O brasileiro passa, em média, 9h13 da suas horas todos os dias acordado em frente a uma tela. Isso dá exatos 54,7% do tempo gasto usando telas enquanto as pessoas estão acordadas, o que coloca o Brasil em segundo lugar no ranking mundial, atrás apenas da África do Sul, aponta a pesquisa o relatório Digital 2024: Global Overview Report, do Datareportal, divulgado em abril e com dados dos três primeiros meses deste ano.

É fato que as crianças estão cada vez mais expostas às tecnologias, seja por meio do celular, tablet, computadores em geral ou até mesmo a televisão. Essa relação pode trazer benefícios, sejam eles educativos ou à saúde. Porém, o exagero desde cedo pode ser problemático, trazendo um alerta aos familiares.

Com o passar dos anos, vemos que o uso excessivo de telas vem aumentando, independente da idade. O vício, que parece inofensivo, pode gerar diversos problemas ao longo do tempo. Essa preocupação ganha destaque devido ao crescente uso de telas por crianças, adolescentes e adultos, levantando questões sobre os impactos no desenvolvimento cerebral e na educação. O uso cada vez mais recente de aparelhos digitais entre crianças e os adolescentes pode apresentar riscos tanto no desenvolvimento desses jovens, quanto problemas a longo prazo.

Já a Organização Mundial da Saúde (OMS), também orienta limites no tempo de uso para crianças de 6 a 10 anos, com no máximo duas horas por dia, e crianças acima dos 11, recomendados a ficarem na tela por no máximo três horas diárias. De acordo com uma pesquisa realizada com crianças pelo Instituto de Pesquisa do Hospital Infantil de Alberta (Canadá), o uso de telas aumentou mais de 50% desde2020, correspondendo a um acréscimo de uma 1h20 minutos em média.

De acordo com o estudo, que faz parte do projeto Primeira Infância Para Adultos Saudáveis (PIPA), e realizado pelo Ministério da Saúde e pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, um terço das crianças brasileiras de até 5 anos ficam mais de duas horas em telas diariamente. Crianças entre 0 e 59 meses foram analisadas para a pesquisa. Os dados foram coletados em 2022 e os resultados publicados em 2023.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que bebês menores de 2 anos de idade não devem ser expostas a telas, enquanto crianças entre 2 e 5 anos devem ter o tempo de tela máximo de uma hora por dia, além de orientar sobre um tempo regulado para demais crianças e adolescentes.

Os dados servem de alerta neste Dia Mundial do Cérebro, em 22 de julho. São diversos riscos médicos que o tempo excessivo na tela pode causar.

Queda cognitiva e impacto na memória e concentração

Vício digital vem aumentando em todas as idades e impacta no desenvolvimento cerebral e na educação

O neurocirurgião Antônio Araújo, da Clínica Araújo & Fazzito e membro do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, alerta para os perigos do mau uso de dispositivos eletrônicos, popularmente conhecido como “demência digital”, que afeta o rendimento cognitivo dos usuários. O uso excessivo de telas, principalmente em idades precoces, está relacionado à diminuição da função cognitiva.

Crianças e adolescentes expostos a dispositivos eletrônicos têm dificuldades em manter a atenção na sala de aula, ler regularmente – com estatísticas indicando que apenas 30% das crianças do ensino fundamental leem diariamente -, e desenvolver habilidades de memorização.

A exposição precoce a telas oferece estímulos intensos em termos de cores e sons, tornando desafiador competir pela atenção dessas crianças em ambientes educacionais tradicionais. Isso leva a uma geração de crianças distraídas e com dificuldades de aprendizado”, alerta o médico.

Além da distração, a dependência digital também afeta a memória e a concentração. “Informações consumidas de maneira superficial e sem conexões emocionais tendem a ser esquecidas rapidamente. A memória eficaz depende da associação de informações e do vínculo emocional com o conteúdo”, explica.

Riscos cerebrais do tempo excessivo de tela

A neurocirurgiã Danielle de Lara, que atua no Hospital Santa Isabel (Blumenau/SC), entre os principais problemas, pode-se destacar problemas físicos, por conta da diminuição de exercícios e uma alimentação menos saudável, e problemas de visão. Riscos ligados ao cérebro também são apresentados em decorrência do uso descontrolado dos aparelhos.

