Conhecido como Setembro Dourado, este é o mês de combate ao câncer infantojuvenil e acende um alerta para o o retinoblastoma, câncer ocular considerado raro, mas que representa o mais tipo mais comum entre crianças abaixo de cinco anos de idade. O Ministério da Saúde estima que ele represente cerca de 4% dos cânceres infantis, tendo maior incidência em crianças de zero a quatro anos de idade, mas também aparecer até mesmo no final da gestação ou em lactentes.

A incidência do retinoblastoma é de 1 em cada 17 mil nascidos vivos, com cerca de 8 mil novos casos diagnosticados a cada ano, em todo o mundo. A cada 15 mil nascimentos, um caso de retinoblastoma é registrado, com 30% de mortalidade entre os afetados, número que coloca o Brasil na média dos países em desenvolvimento, chegando a 400 casos por ano.

Esse tumor infantil ficou mais conhecido quando os jornalistas Tiago Laifert e Daiana Garbin descobriram em 2022 que sua filha, Lua, aos 8 meses, tinha a doença e iniciaram uma grande campanha de informação, a ‘De Olhos nos Olhinhos’, justamente para aumentar o conhecimento da doença e incentivar que os pais façam consultas com um oftalmologista infantil, nos primeiros anos de vida da criança.

Nos últimos três anos, a campanha ocorre no mês de setembro, em referência ao Dia Nacional de Conscientização e Incentivo ao Diagnóstico Precoce do Retinoblastoma, instituído no dia 18 de setembro. Apesar do enorme alcance da campanha De Olho nos Olhinhos, casos avançados seguem aparecendo nos centros de referência. No Hospital do GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), referência no tratamento da doença e onde Lua é tratada, cerca de 12 a 15% dos novos casos de retinoblastoma são extraoculares, ou seja, escaparam de dentro do olho.

Quando diagnosticado precocemente, e tratado em centros de referência, a chance de cura é de 90%, mas a grande preocupação é quando demoramos muito para detectar e esse tumor sai do olho, surgindo as metástases, que colocam em risco a vida desta criança. Quanto mais cedo identificar a doença, maior é a chance de cura”, alerta Carla Macedo, oncologista pediátrica do GRAACC.

Por isso, é essencial manter-se atento aos olhos dos pequenos e buscar o diagnóstico precoce. Para contribuir com as ações de conscientização em torno da doença, o Portal Vida e Ação ouviu vários especialistas a respeito. Confira:

Reflexo branco nos olhos em fotos com flash é sinal de alerta

O sintoma mais comum do retinoblastoma é a leucocoria, ou “olho de gato”, em que a pupila pode apresentar uma área branca e opaca no contato com o reflexo da luz. A Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope) reforça que o principal sinal da doença – o reflexo esbranquiçado/amarelado na pupila que aparece quando a luz incide sobre o olho – pode ser observado em fotos tiradas com flash em um ou em ambos os olhos.

Observem as pupilas. Aquele reflexo branco é um sinal de alerta e não pode ser desvalorizado. A qualquer sinal de que algo não está bem, leve ao oftalmologista e procure centros de referência, porque essa criança pode ter a vida salva e conseguir preservar tanto o olho quanto a visão”,  explica o oncologista pediátrico Neviçolino Pereira de Carvalho, presidente da Sobope.

Um dos primeiros sinais pode ser percebido em fotos, onde o olho afetado aparece opaco e sem o reflexo vermelho, comum em olhos saudáveis. A oftalmopediatra Marcela Barreira, especialista em estrabismo e chefe do Serviço de Neuroftalmologia do Banco de Olhos de Sorocaba (BOS), afirma que a leucocoria ocorre em 60% dos casos, sendo o primeiro sinal visível do tumor.

Esse reflexo pode ficar mais evidente em fotografias, mas também pode ser visto em outras situações. De qualquer maneira, é um importante sinal de alerta para levar a criança a um oftalmologista infantil”, ressalta.

‘Olho vesgo’: estrabismo é outro sinal da doença

 O segundo sinal mais comum da doença é a alteração na posição dos olhos, como o estrabismo, quando há um desvio no olhar, conhecido popularmente como ‘olho vesgo’.  De acordo com a especialista, o estrabismo está presente em cerca de 20% dos casos de retinoblastoma.

