SAÚDE PÚBLICATransplantes

Direito à saúde: imigrantes serão incluídos na fila de transplantes

Após uma espera de um ano e meio, a venezuelana Tajiris Cristina Maita Aray,  de 36 anos, passou por um transplante de córnea do olho direito, no dia 16 de novembro de 2023, em São Paulo, depois que foi acolhida por voluntários da Organização humanitária Fraternidade sem Fronteiras (FSF).

“Graças a Deus está dando tudo certo na recuperação da cirurgia e eu já consigo enxergar! Desde que eu era criança, com dez anos, quando caiu aquele corpo estranho no meu olho, que causou uma úlcera corneal, eu fiquei padecendo até meus 36 anos”, relata Tajiri”, que planeja se qualificar para trabalhar como cuidadora de idosos.

Mas o caso de Tajiri não é comum. A Defensoria Pública da União (DPU) identificou casos de imigrantes que não conseguem acesso ao sistema de transplante no Brasil por serem estrangeiros e decidiu acionar a Justiça Federal.

A partir de agora, não são apenas os brasileiros e brasileiras que têm direito a uma nova vida após receber um órgão transplantado. Qualquer imigrante residente no Brasil tem direito à inclusão de seu nome na fila de transplantes de órgãos, tecidos, células ou parte do corpo humano.

A ação civil pública foi julgada no último dia 20 de fevereiro, pela Justiça Federal do Ceará (CE) e abrange residentes permanentes e temporários e tem validade em todo o território nacional.

“A decisão é relevante na medida em que reafirma direitos fundamentais, conferindo tratamento igualitário às pessoas que se encontram em território nacional. A atuação da DPU ocorre a partir de sua missão constitucional enquanto promotora de direitos humanos”, avaliou o defensor público federal Edilson Santana Gonçalves Filho, que atuou no caso.

A Justiça Federal determinou ainda que a União poderá ter de pagar R$ 10 mil por semana em caso de descumprimento ou demora na inclusão dos migrantes na fila de transplantes. O valor da multa pode chegar a R$ 50 mil.

Igualdade perante a lei

O juiz que assina a decisão, Jorge Luís Girão Barreto, titular da 2ª Vara Federal do Ceará, ainda reconheceu “a inconstitucionalidade substancial da norma do artigo 38, do Anexo I, da Portaria de Consolidação nº 4 de 2017, do Ministro da Saúde, por vulneração às normas dos artigos 5º e 196 da Constituição Federal”.

Isso significa que, para a Justiça, essa portaria não obedece o que manda a Constituição brasileira, pois o Ministério da Saúde tinha estabelecido que apenas os imigrantes com residência permanente poderiam ter acesso ao transplante de órgãos. Entretanto, os imigrantes com residência temporária ou provisória no Brasil também têm esse direito, como a Defensoria Pública da União conseguiu provar.

O principal argumento da defensoria foi o artigo 5º da própria Constituição Federal, de acordo com o qual, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Entenda o caso

A DPU recebeu o pedido de assistência jurídica de uma venezuelana para realização de um transplante de fígado, que havia sido negado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), assim como outros três casos nos últimos dois anos.

A então defensora regional de direitos humanos do Ceará, Lídia Ribeiro Nóbrega, percebeu que não se tratava de um caso isolado e decidiu acionar a Justiça Federal, em caráter de urgência, por meio de uma ação coletiva no dia 31 de janeiro deste ano.

Para a defensora, “migrantes em situação de vulnerabilidade estão tendo o seu direito à saúde violado pela negativa do poder público de inseri-los na fila de espera para transplantes de órgãos, tecidos, células ou partes do corpo humano”.

“Deve prevalecer a ordem constitucional posta, que consagra o direito à saúde como dever do Estado, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-o aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, independentemente do caráter provisório ou permanente desta residência”, argumentou a defensora na ação civil pública.

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Venezuelana volta a enxergar depois de um transplante de córnea 

O primeiro acolhimento dado pela ONG Fraternidade sem Fronteiras à venezuelana Tajiris Cristina Maita Aray foi quando ela chegou ao Brasil pela fronteira com o Estado de Roraima, em 2018, no projeto ‘Brasil, um coração que acolhe’.

Depois disso, ela foi interiorizada na cidade de São Paulo, onde mora atualmente e trabalha como serviços gerais. A situação ocular da refugiada migrante foi diagnosticada durante uma ação de saúde oferecida por voluntários do Projeto Fraternidade na Rua, polo de São Paulo.

“Durante a consulta, foi identificado que ela não enxergava de um olho, ele era todo branco, porque ela tinha perdido a córnea quando tinha dez anos de idade por um corpo estranho que entrou no olho dela e provocou a cegueira”, explica uma das voluntárias do projeto.

A partir daí uma das médicas voluntárias decidiu investigar se o olho dela era  viável para um transplante. Foram realizados diversos exames médicos e o resultado era de que a Tajiri poderia receber um transplante de cornéa

“Sou muito grata pela Fraternidade sem Fronteiras na minha vida. Os voluntários não desistiram de mim e procuraram por consultas médicas, exames e até realizar o transplante”. diz a venezuelana que vivia no município de Pedro Maria Freitas, no Estado de Anzoategui, trabalhava com o pai no país de origem.

No Brasil, ela vive com os três filhos e uma sobrinha, na Vila Constança, na zona norte de São Paulo. Para 2024, depois que estiver totalmente liberada pelos médicos, irá fazer um curso de qualificação.  “Estou tão feliz e cheia de sonhos para realizar. Meu próximo passo é estudar para ser cuidadora de idosos. Será mais uma realização graças à FSF”, conclui.

Com Assessorias

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