O longo tempo de tela das crianças e adolescentes é um motivo que afeta o desenvolvimento cerebral. Alguns estudos já mostraram que passar muitas horas na frente da tela afeta negativamente a atenção, a concentração, a aprendizagem e a memória. Outros aspectos que sofrem impactos são vistos na regulação emocional, no funcionamento social, na saúde física e no desenvolvimento de distúrbios mentais, por exemplo”, detalha a especialista.

Segundo a médica, usar os aparelhos eletrônicos leva a liberação de dopamina, que desperta uma sensação de prazer e motivação. No entanto, muito tempo de tela gera um uso excessivo de dopamina, causando o vício e a dependência.

A dopamina é um neurotransmissor que atua no sistema de recompensa, criando um bom sentimento e estimulando a repetição do comportamento. Porém, quando liberamos dopamina em excesso, eles se tornam menos responsivos,  necessitando cada vez mais de estímulos para experimentar o prazer”, explica.

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Atrofia cerebral e déficit de tela

A exposição excessiva às telas pode levar a atrofia cerebral, afetando áreas responsáveis pela memória e concentração, como ressalta o neurocirurgião Antônio Araújo. “Esse processo pode ser acelerado, especialmente em crianças e adolescentes, que passam em média 45% do tempo de vigília em frente a telas. No longo prazo, isso pode resultar em perda neuronal significativa.”

Outro fenômeno observado é o ‘déficit de tela’ na educação, onde a aprendizagem através de telas retém apenas cerca de 5% do conteúdo em comparação com a aprendizagem presencial, criando um desafio significativo para a educação.”, complementa o Dr. Araújo.

Crianças com TDAH podem ter déficits mais precoces, alerta neurologista

O neurologista Iron Dangoni Filho, que atende no centro clínico em Goiânia, pontua que cognitivamente o contato com as telas afeta de forma diretamente o cérebro e fala sobre os impactos do uso excessivo de telas no desenvolvimento cognitivo das crianças e no aprendizado escolar.

Já tem comprovação que o desempenho escolar de crianças com maior exposição a telas é menor, assim como habilidades sociais e cognitivas no curto prazo. A gente vê que em crianças em desenvolvimento, estímulos muito intensos acabam levando a maiores índices de ansiedade e depressão. E em pacientes que têm Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) acaba aflorando mais e mostrando déficits ainda mais precoces”.

Segundo ele, a atenção acaba sendo muito prejudicada, porque são vários estímulos ao mesmo tempo e em curto prazo, acabam não prendendo a nossa atenção por muito tempo. “Outra questão é que cada vez mais estimulamos o nosso centro de recompensa e, consequentemente, queremos cada vez recompensas mais rápidas e contínuas”. De acordo com o especialista, outros pontos também são afetados.

Quando a gente está pensando em redes sociais, a gente associa muita alteração da memória porque cada vez mais a gente usa os meios digitais e demanda menos da nossa memória. A concentração também vai diminuindo cada vez mais, assim como a atenção, porque a gente tende a usar cada vez mais e com estímulos cada vez menores”.

Outra questão é a dificuldade em habilidades sociais. “Uma questão importante também é que a nossa postura está piorando muito. Estamos com uma flexão cervical cada vez mais frequente, o que leva ao maior índice de dor no pescoço, de hérnia de disco e cervical”, destaca Iran Dangoni,

Impacto na Geração Z: problema que afeta pessoas de todas as idades

Embora a geração Z, nascida entre 1990 e 2010, tenha crescido em um ambiente digital, qualquer geração que desenvolva uma dependência digital está em risco. O que importa é o nível de envolvimento e atenção dedicado às telas, aplicativos e redes sociais.

“Não é porque a geração Z cresce juntamente à tecnologia que eles possuem uma facilidade maior para o vício. Independente da idade, se você dedica muito tempo às telas, você está suscetível a isso”, esclarece o neurocirurgião.

De acordo com Iran Dangoni, o problema também afeta os idosos.