Outros sintomas incluem tremor nos olhos e da mudança repentina na cor da íris, olhos vermelhos, visão embaçada, dor e inchaço, conhecido como ‘olho de búfalo’. “A criança pode ainda apresentar redução na visão no olho afetado, dor ocular e aumento do globo ocular”, diz a oftalmopediatra.

Em todos esses casos, a recomendação dos médicos é que a criança seja levada ao oftalmologista para a realização de exames completos. Consultas oftalmológicas frequentes na primeira infância podem ajudar no diagnóstico da doença precocemente.

Na maioria dos casos, quando esses sinais são percebidos, o tumor já tem um tamanho considerável. Em estágio avançado, a doença pode causar cegueira e levar à morte. Por isso a mobilização pelo diagnóstico é fundamental”, enfatiza o presidente da Sobope.

Doença pode ser hereditária

Originário das células da retina, o retinoblastoma pode comprometer um ou os dois olhos. De acordo com o oftalmologista Henrique Rocha, presidente da Sociedade Goiana de Oftalmologia (SGO), a doença é mais comum em crianças com histórico familiar ou síndromes hereditárias, mas também pode surgir esporadicamente.

Cerca de 25% dos casos são bilaterais e sempre têm uma base genética. Nos outros casos, onde o tumor afeta apenas um olho, 15% também têm uma origem hereditária, enquanto os restantes são esporádicos, muitas vezes com mutações que ocorrem somente na retina”, esclarece o especialista.

Já para a oftalmopediatra Marcela Barreira, entre 60% e 75% dos casos de retinoblastoma são esporádicos.

Esse tumor acontece devido a uma mutação nas células da retina, que passam a se multiplicar de forma descontrolada. Normalmente, essa forma afeta crianças com menos de um ano de idade. Há também os casos de retinoblastoma hereditário, quando a criança herda um gene chamado RB1 de um dos pais, sendo mais prevalente após o primeiro ano de vida”, explica a médica.

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Teste do Olhinho: a importância do diagnóstico precoce

Cerca de 15% dos casos de retinoblastoma em crianças são descobertos muito avançados, quando já há metástase. Por isso, o diagnóstico precoce é essencial para o sucesso do tratamento. O oftalmologista é crucial que pais e responsáveis fiquem atentos aos sinais e busquem orientação médica imediatamente.

 O Teste do Reflexo Vermelho (TRV), conhecido como o Teste do Olhinho, deve ser realizado logo após o nascimento. Este exame simples é uma ferramenta vital para detectar problemas oculares precocemente. A detecção precoce permite iniciar o tratamento o mais rápido possível, o que é fundamental para aumentar as chances de cura”, ressalta Dr Henrique.

A presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), Wilma Lelis Barboza, diz que para ter diagnóstico precoce é necessária uma avaliação oftalmológica.  Ela lembra que desde 2015, a realização do Teste do Olhinho nos recém-nascidos ainda na maternidade é garantida por lei e os pais ou responsáveis precisam ter acesso ao resultado.

Como o tumor pode surgir no primeiro ano de vida, é importante que a criança seja avaliada. O teste precisa ser repetido três vezes no primeiro ano de vida. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor o prognóstico. Com diagnósticos mais tardios, as crianças podem perder a vida”, explica.

Segundo Dr Henrique, é usada uma combinação de exames, como oftalmoscopia, ultrassonografia e ressonância magnética, para confirmar a presença do tumor e avaliar sua extensão. “A oftalmoscopia é especialmente importante, pois permite visualizar diretamente as características do tumor na retina”, detalha o especialista.

Diagnóstico e tratamento definem prognóstico

Quando o diagnóstico do retinoblastoma ocorre nas fases iniciais, o prognóstico é mais favorável. Outros aspectos importantes para o prognóstico são a localização e a presença de metástases. Em países desenvolvidos, a taxa de sobrevivência é de 95%, sendo ligeiramente menor em regiões menos desenvolvidas ou com recursos médicos escassos.

Todavia, independentemente de dados estatísticos, é fundamental aumentar o conhecimento da população em geral sobre o retinoblastoma e a importância do tratamento precoce.

