Pesquisas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que ambientes de trabalho psicologicamente nocivos estão entre os principais fatores de doenças mentais. Um estudo da OMS mostra que transtornos mentais custam à economia global cerca de 1 trilhão de dólares por ano em perda de produtividade.

Nos Estados Unidos, dados do National Institute for Occupational Safety and Health revelam que 83% dos trabalhadores sofrem com o impacto do estresse no trabalho, enquanto no Reino Unido, o burnout é responsável por 57% dos afastamentos. No Brasil, relatórios do Ministério da Previdência apontam que os transtornos psicológicos já representam 38% dos afastamentos concedidos pelo INSS, com um custo superior a R$ 12 bilhões nos últimos anos.

A partir deste mês, o bem-estar emocional dos colaboradores deixa de ser um diferencial e passa a ser uma obrigação legal no Brasil. Empresas passarão a ser responsabilizadas por prevenir transtornos psicológicos relacionados ao trabalho, como estresse excessivo, burnout e assédio moral.

Em 26 de maio, entra em vigor  atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) que obriga empresas a adotarem medidas para proteger a saúde mental dos funcionários. O novo texto exige que organizações implementem medidas concretas para garantir um ambiente de trabalho emocionalmente seguro.

O início da cobrança, no entanto, foi adiado por um ano para que as empresas pudessem se adaptar – a partir de maio de 2026 elas poderão sofrer sanções administrativas se não implementarem as medidas previstas na nova norma.  Mesmo assim, especialistas são unânimes de que as empresas devem se apressar para se adequarem.

Norma de saúde mental nas empresas pode ser só teatro corporativo

A nova regra alinha o Brasil às melhores práticas internacionais, elevando a saúde mental ao mesmo patamar da segurança física. Mas Ana Lisboa, psicanalista e advogada especialista em direito do trabalho, alerta que, sem um compromisso real, as ações podem se tornar apenas burocráticas.

Segundo ela, a desconfiança sobre a aplicação prática da norma cresce. Para a especialista, há um risco real de que as empresas apenas cumpram o básico para evitar penalidades, sem transformar de fato as condições de trabalho.

Saúde mental não é um projeto de marketing. As empresas adoram adotar a ‘moda do bem-estar’ quando isso fica bonito no relatório ESG, mas, sem mudanças estruturais, continuaremos vendo funcionários adoecendo, só que agora sob uma nova etiqueta corporativa”, afirma Ana Lisboa.

A especialista destaca que muitas empresas confundem ‘comprometimento’ com ‘cumprimento’. “A nova NR pode obrigar a criação de programas de saúde mental, mas não pode obrigar as empresas a realmente se importarem. Se as ações se resumirem a palestras genéricas sobre estresse ou à clássica ‘sexta-feira do café com propósito’, nada muda num ambiente tóxico.”

A especialista reforça que, sem um ambiente psicologicamente seguro, qualquer ação será meramente cosmética. Outro ponto é a necessidade de medir o impacto das ações.

Se a empresa monitora produtividade, lucro e engajamento, por que não monitorar o impacto do trabalho na saúde dos funcionários? Quem não mede, não cuida. Quem não cuida, finge”, finaliza a especialista.

A nova NR pode ser um avanço ou um teatro corporativo bem ensaiado. A escolha está nas mãos das empresas. Caso optem por uma implementação superficial, correm o risco de deixar de lado o principal: o bem-estar real dos seus colaboradores, que é a verdadeira chave para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo.

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Aprovada para reforçar a proteção psicológica dos trabalhadores, a atualização da NR1 determina que empresas implementem programas de prevenção e combate a transtornos psíquicos no ambiente corporativo. CEO do Grupo Altis, que atua na promoção da saúde mental corporativa, Ana destaca que a regulamentação chega para transformar o mundo empresarial.

Empresas que não se preocupam com a saúde emocional de suas equipes vão pagar um preço alto, seja com afastamentos frequentes, baixa produtividade ou processos trabalhistas. A humanização das relações de trabalho precisa ser vista como uma estratégia inteligente, e não um custo extra”, afirma.

A partir de maio de 2026, empresas passarão por fiscalizações mais rigorosas e poderão sofrer penalidades caso não cumpram as novas exigências. A gestão dos riscos psicossociais passa a ser tão obrigatória quanto a dos riscos físicos, exigindo a adoção de programas estruturados de prevenção.

Sem dúvida nenhuma, o grande desafio é mudar a mentalidade empresarial, pois cuidar da saúde mental no trabalho não é só evitar adoecimento. É aumentar produtividade, fortalecer equipes e criar um ambiente onde as pessoas realmente queiram estar. Precisamos de lideranças mais conscientes e ambientes mais humanos”, alerta Lisboa.

Para sair da superficialidade, Lisboa aponta três pilares essenciais:

  • Estabelecimento de rotina e organização de tarefas: as pessoas estão perdidas na separação entre jornada de trabalho e vida pessoal, o que leva à sobrecarga, procrastinação e exaustão. Criar uma rotina estruturada e definir prioridades evita esses efeitos e melhora a produtividade.
  • Estabelecimento de cultura e comunicação não violenta: a “cultura do medo”, presente em muitas empresas, precisa ser substituída pela cultura do propósito. O uso de gamificação estimula o pensamento e a criatividade dos colaboradores, aumenta a entrega, libera dopamina e reforça o reconhecimento no trabalho.
  • Liderança: treinar líderes para que adotem práticas de gestão que promovam o bem-estar e a saúde mental dos funcionários.

Segundo a psicanalista, há formas de as empresas promoverem saúde mental no trabalho:

  1. Implementar programas de apoio emocional com psicólogos e terapeutas organizacionais.
  2. Criar uma cultura de escuta ativa onde os colaboradores se sintam confortáveis para relatar dificuldades.
  3. Reavaliar metas e cargas horárias, garantindo que a produtividade não ultrapasse os limites saudáveis.
  4. Oferecer treinamentos para lideranças sobre a importância da empatia e da gestão humanizada.
  5. Criar espaços de descompressão para que os colaboradores possam reduzir o estresse no dia a dia.

A saúde mental no ambiente corporativo não pode mais ser negligenciada. As empresas que enxergarem essa mudança como uma oportunidade de crescimento sairão na frente. Agora, a escolha é simples: evoluir ou sofrer as consequências da omissão”, finaliza a psicanalista.

Com Assessorias

 

 

 

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