Tempos de crise e emergência sanitária levam a um aumento do estresse e da ansiedade entre a população, que pode incitar um desejo de ceder às alternativas imediatas de fuga, especialmente para aqueles que sofrem de dependência química. A pedagoga aposentada N.F., de 56 anos, que prefere ter a identidade preservada, conta um pouco da experiência que viveu com o irmão, que é dependente alcoólico, em tempos de pandemia.

Na terceira semana de distanciamento social, descobrimos que meu irmão estava ingerindo álcool em gel. Acredito que a liberdade dificultada para sanar sua necessidade do álcool deve ter causado maior ansiedade, levando-o a ‘criar’ alternativas até mais nocivas para sua dependência”, afirma.

Os efeitos, além de ilusórios e efêmeros, podem ser devastadores para a saúde, a convivência social e diversas outras áreas. Com isso, uma dúvida entre famílias que possuem um ente querido que abusa do álcool ou outras drogas é: “É possível a ida para clínicas de reabilitação ou comunidades terapêuticas durante este período?”

De acordo com o o psicólogo David Osmo, especialista em dependência química, este é um transtorno mental crônico e progressivo, que não escolhe e, certamente, não espera pelo “momento certo” para o dependente decidir aceitar ajuda.

A melhor hora para parar é sempre a que a pessoa adoecida finalmente decide que é a hora”, afirma Osmo, que atua como gestor do Grupo Progeres de Saúde Mental, responsável por administrar a Pater Aldeia, uma das clínicas de reabilitação mais antigas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

‘Sinto muito mais medo da dependência do que do coronavírus’

Sendo a Covid-19 um vírus desconhecido e facilmente disseminado, que vem causando muitas mortes e problemas sérios em várias áreas, não há como menosprezá-lo. Porém, para quem é dependente químico ou quem é familiar de alguém que é portador do transtorno, a dificuldade de lutar contra ele mesmo é imensa, pois não há cura e a chance de melhora é responsabilidade quase que exclusivamente do adoecido.

Para David Osmo, “não importa o quão letal e contagioso o coronavírus é: a dependência química é um transtorno mental contagiante e fatal, que afeta as famílias e a sociedade, e a oportunidade de tratamento não deve nunca ser desperdiçada”.

Sinto muito mais medo da dependência”, diz N.F que, junto de seus pais, idosos de 82 e 83 anos, decidiram internar o irmão, que aceitou e reconheceu a necessidade. “Estamos muito mais tranquilos. A internação proporciona uma esperança a mais por sabermos que estará distante de locais de compra e afastado de gatilhos”, ressalta.

Clínicas e comunidades terapêuticas estão preparadas para receber pacientes

Segundo Osmo, a Pater Aldeia “está empenhada em ajudar as pessoas a superar a dependência” e durante este período, foram adotadas medidas na triagem para proteger a equipe e os pacientes existentes e futuros, somadas às atividades educativas em relação ao vírus.

Tem ocorrido a aferição da temperatura, são realizadas algumas perguntas e desenvolvemos testagens em parceria com um laboratório. Possuímos espaços de isolamento pré-admissão, disponíveis também para sintomáticos e suspeitos. As atividades psicoeducativas ocorrem com grande intensidade e já era uma normativa o treino de habilidades para resgate do autocuidado, assim como o ensino de ferramentas de autopreservação. Neste momento, também estamos instruindo o uso e manejo das máscaras e a prática de uma boa higiene das mãos”, explica.

Equipe de atendimento na Clínica Pater Aldeia preparada para receber pacientes na pandemia (Foto: Heidi Dias)

Responsável por um renomado serviço especializado em remoções e encaminhamentos para clínicas voltadas a dependentes químicos, Alex Evangelista afirma que a preocupação provocada pelo coronavírus não supera a dor causada pelo uso nocivo de álcool ou outras drogas: “As famílias sabem que as clínicas e as comunidades estão recebendo pacientes, seguindo protocolos de saúde e segurança, preocupadas em proteger seus funcionários e os pacientes da disseminação da Covid-19”, destaca.

O coordenador de cuidado e prevenção às drogas do município do Rio de Janeiro, Douglas Manassés, percebe um aumento dos acolhimentos nas comunidades terapêuticas da capital. Segundo ele, as entidades conveniadas estão recebendo recursos financeiros por meio do convênio da prefeitura e da Senapred (Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas) para a execução das funções de acolhimento aos dependentes de substâncias. “As comunidades terapêuticas receberam também uma cartilha informativa quanto aos procedimentos a serem adotados no contexto da pandemia.”

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