SUS oferece tratamento gratuito: chance de cura chega a 95%

Além do Teste do Olhinho gratuito e obrigatório nas maternidades públicas, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece tratamento e acompanhamento dos casos de retinoblastoma, de forma integral e gratuita. De acordo com a presidente do CBO, Wilma Lelis Barboza, nas últimas décadas os tratamentos melhoraram e atualmente, é possível tratar a doença de forma mais direta e menos agressiva, o que reduz os transtornos causados às crianças.

Para o presidente da Sobope, é preciso fortalecer o movimento em prol do diagnóstico precoce de crianças com retinoblastoma. “Ele é de suma importância para dar acesso a centros especializados, onde, quanto mais cedo elas chegarem, maiores serão as chances de cura e preservação do olho”, destaca Neviçolino Pereira de Carvalho, oncologista pediátrico.

A retina, parte do sistema óptico localizada na parte de trás do olho, é responsável por enviar informações visuais ao cérebro. O retinoblastoma é causado por mutações na retina durante o desenvolvimento ocular, podendo causar danos a outras partes do corpo, como a coluna e a cabeça, levando até mesmo à morte se não tratado a tempo.

Com tratamento adequado, a taxa de cura do retinoblastoma é superior a 90%, especialmente quando a doença é identificada nos estágios iniciais. “Quando detectado no início e ainda restrito ao globo ocular, tem 95% de chances de cura”, afirma o oncologista ocular André Vidoris, do Hospital São Luiz São Caetano do Sul, no ABC paulista.

Quando é necessário remover o globo ocular

No entanto, se o tumor atravessa a parede do olho ou invade o sistema nervoso central pelo nervo óptico, as chances de sobrevivência caem drasticamente para 5%. Segundo ele, em situações extremas, pode ser necessária a remoção completa do olho. “Por isso, é crucial que os pais estejam atentos aos sinais desde o nascimento e que o diagnóstico seja feito o mais rápido possível, garantindo assim uma vida plena e saudável para a criança”, finaliza o médico.

O tratamento do retinoblastoma depende do estágio e da gravidade da doença. Quando detectado, pode ser tratado com diversas técnicas, incluindo terapias focais, radioterapia e quimioterapia. Em casos iniciais, fotocoagulação (tratamentos com laser), radiação de curta distância ou crioterapia, que congela o tumor, podem ser eficazes.

Em casos mais avançados, onde o tumor compromete significativamente a visão, pode ser necessário realizar uma enucleação, que é a remoção do olho afetado, colocando uma prótese no globo ocular. “Apesar de ser a última opção, muitas vezes é a única maneira de controlar o crescimento do tumor e prevenir que ele se espalhe para outras regiões”, comenta Dra. Marcela.

“A nossa meta é sempre preservar a visão do paciente, mas em casos avançados, o tratamento pode focar na remoção do tumor e, se necessário, do olho afetado”, diz Henrique.

Saúde ocular na infância merece atenção

Segundo Dr Henrique, o acompanhamento contínuo é crucial para a detecção de possíveis recidivas. “Mesmo após o tratamento, é importante monitorar regularmente a saúde ocular da criança. O acompanhamento rigoroso ajuda a garantir que qualquer sinal de recidiva seja detectado o mais cedo possível”, destaca o oftalmologista.

Para os especialistas, o principal recado para os pais é que existem inúmeros recursos para detectar, de forma precoce, doenças oculares como o retinoblastoma. Mas, para isso, é preciso levar o bebê em seus primeiros meses de vida para uma consulta de rotina com um oftalmopediatra.

Durante os exames oftalmológicos, é possível avaliar todas as estruturas oculares, incluindo a retina, a córnea, o nervo óptico etc. Para além dessa avaliação, também podemos detectar a presença do estrabismo, da miopia e de outros erros refrativos”, diz Dra Marcela.

O Teste do Olhinho, por exemplo, é essencial para detectar não apenas o retinoblastoma, mas também outras condições oculares como catarata e glaucoma congênitos. “Esse exame é rápido e indolor, e deve ser feito em todas as crianças para garantir uma triagem eficiente”, complementa o oncologista ocular André Vidoris.

Um ponto relevante é que o desenvolvimento visual ocorre fora do útero e se completa por volta dos 7 anos. Sendo assim, o acompanhamento oftalmológico na infância é crucial não só para a visão, como para o desenvolvimento global da criança”, finaliza Dra. Marcela.

Com assessorias

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