Considerada endêmica no Norte do Brasil, a malária é um grave problema de saúde pública no mundo. De acordo com o último relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), 608 mil pessoas morreram em decorrência da doença em 2022, principalmente crianças, e 249 milhões foram infectadas no mundo, 5 milhões a mais do que em 2021. O aumento é significativo se comparado a 2019, antes da Covid-19, quando o registro mundial foi de 233 milhões. Os países africanos são os mais afetados.
No Brasil, em 2022, foram registrados 128 mil casos da doença, uma redução de 7,8% em relação a 2021. Já o número de mortes caiu de 58 para 50, entre os dois períodos. O Ministério da Saúde classifica os adoecimentos por malária como situação de emergência em saúde pública. De janeiro a março deste ano, já foram notificados 33.688 casos da doença em território nacional.
Segundo dados do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica (Sivep), casos de malária caíram drasticamente em Altamira, no Pará, e chegaram a zerar na região da Volta Grande do Xingu, após a implantação de um programa de controle nas seis cidades próximas à Usina Hidrelétrica de Belomonte – Altamira, Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e Pacajá.
As ações envolvendo qualificação de profissionais de saúde em parceria com os municípios, fornecimento de medicação e insumos adequados e conscientização da população reduziram em até 99% os casos em relação aos índices registrados antes da criação do Programa de Ação para Controle da Malária (PACM) – elaborado e mantido pela Norte Energia, concessionária de Belo Monte.
O resultado foi a queda histórica de ocorrências: de 10.838 casos, no ano de 2011, para 875, em 2023. Com isto, alguns dos municípios saíram da classificação de alto risco de malária (Índice Parasitário Anual – IPA maior que 50) e, atualmente, todos estão na faixa de baixo risco (IPA menor que 10) de transmissão da doença, que é endêmica da região. Pacajá, em 2011, tinha uma população de 42 mil habitantes, chegou a registrar 4.563 casos positivos, e viu o índice cair para 58 ocorrências em 2021, de acordo com o Sivep.
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Médica explica a doença
A malária é uma doença infecciosa febril causada por protozoário do gênero Plasmodium, transmitido ao homem, na maioria das vezes pela picada da fêmea do mosquito do gênero Anopheles infectado, também conhecido como mosquito-prego. No Brasil, a espécie predominante é o Plasmodium vivax, sendo menos agressiva que a Plasmodium falciparum que prevalece na África.
De acordo com a médica infectologista Suiane Negreiros, coordenadora do ITPAC Cruzeiro do Sul/Afya no Acre, a espécie africana é mais grave por conta do seu próprio ciclo biológico, que compromete o maior número de hemácias do organismo, pois não tem preferência por hemácias específicas. Apesar de ser menos grave, ainda assim a malária é perigosa no Brasil.
Segundo ela, a complexidade dos protozoários causadores da doença dificulta o desenvolvimento de vacinas e remédios, porque a cada ciclo de vida, o protozoário adquire novas formas e pode ficar em estágio dormente por meses ou anos no fígado do hospedeiro humano, sendo inclusive transmissível de mãe para filho.
Transmissão e sintomas
O mais importante é conhecer a forma de transmissão da doença, que é por meio da picada do mosquito. É preciso intensificar o desenvolvimento da educação em saúde para que a população tenha esse conhecimento, principalmente quem mora em áreas mais afetadas, como a região amazônica.
A proteção do próprio corpo ou da casa irá ajudar a impedir a transmissão. À medida que nos vestimos de forma apropriada, protegendo nosso corpo, colocando as telas em casas, dormindo embaixo dos mosquiteiros e cortinados, tudo isso irá melhorar a proteção, sendo a melhor forma de prevenir a doença”, orienta a médica Suiane Negreiros.
É preciso ficar alerta com os sintomas também. A malária é uma doença febril, então este é um dos principais sinais, além de dor de cabeça intensa, dor na região lombar e muita fraqueza.
Os pacientes costumam ter uma indisposição importante em decorrência do comprometimento das células do sangue, já que o agente causador causa a destruição das hemácias”, explica a especialista. A doença é identificada por meio do exame de lâmina, onde é feito um pequeno furo na ponta de um dos dedos do paciente para obter uma gota de sangue, com posterior leitura pelo microscopista. Este é considerado o exame padrão ouro na detecção da malária.
Há tratamentos específicos para cada espécie, e medicamentos são distribuídos gratuitamente pelo SUS e ministrados pelos agentes de saúde comunitários. No entanto, durante esse percurso de tratamento, dependendo da quantidade de vezes que a população, se expõe à doença, pode ser necessário modificar o cuidado.
Especialistas precisam intervir para tratar as especificidades, porque se a infecção não for gerenciada de forma adequada e se perpetuar na comunidade, ela vai ser considerada fonte de infecção frequente, podendo dificultar ainda mais a resolução do problema. Tratar adequadamente o paciente e interromper o ciclo de transmissão são estratégias muito importantes para o controle da malária”, alerta Suiane Negreiros.
Ação para controle da doença é considerada caso de sucesso pela Fiocruz
Para o pesquisador Leonardo Carvalho, do Laboratório de Pesquisa em Malária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o exemplo de sucesso na região amazônica que pode ser multiplicado no país. “Isso serve de exemplo para todas as municipalidades da Amazônia, que, mesmo diante de tantas adversidades e das questões ambientais, é possível controlar a doença desde que você tenha iniciativas de impacto como essa”, avaliou.
Criado para mitigar o risco de aumento da doença durante a construção da hidrelétrica, o Programa de Ação para Controle da Malária (PACM) da Norte Energia foi executado entre 2011 e 2021 e as ações contaram com a parceria das secretarias municipais de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESPA) e do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
O programa deixou para a região o legado de uma rede de saúde estruturada para dar continuidade às ações de controle e prevenção, no âmbito das gestões municipais. O PACM ainda foi mantido entre 2021 e 2023 nos municípios de Altamira, Anapu, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu, por meio de um termo de compromisso firmado entre a Norte Energia e o Ibama.
Nos últimos dois anos, o programa conseguiu zerar os casos de malária originados na região da Volta Grande do Xingu. Para isso, a empresa investiu cerca de R$ 46 milhões em medidas como a doação de móveis e equipamentos para os núcleos de vigilância em saúde e Unidades de Diagnóstico de Tratamento; entrega de 222 veículos, entre caminhonetes, motocicletas e voadeiras; provimento de 147.161 insumos, como mosquiteiros impregnados de inseticida, testes rápidos, lâminas, material de laboratório, microscópios; e recursos para a contratação de enfermeiros e agentes de endemias.
Com assessorias