Uma vez por semana, o juiz e piloto Marlos Augusto Melek, de 49 anos, volta para o hospital onde lutou pela vida no início da pandemia da covid-19. Mas agora, seu papel é diferente: acolher pacientes e familiares que convivem com as incertezas de um internamento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Marlos – que contraiu o vírus em 2021 – hoje é voluntário no Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), e é um exemplo de como a empatia em momentos difíceis pode trazer um novo sentido à jornada da vida.
Meu estado era crítico. No sétimo dia após o contágio, o vírus começou a afetar meus pulmões. Eu amanheci com uma saturação de oxigênio de apenas 84%, muito abaixo dos 95% considerados parâmetros mínimos. A febre estava alta e minha pressão em 17 por 11″, relembra.
Ao buscar atendimento por conta das complicações da doença, o piloto foi rapidamente levado para o Pronto Atendimento específico para covid do Hospital São Marcelino Champagnat, onde recebeu o diagnóstico de que 50% de seu pulmão estava comprometido pelo vírus.
Durante 15 dias de internamento, Marlos apostou em sua fé para lutar pela vida. “Chegou um momento na internação em que eu já não sabia se era noite ou dia. Ouvia as conversas das enfermeiras ao redor, mas não conseguia reagir. Eu só conseguia respirar de barriga para baixo, e realmente, já não aguentava mais. Naquele momento, eu perguntei a Deus se eu iria sobreviver, e recebi uma paz sobrenatural. Isso me deu forças para continuar”, relata.
Em meio à incerteza e ao medo causados pela doença até então pouco conhecida, a dedicação dos profissionais que exercem a profissão com amor foi essencial para a recuperação de Marlos.
Eu agradeço imensamente à equipe do hospital. Eles eram pagos para realizar um trabalho, mas o que fizeram foi muito além disso. Receber mensagens de encorajamento escritas à mão na tampa do meu almoço, com desenhos de coração, nuvens e sol, dizendo que tudo ia ficar bem, fez toda a diferença. Isso demonstra a verdadeira vocação e humanidade desses profissionais”, conta o hoje voluntário.
Uma nova possibilidade
Após receber alta, Marlos voltou ao hospital e levou chocolates para a equipe envolvida em seu tratamento. Foi então que pensou em se tornar um voluntário, se houvesse a oportunidade, para retribuir o cuidado e dedicação que ajudaram a salvar sua vida.
Quando tive alta, pensei em como poderia ajudar. Fui inspirado a me voluntariar no Hospital Universitário Cajuru, mas acabei sendo alocado na UTI do Hospital São Marcelino Champagnat, exatamente no local onde fui tratado. Hoje, a cada segunda-feira à noite, retorno ao hospital para retribuir o que foi feito por mim”, diz Marlos.
“Ser voluntário é um ato de gratidão, um ato para celebrar a vida. É uma emoção muito grande voltar toda semana e poder ver a janela, ver a cidade pelo lugar onde passei os 15 dias mais difíceis da minha vida”, se emociona.
Voluntariado nas UTIs
Histórias de pacientes que se tornam voluntários, como a de Marlos, estão presentes diariamente nos corredores de hospitais e enfatizam a importância de uma equipe multiprofissional composta por profissionais da saúde e voluntários que trabalham em conjunto pela saúde dos pacientes.
Nesse cenário, o programa de voluntariado dos hospitais São Marcelino Champagnat e Universitário Cajuru, ambos da frente de Saúde do Grupo Marista, que há anos auxilia no cuidado de pacientes pelos corredores e quartos, passou a contar também com atividade voluntária no acolhimento familiar nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
“Nossas principais funções na UTI são acolher e orientar a família dos pacientes, instruí-las sobre comportamentos adequados no ambiente, como a higienização, sobretudo das mãos, além de encaminhá-los até o box onde está o paciente e mantê-los o mais calmos e informados possível”, explica a coordenadora de voluntariado e pastoral dos Hospitais Universitário Cajuru e São Marcelino Champagnat, Nilza Brenny.
Essa integração com a equipe médica facilita a estadia dessas pessoas em um ambiente que costuma ser pesado. “Nosso maior objetivo é pensar no bem-estar dos pacientes e de seus familiares, fazendo o bem por meio do acolhimento, da presença e da escuta. Às vezes, tudo que o familiar precisa é de um direcionamento, e nós podemos fazer isso para ajudar. São ações simples que fazem com que as UTIs sejam mais humanizadas e acolhedoras”, enfatiza Nilza.
A presença de voluntários nas UTIs também é essencial para o suporte dos profissionais da saúde. Embora os voluntários não ofereçam suporte emocional ou psicológico direto, eles são fundamentais no encaminhamento de familiares que precisam de apoio para a equipe de psicologia. “A partir do momento que os incluímos nesse tipo de atividade, as equipes de enfermagem e psicologia podem atuar de maneira otimizada em funções clínicas”, finaliza.
