Apesar de muito experiente e proativa, R. sofreu abusos psicológicos por parte de dois chefes desde que foi admitida para trabalhar num determinado setor de uma conhecida casa legislativa no Rio de Janeiro. Foram quase dois anos de assédio moral velado, quase diariamente, colocando em xeque não apenas sua competência profissional, mas também a sua sanidade mental. “Nada que eu fazia estava bom. Meu trabalho era sistematicamente desqualificado. Adoeci física e mentalmente convivendo com essas lideranças tóxicas”, conta R.

Ao ponto de, em um dos episódios abusivos, R. entrar em crise do pânico durante uma viagem de trabalho, acompanhada de outros profissionais da equipe, que faziam o papel de aliados dos então “chefes”. Esta prática é chamada de “assédio horizontal“, quando os abusos são praticados por pessoas do mesmo nível hierárquico ou semelhante, muitas vezes estimuladas por aqueles  assediadores que exercem função superior e acabam contaminando outros membros da equipe, causando ainda mais sofrimento ao profissional que é assediado. 

R. acabou sendo exonerada quando houve mudanças na diretoria a qual era vinculada. Um dos chefes assediadores conseguiu convencer o novo diretor da área de que ela “ganhava demais e trabalhava de menos”, escondendo que, na prática, ele costumava anular e diminuir o seu trabalho e a sua capacidade e experiência para desenvolver múltiplas tarefas, inclusive as que poderiam ser compartilhadas com a própria chefia.

O drama enfrentado por R. não foi isolado. Diariamente servidores públicos estaduais sofrem com assédio moral no trabalho. Diante da gravidade do problema, a Comissão de Servidores Públicos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) realizou nesta segunda-feira (05/05) audiência pública para discutir políticas de combate ao assédio moral nas relações de trabalho no serviço público estadual.

O encontro, realizado na sede do Parlamento, marcou uma nova etapa de mobilização em torno do Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral, celebrado no último 2 de maio, e reuniu especialistas para debater o tema e propor caminhos para enfrentá-lo, tais como a criação dentro do colegiado de um Grupo de Trabalho (GT) para avaliar e atualizar as legislações que existem em prol do servidor.

À frente da Comissão, o deputado Flávio Serafini (PSOL) ressaltou a importância de discutir o adoecimento mental e o assédio moral no serviço público, temas que, segundo ele, vêm se agravando diante da precarização das relações de trabalho e da polarização social.

Estamos vivendo um processo de adoecimento coletivo relacionado à saúde mental e aos ambientes de trabalho. Em 2024, foram mais de 460 mil afastamentos por saúde mental no Brasil e mais de 32 mil apenas no Estado do Rio de Janeiro”, pontuou.

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A pesquisadora Mônica Olivar, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), chamou atenção para a subnotificação de casos de assédio moral e para o impacto do machismo estrutural sobre as mulheres no ambiente de trabalho.

Segundo ela, há resistência até mesmo por parte das instituições em reconhecer o problema, o que dificulta a produção de dados. Assumir que trabalhadores sofrem assédio é admitir que a instituição está adoecendo seus próprios servidores”, afirmou.

Mônica apresentou ainda uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, publicada em 2020, que aponta que 76% das mulheres já sofreram algum tipo de violência ou assédio moral no trabalho. Ainda de acordo com o levantamento, em apenas 28% dos casos houve alguma consequência para o agressor.

Para Bruno Ribeiro, professor de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), existe conivência e, em alguns casos, o incentivo de organizações com práticas de assédio moral como forma de controle e cobrança de metas. Ele destacou que essas práticas não surgem isoladamente, mas florescem em um “terreno fértil” criado por modelos de gestão que impõem sobrecarga e sucateamento ao serviço público.

Naturalizamos fazer mais com menos. Quadros enxutos, metas inalcançáveis e cobrança excessiva criam um ambiente propício para o assédio”, afirmou.

Ribeiro defendeu ainda que a responsabilidade não deve recair apenas sobre o assediador individual, mas também sobre a estrutura organizacional que permite e sustenta essas práticas. “A organização do trabalho precisa ser chamada a responder, treinamentos superficiais não resolvem. É preciso uma mudança estrutural”, disse.

Enfrentamento ao assédio

O superintendente de integridade pública da Controladoria Geral do Estado (CGE-RJ), Jaime Almeida, defendeu a urgência de debater o assédio moral de forma estruturada, começando pelo compromisso da alta gestão das instituições. “Se a figura mais importante daquele órgão não abraçar essa temática, nada acontece”, afirmou. Almeida criticou ainda a ausência de dados sistematizados no setor público, o que dificulta o enfrentamento do problema.

Ainda temos uma enorme fragilidade estatística na administração pública. Sem números, não há política pública eficaz”, observou.

Ele citou como exemplo uma pesquisa feita por uma grande consultoria no setor privado, que revelou que 30% dos trabalhadores entrevistados afirmaram ter sofrido assédio moral nos 12 meses anteriores. “Esses dados mostram que o problema é grave e generalizado, e precisa ser enfrentado com seriedade, tanto no setor privado quanto no público”, completou.

A vice-coordenadora da Associação dos Servidores do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (AssempRJ), Juliana Vargas, destacou a importância do funcionalismo público e cobrou do Estado uma atuação mais efetiva na proteção à saúde dos trabalhadores.

O maior patrimônio do governo do estado são seus servidores. É graças a eles que a máquina pública gira e os serviços são entregues à população. Preservar a saúde desses trabalhadores é papel do Estado”, afirmou.

Com informações da Alerj

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