A recente morte da cantora Nana Caymmi, de 84 anos, traz à tona um debate sobre o controle da dor crônica, principalmente entre pacientes em estado terminal ou sob cuidados paliativos. Inicialmente, foi divulgado que a artista passou por uma ‘overdose de opioides’ no dia do seu aniversário, em 28 de abril, três dias antes do seu falecimento na Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro.
A informação teria sido passada pelo irmão da cantora ao jornal ‘O Globo’. No entanto, após a repercussão, Danilo Caymmi veio a público desmentir a informação. Ele contou que a irmã enfrentava uma osteomielite, infecção óssea que causa fortes dores.
O problema seria decorrente das escaras que a cantora acabou desenvolvendo durante a hospitalização, em função do longo período acamada, o que causava fortes dores, obrigando a dosagens elevadas de analgésicos.
De acordo com um estudo publicado no Brazilian Journal of Pain em 2021, aproximadamente 45,59% dos brasileiros sofrem de dor crônica, com maior incidência entre mulheres. O problema é uma das principais causas de incapacidade no país e no mundo, afetando milhões de pessoas e comprometendo tanto a mobilidade quanto a saúde mental e emocional.
A região Centro-Oeste apresentou a maior prevalência, com 56,25%, enquanto a região Sudeste teve 42,2%. Em comparação, a prevalência de dor crônica na população mundial é estimada em aproximadamente 20,5%.
Pesquisas mais recentes, divulgadas em dezembro de 2023 pelo Ministério da Saúde, revelam que 36,9% dos brasileiros acima de 50 anos convivem com dores crônicas, e cerca de 30% recorrem ao uso de opióides para alívio, levantando preocupações quanto aos riscos do uso prolongado desses medicamentos.
Apesar da alta prevalência da dor crônica, muitos pacientes demoram para buscar tratamento adequado. A automedicação ou a utilização de métodos caseiros são práticas comuns no país, com 89% dos brasileiros consumindo medicamentos por conta própria, segundo o Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ). Essa abordagem pode mascarar sintomas, retardar diagnósticos e levar ao uso inadequado de substâncias, aumentando o risco de dependência e efeitos colaterais graves.
110 mil overdoses fatais em 2022 nos EUA
Os opióides – conhecidos no Brasil por substâncias como codeína, tramadol, hidrocodona e hidromorfona – são compostos químicos psicoativos, capazes de produzir efeitos farmacológicos semelhantes aos do ópio ou das substâncias nele contidas.
Mesmo com medicamentos como paracetamol e ibuprofeno sendo preferidos em muitas partes do mundo, a prescrição de opióides é recorrente nos Estados Unidos. O pais enfrenta uma enorme crise relacionada ao abuso de opioides, com o número de overdoses atingindo níveis alarmantes.
Dados levantados pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos apontam que quase 110 mil overdoses fatais foram confirmadas em 2022. Entre essas mortes, aproximadamente 80 mil envolveram os opióides.
Ao longo da história farmacêutica dos Estados Unidos, a analgesia foi frequentemente associada ao uso de opióides. A falta de dipirona, amplamente utilizada em outros países, fez com que a prescrição de opióides se tornasse comum nos EUA, contribuindo para essa dependência”, revela Thiago de Melo, farmacêutico e pesquisador na área de Ciências Farmacêuticas.
Crise dos opióides nos EUA pode chegar ao Brasil?
Medicamentos brasileiros fazem com que a necessidade dessa substância seja reduzida no país
Essa situação, agravada pela pandemia de Covid-19, levanta preocupações sobre a possibilidade de um fenômeno semelhante ocorrer no Brasil. Durante a pandemia de Covid-19, o país contou com um aumento alarmante nos casos de overdoses relacionadas a opióides.
As medidas de isolamento social, a ansiedade generalizada e as dificuldades econômicas criaram um ambiente propício para o aumento do consumo de substâncias psicoativas. Até hoje, em 2024, os números de overdoses não retornaram aos padrões anteriores”, lamenta o professor de pós-graduação nos cursos de Ciências Farmacêuticas e Farmacologia e no curso de graduação de Medicina pela Universidade Vila Velha (UVV).
Além disso, o farmacêutico acredita que o tráfico de heroína e outros produtos sintéticos contribui significativamente para a crise dos opióides nos EUA. “A acessibilidade dessas substâncias no mercado ilegal amplifica os problemas de dependência, levando a consequências devastadoras para a saúde pública”, relata.
Prescrição de opioides é mais restrita e controlada no Brasil, diz especialista
Thiago acredita que, apesar das preocupações levantadas pela crise dos opioides nos Estados Unidos, o contexto brasileiro apresenta diferenças significativas que podem impedir a replicação desse problema. No Brasil, a prescrição de opioides é mais restrita e controlada, o que dificulta a replicação do cenário americano.
A restrição, a presença da dipirona e a conscientização dos profissionais de saúde são fatores que contribuem para a prevenção do crescimento descontrolado do abuso de opióides no Brasil.
“Os profissionais de saúde brasileiros tendem a ser mais comedidos na prescrição dessas substâncias, evitando a liberalidade que contribuiu para a crise nos Estados Unidos”, pontua. No entanto, é preciso manter a vigilância e adotar medidas preventivas para garantir que o país não siga o caminho observado no território americano.
Com informações de Assessorias