A região amazônica concentra 99% dos casos de malária com transmissão local. A maior parte ocorre em áreas rurais dos estados do Maranhão, Acre, Rondônia e Pará. Entre 2001 e 2022, os estados que estão fora da Amazônia registraram 18.633 casos de malária, com o Espírito Santo liderando em incidência (medida que avalia a frequência da doença em uma população específica). A taxa variou de 0,1 a 2,6 por 100 mil habitantes nos anos estudados.

Os dados são de artigo publicado na “Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical” por cientistas das universidades federais de Pernambuco (UFPE), de Sergipe (UFS), da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) e do Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz Pernambuco), na semana dedicada ao Dia da Malária nas Américas (6/11).

Letalidade pode ser até 40 vezes maior fora da Amazônia

Quase 14 mil casos, ou seja, três em cada quatro, foram importados de áreas endêmicas – aquelas que registram presença constante do vetor da doença, como a Amazônia. Já 1.980 casos foram autóctones, ou seja, com transmissão local. Espírito Santo, Minas Gerais e Piauí registraram maior risco para casos autóctones.

A pesquisa verificou diminuição nos casos com o passar dos anos. Porém, algumas áreas de “baixo risco” – como partes de Minas Gerais, Piauí e da Bahia – evoluíram para “em transição” ou até mesmo para “alto risco”. A incidência de malária também se manteve alta em estados do Centro-Oeste devido à proximidade com a região amazônica, apesar da redução no número de casos ao longo do período estudado.

Para se ter uma ideia, segundo estudos anteriores, apesar de o conglomerado amazônico concentrar 99% dos casos, a letalidade fora dele pode ser até 40 vezes maior por fatores como a demora no diagnóstico e falta de conhecimento dos profissionais de saúde para lidar com uma doença pouco comum nessas regiões.

Homens brancos de 20 a 39 anos e com ensino primário somaram a maioria dos casos. Porém, a taxa mais elevada de incidência foi entre a população indígena. Entre 2011 e 2022, a taxa de incidência para a população indígena foi de 26,4 por 100 mil habitantes – contra 1,3 de incidência por 100 mil habitantes para a população branca no mesmo período, por exemplo.

As informações de quantidade de casos e as características da população foram resgatadas na base do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), mantido pelo Departamento de Informação e Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Já a escolha pela região foi motivada pelas taxas de mortalidade.

Estudo ajudará Brasil a eliminar a malária até 2035

Rosália Ramos, pesquisadora da UFPE e uma das autoras do estudo, espera que a pesquisa incentive políticas públicas voltadas ao controle da enfermidade e reforce a importância de estratégias com especificidades regionais. Em uma perspectiva mais ampla, a pesquisa também intenciona auxiliar o Plano Nacional de Eliminação da Malária até 2035, lançado há dois anos pelo Ministério da Saúde.

Os cientistas agora desejam focar os estudos nos dados relacionados à mortalidade da doença. “Acreditamos que a análise aprofundada nos permitirá entender melhor os fatores que influenciam a letalidade da malária em diferentes contextos, especialmente em áreas onde o acesso a tratamentos pode ser mais limitado”.

Além disso, a equipe planeja analisar outras doenças tropicais negligenciadas, como a leishmaniose e a doença de Chagas, que também afetam populações vulneráveis e, muitas vezes, recebem pouca atenção em termos de pesquisa e políticas públicas.

Nosso objetivo é contribuir para a criação de estratégias mais abrangentes de controle e prevenção que possam impactar positivamente a saúde dessas comunidades”, conclui a pesquisadora.

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Tratamento contra a malária para crianças Yanomami

Medicamento produzido por Farmanguinhos será usado inicialmente em crianças Yanomami. Tratamento é mais curto e com menos efeitos colaterais
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Medicamento contra a malária produzido em Farmanguinhos, unidade da Fiocruz no Rio de Janeiro (Foto: Lean Morgado/MS)

O Ministério da Saúde passará a disponibilizar um tratamento contra a malária causada pelo Plasmodium falciparum. A associação artesunato + mefloquina, conhecida como ASMQ, é produzida no Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos), uma unidade da Fiocruz no Rio de Janeiro. Inicialmente deverão receber a medicação crianças do território indígena Yanomami e, posteriormente, será disponibilizada para o restante do país.

O anúncio foi feito na semana em que se celebrou o Dia Mundial da Luta contra a Malária (25/4). O AMSQ foi incorporado ao Programa Nacional de Prevenção e Controle da Malária e disponibilizado pelo SUS em 2009, mas teve sua fabricação interrompida em 2021. Em 2023, foram fabricados e disponibilizados no SUS, 254,4 mil unidades do medicamento para maiores de 12 anos. Agora em 2024, Farmaguinhos retomou a produção do ASMQ para menores de 12 anos.

O medicamento, cuja formulação foi totalmente desenvolvida em Farmanguinhos, é considerado eficaz no combate à malária causada pelo parasita Plasmodium falciparum. Ele associa as substâncias cloridrato de mefloquina e artesunato, antes administradas separadamente contra a doença. A combinação resulta em baixos índices de efeitos colaterais, maior adesão dos pacientes e utilização de menores doses de comprimidos, possibilitando uma cura mais rápida.

Avanço estratégico

O diretor de Farmanguinhos, Jorge Mendonça, explica que a facilidade do uso é um avanço estratégico para o controle da doença. O ASMQ é usado uma vez ao dia durante 3 dias, diferentemente do artemeter + lumefantrina disponível, utilizado duas vezes ao dia durante 3 dias. Ele, portanto, melhora a adesão medicamentosa.

O tratamento é simples, com utilização de menor quantidade de comprimidos e com menos efeitos colaterais. No primeiro dia, o paciente já sente melhora acentuada. Na minha avaliação, nos últimos 15 anos, esse é o maior avanço no tratamento da malária, pela facilidade da adesão e, em especial, a velocidade da recuperação”, comenta.

Jorge salienta que a regulamentação do tratamento no Brasil ocorreu após esforço do Ministério da Saúde. O tratamento surgiu em 2008 em um consórcio internacional e acumula grande sucesso em países africanos.

Tafenoquina

Ainda no enfrentamento da malária, a pasta aprimorou a capacidade de atendimento no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami e na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) em Boa Vista.

A ação, realizada de 19 de março a 19 de abril, incluiu capacitação sobre o tratamento com foco na implementação da tafenoquina, que teve a incorporação no SUS anunciada em junho de 2023. Foram capacitados 215 profissionais de saúde. Em março último, ela foi implementada no DSEI Yanomami.

A tafenoquina é um tratamento de dose única (dois comprimidos) para a malária causada pelo Plasmodium vivax, a mais frequente no país. A medicação deve ser administrada conjuntamente com cloroquina e só pode ser administrada após realização de teste para identificar a atividade da enzima glicose-6-fosfato-desidrogease (G6PD).

No momento, só deve ser usada por pacientes maiores de 16 anos de idade, acima de 35kg, não grávidas, não lactantes, com mais de 70% de atividade da enzima G6PD e em um caso considerado novo.

Com informações da Agência Bori e Ministério da Saúde

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