filhos antes dos 21 anos, o cenário muda. Muitas mulheres com 18 anos já têm dois filhos, por exemplo, e têm total clareza sobre não querer mais engravidar. Para esses casos, a possibilidade da laqueadura deveria ser permitida, mesmo antes dos 21 anos.
O Brasil tem um planejamento familiar eficiente?
No Brasil, mais da metade das gestações acontecem sem planejamento. A maioria das mulheres tem um, dois, três ou mais filhos sem planejar. Existe até a ideia de política nacional de planejamento familiar, que infelizmente não cumpre o papel de um planejamento efetivo. Muitas vezes, ela se resume à distribuição de preservativos, pílulas anticoncepcionais, laqueadura ou vasectomia. Falta diálogo verdadeiro sobre planejamento familiar.
A ausência de educação sexual contribui para gestações precoces?
A falta de educação sexual nas escolas para adolescentes ainda é um tabu para muitas famílias. Isso contribui para que muitas jovens engravidem antes dos 18 anos. Aproximadamente 20% das gestações no Brasil acontecem durante a adolescência, ou seja, antes de a pessoa completar a maioridade. Muitas vezes ocorre também a recorrência, adolescentes engravidam mais de uma vez antes dos 18 anos.
A renda e a escolaridade influenciam a gravidez não planejada?
Sim. Mulheres com menor escolaridade e baixa renda têm maior risco de enfrentar uma gravidez não planejada. A vulnerabilidade social impacta diretamente as chances de uma gestação indesejada.
A sociedade impõe a maternidade às mulheres?
Sim. Vivemos em uma sociedade que impõe a maternidade compulsória, como se todas as mulheres tivessem que ser mães para se sentirem plenas e felizes com a maternidade. Quase nunca existe o questionamento real se a mulher quer ou não ser mãe. Ainda hoje, mulheres com 30 anos que não querem ter filhos são criticadas por suas decisões. Imagine mais jovens, com menos de 25 anos. Essas enfrentam ainda mais resistência e descrédito por parte da sociedade, que insiste em dizer que são muito novas para tomar essa decisão.
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Laqueadura e vasectomia: as vantagens e desvantagens de cada método
Na busca por métodos contraceptivos eficazes, estão a laqueadura e a vasectomia – procedimentos considerados definitivos e que podem ser adotados por mulheres e homens, respectivamente. Em ambos os casos, há vantagens e desvantagens. Conforme explica a ginecologista Ana Gabriela Puel, membro da Associação Mulher, Ciência e Reprodução Humana do Brasil (AMCR), a laqueadura é permanente.
Esse método é conhecido como ligadura de trompas e consiste no corte das tubas uterinas, que são dois tubos de aproximadamente 10 centímetros que conduzem os óvulos do ovário ao útero. Suas extremidades são conectadas para impedir que os óvulos e espermatozóides se encontrem e ocorra a fecundação”, explica a médica.
Segundo ela, a laqueadura é de difícil reversão. “Existem cirurgias com a finalidade de reverter, porém nem sempre elas funcionam. Por isso, eu sempre tento desencorajar a paciente”, diz Dra. Ana Gabriela, lembrando que há outros métodos tão seguros quanto a laqueadura, que não comprometem o aparelho reprodutivo e que são reversíveis, logo, são mais vantajosos.
Ainda assim, para as mulheres que estão decididas a optar pelo método, ela esclarece que há dois procedimentos utilizados: a minilaparotomia, em que há um pequeno corte no abdômen do qual são aproximadas as tubas uterinas para corte; e a laparoscopia, em que um tubo é inserido no abdômen com uma pequena incisão, permitindo a observação e o corte pelo médico. Vale lembrar que a laqueadura só pode ser realizada depois dos 21 anos e/ou se a mulher tiver dois filhos vivos.
Já a vasectomia é um procedimento simples, que garante a interrupção do vaso deferente e, dessa forma, impede que o espermatozoide chegue até a uretra e seja eliminado na ejaculação. Ela também é considerada definitiva, e em alguns casos, pode ser revertida. É um procedimento rápido e não há necessidade de internação.
Assim como a laqueadura, eu não costumo recomendar esse método porque a reversão pode não ser possível”, afirma a especialista. Ela ressalta também que o procedimento só pode ser realizado depois dos 21 anos, ou se o homem já tiver dois filhos vivos.
Dra. Ana Gabriela alerta ainda que a maior taxa de sucesso é conseguida quando a reversão é feita antes dos primeiros 10 anos de cirurgia. “E uma última informação importante é que cirurgia de reversão é mais complicada que a própria vasectomia“, conclui ela.
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