A importância do voluntariado em hospitais
Neste Dia Nacional do Voluntariado, celebrado 28 de agosto, hospitais reforçam a importância do voluntariado e convidam aqueles que desejam fazer a diferença a se inscreverem no seus programas de voluntariado.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que, mensalmente, cerca de 862 milhões de pessoas em todo o mundo se dedicam ao voluntariado, e no Brasil, o número de voluntários ativos chega a 57 milhões, representando 34% da população adulta, segundo levantamento de 2021 do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS) e Datafolha.
O trabalho voluntário desempenha um papel crucial na sociedade, oferecendo apoio emocional, físico e social àqueles que mais necessitam. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aproximadamente 4% da população acima de 14 anos desempenha atividades de maneira voluntária.
Em todo o Brasil, milhares de pessoas contribuem com esse movimento e se voluntariam todos os anos para atuar em diferentes frentes, sobretudo em hospitais, clínicas, instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) e outras voltadas a crianças, adolescentes e pessoas idosas.
Em hospitais, esse tipo de atividade tem o poder de, por meio do cuidado humanizado, proporcionar conforto e esperança aos pacientes e famílias, que muitas vezes enfrentam o momento mais delicado de suas vidas no ambiente hospitalar. Em muitos casos, esse cuidado acaba sendo convertido em uma rede de solidariedade, transformando aqueles que vivenciam os benefícios da atividade.
Um sorriso, um instante de paz ou uma lembrança especial podem transformar a jornada de recuperação de pacientes no ambiente hospitalar. O acolhimento humanizado e o olhar individualizado são essenciais nesse processo, construídos através de relacionamentos interpessoais de qualidade.
Palhaços levam alegria a pacientes
Com base nesse entendimento, o Hospital Evangélico de Sorocaba (HES) mantém desde 2016 parceria com a ONG SuperPalhaços, que tem impactado positivamente a vida de pacientes e acompanhantes atendidos pela instituição. Voluntários caracterizados como palhaços percorrem os quartos da instituição para proporcionar risadas e brincadeiras ou simplesmente para ouvir os pacientes que querem conversar e desabafar.
Marcos Antonio Pregnolatto, que nas visitas da ONG SuperPalhaços se transforma em Doutor Abobrinha, explica que os voluntários recebem treinamento constante para aprender a lidar da forma adequada com as situações vivenciadas em ambiente hospitalar, sem atrapalhar os trabalhos das equipes de saúde, e até mesmo para entender se o paciente está apto a receber a visita.
Temos que respeitá-lo e entender sua condição para nos receber ou não. No Hospital Evangélico, temos ainda o apoio de um profissional que vê, com antecedência, quais quartos podem e querem receber visita”, diz.
A voluntária Andreza Fernanda da Fonseca, também conhecida como Doutora Pimba, explica como se sente durante esse trabalho. “Isso me ajuda a crescer como ser humano”, revela.
A coordenadora da Equipe Multidisciplinar do HES, Milena Silvano Luques, fala da importância do trabalho voluntário no hospital. “O momento no hospital é tenso para o paciente e projetos como esses trazem leveza e melhora na recuperação. Então, gente traz a leveza para o paciente, uma quebra do paradigma de que o hospital deve ser frio, sério e que não pode ter barulho ou momentos de descontração. De certa forma, isso é verdade. Mas, com regras e um trabalho feito com pessoas que estão realmente comprometidas, a gente consegue ver um efeito muito benéfico para o paciente e para a família”, enfatiza Milena.
Hospital Alemão Oswaldo Cruz está com inscrições abertas para voluntários
Implementado em 2020, o programa de voluntariado do Hospital Alemão Oswaldo Cruz foi criado para acolher todos que desejam doar parte de seu tempo, oferecendo atendimento humanizado aos pacientes, familiares e visitantes. O objetivo é proporcionar momentos de socialização, integração e descontração, seja para pacientes internados, em procedimentos, consultas ou exames ambulatoriais.
Os voluntários atuam em diversas áreas, como oncologia, recepção e unidades de internação, desenvolvendo atividades lúdicas e recreativas, como leitura, jogos de palavras cruzadas, damas, xadrez, dominó e baralho. Além disso, eles também desempenham papel essencial no acolhimento e orientação de familiares e visitantes que circulam pela Instituição.
Atualmente, 60 voluntários fazem parte do programa, doando seu tempo e energia para melhorar a experiência daqueles que mais precisam. O programa está com inscrições abertas para novos voluntários. Para se candidatar, é necessário ter mais de 18 anos e disponibilidade de pelo menos seis horas semanais. A inscrição pode ser feita pelo site do hospital (Link), e os candidatos passarão por entrevista individual e treinamento obrigatório de oito horas, distribuído em dois dias.
Durante essa capacitação, os candidatos serão introduzidos ao voluntariado, conhecendo as normas, rotinas, protocolos e a história da Instituição, além de ouvirem relatos de experiência de outros voluntários.
Segundo a analista do Voluntariado do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Sandra Medeiros, “o projeto segue os conceitos do modelo assistencial do Hospital, que preconiza um atendimento individualizado, integral e humanizado, colocando o paciente e seus familiares no centro do cuidado”.
Com Assessorias