No celular, os avós ligam para matar a saudade. No computador, a escola envia as videoaulas com o material da semana. Na televisão, são transmitidos desenhos animados ou filmes infantis. E no tablet, vez ou outra rola uma contação de histórias ou um vídeo no youtube. Essa tem sido a rotina de muitas crianças durante a quarentena: escola, casa e família, tudo conectado por uma telinha. Mas e depois do COVID-19? Como reajustar o tempo de tela dos pequenos?
Uma pesquisa da Organização Mundial de Saúde, publicada no ano passado, aponta que esse contato prematuro das crianças com as telas pode afetar a qualidade do sono e até incentivar o sedentarismo. No estudo, a OMS não recomenda nenhum tipo de interação tecnológica para bebês de 0 até 2 anos. Já para crianças maiores (até 5 anos), a orientação é de, no máximo, 1 hora por dia em frente à tela. Recomendações que são corroboradas por muitos profissionais de saúde, como psicólogos e pediatras, e que são seguidas à risca por muitas famílias. Contudo, a quarentena trouxe uma nova realidade para os lares brasileiros, e a necessidade que os pais sejam mais flexíveis com relação ao uso das telas. Mas será que esse é um caminho sem volta?
Esse é o medo da carioca Paula Amorim, produtora de eventos e mãe da Pietra (5) e da Maria Eduarda (8). Na sua casa a televisão foi liberada por tempo indeterminado, mas ela teme os efeitos desse excesso de tela na vida das suas filhas. “Antes da quarentena eu tentava controlar melhor a televisão na rotina das meninas, porque tínhamos outras atividades disponíveis, como parquinho, praia, teatro e cinema. Mas com o isolamento social e a restrição de espaço físico, tive que ser mais flexível e liberar a televisão e o tablet. Era o que tinha que ser feito nesse momento tão estressante, mas tenho um pouco de medo de como será após a quarentena”, explica.
Para a psicóloga Grace Falcão, especializada em parentalidade e psicoterapia infanto-juvenil, as telas devem ser retiradas gradativamente da rotina dos pequenos após a pandemia. “O uso excessivo da tecnologia está levando muitas crianças a um transtorno mental chamado de nomofobia: vício de telas. E assim como qualquer outro vício, ele deve ser descontinuado de forma gradativa. Se os pais retirarem todas as telas da rotina da criança da noite para o dia, elas podem apresentar sinais de irritabilidade, alteração de humor, crise de choro e de ansiedade. O melhor a ser feito no pós-pandemia é diminuir lentamente o uso de telas“, explicar que existem outras formas de interação e lazer, como brincar ao ar livre. Redirecionar os filhos para diversas atividades que estão disponíveis agora, além de reutilizar melhor aquele tempo online, que pode ser com atividades educativas, explica a especialista.
Grace Falcão ainda alerta sobre quadros de depressão e ansiedade, resultados de uma quarentena, o que piora ainda mais em função das telas. “Já foi comprovado cientificamente que o que causa mais bem-estar nas pessoas são os relacionamentos positivos, e isso inclui uma infância saudável. Relacionamentos familiares que desenvolvem o senso de empatia, de responsabilidade pelo outro, de acolhimento e de pertencimento. Quando as crianças usam excessivamente as telas, elas se sentem sozinhas, sem atenção e sem companhia. Elas continuam na tela, porque é uma atividade que lhes dá prazer, mas o sentimento é de abandono familiar. E isso pode levar a uma grande ansiedade e futuramente até a uma depressão”, conta.
A quarentena vai mudar a forma como muitas famílias se relacionam e vivem. Essa nova “reflexão de vida” vai trazer à tona a valorização de coisas simples, como brincar no parque, ir à praia ou caminhar no bairro. E para Grace Falcão esse deve ser o foco dos pais no pós-quarentena.
“Depois de tanto tempo presos dentro de casa, temos que mostrar para as crianças que o bom da vida mesmo é brincar na grama verde do parquinho, sentir o vento no rosto na praia e estar com quem a gente ama. Incentivar brincadeiras lúdicas e a comunhão, para que elas não se prendam e não sintam tanta a falta das telas.
E caso isso aconteça, incentivar o bom uso das informações contidas na rede e controlar o tempo gasto para evitar transtornos na saúde mental. Portanto, apresente ao seu filho alternativas na rede como um bom canal que ensine habilidades de vida, valores morais, além de atividades lúdicas que estimulem a criatividade e explorar o imaginário da criança como assistir uma contação de histórias, ou a realizar um trabalho da escola. Chegou a hora de sabermos usar a tecnologia ao nosso favor”, esclarece.
Para a quarentena, Grace Falcão adaptou as suas terapias para uma plataforma online, onde consegue oferecer atendimento por vídeo para adultos, jovens e até crianças. As consultas podem ser agendadas pelo site (www.gracefalcao.com). A psicóloga também é a fundadora da iniciativa Família Consciente (www.familiaconsciente.com.br) – projeto que oferece palestras e cursos sobre disciplina e educação emocional para famílias. O movimento segue com o seu calendário de palestras semanais sobre convívio familiar, com foco na quarentena, através das redes sociais @gracefalcao e (@familia_consciente).