No envelhecimento há uma perda de memória natural da idade. Então, nessas pessoas a gente tem que tomar cuidado para que elas não fiquem tão dependentes. E é importante que a gente exercite o cérebro. Se for pensar, os idosos antigamente decoravam números, endereços e hoje, cada vez, mais precisam disso, porque a tecnologia consegue fazer esse serviço e acaba demandando menos da memória, da concentração. Cada vez que a gente forma mais memórias está treinando nosso cérebro, estimulando ele”, destaca.

Mas afinal, o que fazer para diminuir o uso de telas? 

Para evitar futuros problemas que podem ser causados por conta do tempo de tela excessivo, os responsáveis podem impor limites de maneira educativa às crianças. O neurologista salienta sobre maneiras de tentar minimizar o prejuízo das telas.

Uma das ações a serem tomadas é limitar o tempo de tela, independente da idade, porque cada vez mais usamos e cada vez mais nos tornamos dependentes. Isso é importante para a gente estimular nosso cérebro, para a gente tentar manter uma cognição, memória, atenção e concentração boas, além de evitar quadros de ansiedade e depressão”.

Minimizar o tempo de tela nos ajuda a focar em outras atividades, como relações sociais, leitura de livros, atividades físicas, até mesmo o culto ao ócio, que hoje é tão difícil. É importante a gente pensar em outras atividades não dependentes da tecnologia, que também sempre foram atrativas e funcionaram. A tela não é algo que deve ser demonizado, mas tem que ser usado com cautela. A tecnologia está aí para ajudar, não o contrário”.

A Dra Danielle não indica a retirada “brusca e agressiva”, pois também podem gerar efeitos nas crianças.

Quando as crianças estão com alta dose de dopamina ao estar em frente à tela, e os responsáveis tiram o aparelho, o natural é um aumento no nível de cortisol, responsável por nos colocar em um estado de luta ou fuga, mas que pode gerar o estresse. Em uma situação sem risco, este estresse é gerado, colocando a criança em uma situação de luta, e tornando-a mais agressiva e reativa”, afirma a neurologista.

Para evitar essas situações, alguns mecanismos funcionam para interromper o uso dos eletrônicos sem maiores impactos. Confira abaixo alguns exemplos de como facilitar essa intervenção:

  1. Uso estruturado das telas: com a tela incluída na rotina, horário e tempo de uso limitados, a criança já sabe o limite imposto, e tem o conhecimento de quando ligar e desligar. Esse processo deve ser supervisionado pelo responsável.
  2. Boas escolhas: não é só o tempo de uso que impacta a saúde da criança, o que ela assiste também importa. Portanto, é importante que os responsáveis disponibilizem jogos e filmes com fins educativos, conteúdos em outras línguas, com o intuito de estimularem o desenvolvimento cognitivo.
  3. Ajudar na hora de desligar: os responsáveis também podem atuar reforçando os combinados de tempo, avisando quando faltam 15, 10 ou 5 minutos para o momento de desligar. Isso ajuda o cérebro a se desconectar aos poucos do mundo digital e não de maneira inesperada.

Recomendações para um uso saudável

Para reduzir esses efeitos negativos, é importante estabelecer limites para o uso de dispositivos eletrônicos. As recomendações da Sociedade Americana de Pediatria incluem:

  • Abaixo de 6 anos: Proibir o uso de telas.
  • Entre 6 e 12 anos: Limite diário de 30 minutos a 1 hora.
  • Acima de 13 anos: Limite diário de 2 horas.
  • Redes sociais: Apenas acima de 16 anos de idade.

Além disso, é fundamental evitar o uso de telas antes da aula e antes de dormir, retirando a tela pelo menos duas horas antes de dormir. Evitar a presença de televisão no quarto e monitorar cuidadosamente o conteúdo acessado por crianças e adolescentes são medidas cruciais.

O uso responsável de dispositivos eletrônicos é essencial para proteger a saúde cognitiva das gerações atuais e futuras, bem como para garantir um desenvolvimento educacional saudável e produtivo”, finaliza Dr Araújo.

Com assessorias

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