Desde o surgimento da Covid-19, a ciência e a saúde pública têm se mantido em alerta para o risco de novos coronavírus que possam atingir humanos. Para Alexandre Cunha, infectologista do Hospital Sírio-Libanês, a crise sanitária deixou um legado profundo, cujos impactos ainda são sentidos.

Os cinco anos de pandemia foram extremamente desafiadores, especialmente para quem esteve na linha de frente. Perdemos muitas vidas, desde pacientes idosos até jovens saudáveis. A devastação foi muito maior do que poderíamos imaginar.”

Dentre os principais pontos relacionados à esta vivência dos últimos cinco anos, o especialista destaca: a covid ainda precisa de atenção.

Perdi mais pacientes nesses cinco anos do que nos 20 anos anteriores da minha carreira. Famílias inteiras foram devastadas, e o impacto psicológico de tantas perdas foi avassalador”, conta. Ainda de acordo com ele, a redução da testagem e da vigilância epidemiológica fez com que a COVID-19 perdesse visibilidade, mas não sua relevância.

Avanços científicos

Apesar dos desafios, Alexandre destaca os avanços significativos na medicina, especialmente no campo das terapias intensivas e da pesquisa sobre vacinas. “Tivemos ganhos importantes, como o aprimoramento de técnicas de ventilação mecânica, além de avanços em vacinas de RNA, que representam um grande potencial para o futuro da imunização. Esses ganhos, no entanto, não apagam as perdas sofridas”, reflete.

Desinformação

Outro impacto duradouro da pandemia foi a disseminação de fake news sobre saúde, que comprometeu campanhas de imunização e contribuiu para o retorno de doenças preveníveis, como sarampo e febre amarela. “Tivemos que lutar contra um exército de desinformação, principalmente em relação a tratamentos pseudocientíficos e, mais tarde, às vacinas. As consequências desse movimento ainda serão sentidas por muitos anos.”

Novo coronavírus pode causar nova pandemia?

Recentemente, pesquisadores chineses identificaram um novo coronavírus, denominado HKU5-CoV-2, em morcegos na região central da China. A descoberta traz à tona uma preocupação legítima: esse novo vírus pode desencadear uma nova pandemia? De acordo com a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML), o risco, por enquanto, é potencial, mas deve ser monitorado de perto.

Ele tem o mesmo local de ligação nas células humanas que o SARS-CoV-2, o vírus responsável pela pandemia de Covid-19. Isso significa que, em tese, ele pode entrar em nossas células da mesma maneira. Embora ainda esteja restrito aos morcegos, seu potencial pandêmico existe”, afirma o infectologista Celso Granato.

Um dos pontos mais preocupantes é que, mesmo para aqueles que já tiveram Covid-19 ou foram vacinados contra o SARS-CoV-2, não há garantias de imunidade contra o HKU5-CoV-2. “Esse é um outro coronavírus, não uma variante do SARS-CoV-2. As semelhanças se limitam à porta de entrada nas células, mas ele é suficientemente diferente para que não haja uma proteção cruzada eficaz”, explica Granato, acrescentando que essa informação reforça a necessidade de medidas preventivas para evitar sua disseminação, caso o vírus consiga transpor a barreira entre espécies e atingir humanos.

Controle dos mercados que comercializam animais vivos

A principal estratégia para evitar surtos de coronavírus originados em animais passa pelo controle dos mercados que comercializam animais vivos. “A Covid-19 provavelmente surgiu de um vírus que passou de morcegos para outro animal intermediário antes de chegar aos humanos. Esse ciclo pode se repetir se não houver fiscalização rigorosa, especialmente nos mercados chineses que mantêm diversas espécies em condições sanitárias precárias”, alerta o especialista da SBPC/ML.

O controle desses mercados foi reforçado após a pandemia de Covid-19, mas ainda há incertezas sobre a eficácia das medidas implementadas. Granato destaca que o HKU5-CoV-2 também pode se adaptar a diferentes espécies, o que aumentaria suas chances de atingir os seres humanos por meio de um hospedeiro intermediário.

Caso o HKU5-CoV-2 se torne uma ameaça real à saúde humana, a experiência adquirida na pandemia de Covid-19 permitirá uma resposta mais ágil. “Com a sequência genética do vírus publicada, rapidamente podemos desenvolver testes moleculares, como o PCR, para identificá-lo. Além disso, testes rápidos imunocromatográficos poderiam ser desenvolvidos para permitir um diagnóstico mais acessível”, explica Granato.

Medicamentos contra a Covid-19

Quanto ao tratamento, ele pondera que medicamentos usados contra a Covid-19, como o Remdesivir, podem apresentar algum grau de eficácia contra esse novo coronavírus, mas estudos laboratoriais serão necessários para confirmar sua utilidade. “Precisaremos testar a eficácia desses antivirais antes de recomendá-los, e caso não sejam eficazes, novos tratamentos deverão ser desenvolvidos”, ressalta.

A resposta a qualquer nova ameaça viral deve se apoiar nos aprendizados adquiridos durante a pandemia de Covid-19. Medidas como uso de máscaras, higiene das mãos e distanciamento social continuam sendo eficazes para reduzir a transmissão de vírus respiratórios. No entanto, a maior arma contra uma eventual nova epidemia será a vacina.

“Diferente do que aconteceu em 2020, hoje temos um conhecimento mais consolidado sobre vacinas de RNA mensageiro, por exemplo. Se necessário, podemos desenvolver uma vacina específica para o HKU5-CoV-2 com muito mais rapidez”, destaca Granato. O desafio, segundo ele, será produzir e distribuir essas vacinas em tempo hábil para evitar uma crise sanitária global.

Embora o HKU5-CoV-2 ainda não tenha infectado humanos, seu potencial não pode ser ignorado. A vigilância epidemiológica e o fortalecimento de medidas preventivas são essenciais para evitar que o mundo reviva os desafios enfrentados com a Covid-19.

O que aprendemos nos últimos anos deve ser utilizado como ferramenta para garantir uma resposta rápida e eficaz caso esse novo coronavírus comece a se espalhar entre humanos. A ciência segue monitorando, e a sociedade deve permanecer atenta. O conhecimento é a melhor defesa contra pandemias futuras, finaliza Granato.

Com Assessorias

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