Evidências científicas apontam que existe uma interação marcante entre o sono e a dor. Estudos mostram que a privação de sono em pessoas saudáveis está associada ao aumento das respostas ao estímulo da dor. Outras pesquisas revelam que a insônia é capaz de exacerbar o risco da dor de cabeça em pessoas que sofrem de cefaleia e enxaqueca. Mais da metade dos pacientes com dor crônica — aquela que persiste por mais de três meses — relatam dificuldade para adormecer, manter o sono e insatisfação com a qualidade de sono.
“Por outro lado, pessoas com dor persistente não conseguem dormir bem. Por isso é importante tratar as queixas de dor e da má qualidade de sono ao mesmo tempo”, explica a fisioterapeuta Priscila Morelhão, pesquisadora do Instituto do Sono e mestre e doutora pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com período de intercâmbio na Universidade de Sidney, na Austrália, e pós-doutorado em Biologia e Medicina do Sono na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Um estudo realizado na Universidade de Aalborg, na Dinamarca, publicado em março de 2023 no European Journal of Pain, investigou o impacto de três noites consecutivas de sono interrompido no mecanismo central de dor de 30 pessoas saudáveis. Para isso, eles aplicaram uma série de questionários sobre sono, atividade física e dor.
Também usaram um dispositivo mecânico, conhecido por algômetro, para aplicar uma pressão sobre a pele e quantificar o grau da dor. Feito isso, os participantes foram acordados à meia-noite, 2h30 e 5 horas nessas três noites. Terminada esta fase do experimento, todos voltaram a responder os questionários e passaram pelo algômetro novamente. Os resultados mostraram que a interrupção do sono por três noites consecutivas induziu a hipersensibilidade à dor em indivíduos saudáveis.
Dor crônica atinge 76% da população brasileira
A dor crônica pode causar imobilidade, incapacidade para o trabalho, dependência de medicamentos, de profissionais de saúde e de cuidadores, além de transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade. Um estudo recente revelou que este tipo de dor acomete 76% da população brasileira A mais prevalente é na região lombar, seguida por dores nos joelhos, nas mãos e nos ombros.
A relação bidirecional entre a qualidade de sono e a dor lombar crônica foi tema de um estudo coordenado por Priscila Morelhão e publicado na revista Archives of Physical Medicine and Rehabilitation. O objetivo foi avaliar se a má qualidade de sono seria capaz de predizer com precisão a intensidade de dor lombar mais intensa a longo prazo.
Durante 6 meses, os pesquisadores acompanharam 215 idosos com dores lombares crônicas. No início do estudo, eles responderam a questionários sobre os níveis de dor e qualidade de sono. No final do experimento, houve novas entrevistas e todos disseram que a dor piorou. “Nossos resultados mostraram que a qualidade de sono na avaliação inicial prediz o aumento a intensidade da dor após 6 meses”, declara a especialista.
Existem várias explicações para o fato de que a privação de sono aumenta a sensibilidade à dor. Em pessoas com fibromialgia e outras dores crônicas, o estágio do sono de ondas lentas é interrompido pelo surgimento por uma onda de frequência alta, conhecida como atividade alfa. Segundo Priscila Morelhão, essa característica “impede que a pessoa tenha um sono profundo e reparador e não recupere a sua musculatura”.
Distúrbios de sono, como a insônia e apneia obstrutiva do sono, geram uma alteração no padrão de sono, contribuindo para a inflamação dos tecidos, o que reduz a função física dessas pessoas e aumenta a sensação de dor.
Tratar o sono e a dor
Os especialistas acreditam que, paralelamente às terapias voltadas à dor crônica, o paciente deve se submeter a um tratamento para melhorar seu padrão de sono, o que poderá trazer vários benefícios à sua saúde. Mesmo porque o aumento da sensibilidade à dor é um dos efeitos das noites mal dormidas.
Outros são o desequilíbrio hormonal, enfraquecimento do sistema imunológico, prejuízo das funções cardiovasculares e cognitivas, além de alterações de humor. Quando necessário, é preciso buscar ajuda médica para melhorar o sono.
A pesquisadora do Instituto do Sono, Priscila Morelhão, também dá algumas dicas para quem quer dormir melhor:
Rotina é essencial — defina horários para dormir e acordar, fazer suas refeições, trabalhar e se dedicar ao lazer.
Evite estimulantes — não tome bebidas com cafeína (chá preto, branco, verde e café) e bebidas alcoólicas após as 15 horas.
Longe das telas — não acessar celulares, tablets e televisão 1 hora antes de dormir. A luz emitida por esses aparelhos eletrônicos sinaliza ao cérebro que ainda é dia.
Não leve problemas para a cama — se tiver uma série de atividades para o dia seguinte, melhor fazer escrever uma lista de todas elas de modo que as preocupações fiquem do lado de fora do quarto.
Exercício físico tem hora — as atividades físicas devem ser feitas até 2 horas antes de ir para a cama, a fim de não atrapalhar o sono.
Prefira refeições leves — no jantar evite comidas pesadas para facilitar a digestão e o sono.