Esta semana, de 25 a 29 de abril, marca a luta mundial contra a malária, uma das doenças parasitárias mais antigas do mundo, considerada como uma doença negligenciada. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2020 havia uma estimativa de 241 milhões de novos casos e 627 mil mortes relacionadas à malária em 85 países. Mais de dois terços dessas mortes foram entre crianças menores de 5 anos que viviam na África.
Aqui, no Brasil, foram notificados 144.911 casos e 39 mortes nos estados da região amazônica. Nos demais estados foram 319 casos e 11 mortes – o que representa, proporcionalmente, 132 vezes mais mortes fora das regiões amazônicas, onde a doença é menos comum – e portanto, menos conhecida tanto por pacientes quanto por profissionais de saúde com menos familiaridade com ela.
A malária é uma doença infecciosa, potencialmente grave e causada pelo parasita do gênero Plasmodium, é geralmente transmitida aos seres humanos pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados. A doença é causada por quatro diferentes tipos do protozoário do gênero Plasmodium, sendo que no Brasil são encontradas três espécies: o P. Vivax (o mais comum no país), o P. Falciparum e o P. Malariae.
A doença é transmitida pela fêmea infectada do mosquito Anopheles, que pica o ser humano, que, por sua vez, se transforma em hospedeiro do protozoário. Se um mosquito não infectado picar uma pessoa contaminada, ele passa também a transmitir a malária. Os sintomas mais comuns da doença são febre alta, calafrios e falta de apetite.
Malária tem cura e tratamento pelo SUS
A malária tem cura, mas pode evoluir para formas graves em poucos dias se não for diagnosticada e tratada corretamente. O tratamento está disponível no Sistema Único de Saúde (SUS), mas muitas pessoas abandonam o tratamento porque sentem melhora nos sintomas nos primeiros dias de remédio.
Mas por que uma doença, em teoria, fácil de controlar e erradicar, mas que ainda mata milhares de pessoas em todo o mundo? Para a infectologista Sandra Gomes de Barros, professora do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro ( Unisa), apesar de existirem tratamentos simples e efetivos, a principal causa de morte por malária é o diagnóstico tardio.
“Como muitos profissionais de saúde estão fora dos centros de referência da doença, infelizmente acontece de, muitas vezes, eles não estarem aptos a identificar de forma ágil os sintomas da malária. Justamente por isso, sinais comuns como febre, dor de cabeça e calafrios, que, em geral, surgem após 10 a 15 dias da picada, dificilmente são imediatamente relacionados à doença”, ressalta a especialista.
A Dra Sandra lembra que, recentemente, a OMS desenvolveu um relatório que, elaborado pelo Grupo Consultivo Estratégico sobre Erradicação da Malária, prova a necessidade de investimento em pesquisa e desenvolvimento para impulsionar os esforços de erradicação da doença.
Este relatório revela que são necessários investimentos que somem US$ 851 milhões até 2030 para o desenvolvimento de vacinas, medicamentos antimaláricos, novas tecnologias para controle de vetores e inovações para combater a resistência do mosquito a inseticidas.
“O mundo precisa olhar para esta questão. Precisamos preparar melhor os nossos agentes de saúde, investir mais em pesquisa e desenvolvimento e em inovação para combater o problema. Sem um diagnóstico correto e sem um atendimento assertivo como padrão, não sairemos do lugar. E a malária, uma doença de fácil diagnóstico e controle, vai continuar sendo uma preocupação em pleno século XXI”, adverte.
‘eu tive malária 21 vezes’, diz cacique
O Amazonas foi o estado que mais registrou casos de malária em 2021, quase 40% dos casos do país. Em Manaus e região, é comum encontrar quem já teve malária. E mais de uma vez. Ismael Munduruku, cacique do Parque das Tribos, comunidade na periferia de Manaus, faz as contas de quantas vezes já teve malária:
“Eu tive 21 vezes malária. Aqui na cidade eu tive umas 3 vezes e o restante eu tive no interior”. O aposentado Matias Coricos, que mora na comunidade Abelha, também em Manaus, afirma que já teve 13 vezes a doença. A sua esposa, Rosita Coricos, contabiliza 10 vezes que teve malária.
A diretoria do Departamento de Vigilância Ambiental e Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus, Marinélia Ferreira, afirma que a malária, por ser uma doença endêmica, é muitas vezes banalizada pela população. “Muitas pessoas vêm com orgulho já ter uma, duas, 10, 15, 20 vezes o agravo. Quanto mais infecções a pessoa tem, a possibilidade de agravar é muito maior”.
Pandemia afetou o controle da doença no Brasil
A pandemia do novo coronavírus afetou o controle da malária no Brasil, visto que as ações de controle da malária dependem das Unidades Básicas de Saúde. Marinélia lembra que o agente de saúde precisa entrar na casa das pessoas, fazer o teste, orientar os moradores. “Essa atividade nós tivemos que reduzir, pelo próprio risco do morador como também do agente”.
O infectologista Marcus Lacerda afirma que houve um número de casos reprimidos de pessoas que estavam infectadas e que não receberam o tratamento. “Mas a malária mostra o seu impacto muito tempo depois. A gente tem visto vários locais na Amazônia onde o número de casos aumentou muito. A gente, obviamente, não pode atribuir claramente à pandemia, mas é preciso lembrar que no Brasil os mesmos profissionais têm que se dividir entre controle de várias doenças”, explica.
O especialista ainda reforça que as novas doenças, como a covid-19, não eliminam as doenças antigas, como a malária. “É preciso que a gente tenha uma visão estratégia do quanto que a gente precisa avançar no controle de doenças tão antigas, para que a gente tenha a energia e esforços coletivos para controlar novas doenças”.
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Erradicação somente em 2050, aponta estudo
A erradicação global da malária, uma das doenças mais antigas e mortais do mundo, pode ser alcançada até 2050, mostra novo estudo publicado em 2019 pela comissão para a malária da revista científica The Lancet. “Um futuro livre de malária pode ser alcançado tão cedo como em 2050″, diz o estudo, de autoria de 41 dos principais especialistas mundiais em malária, ciências biomédicas, economia e políticas de saúde.
A pesquisa mostra as evidências científicas, combinando-as com novas análises epidemiológicas e financeiras que demonstram que – com as ferramentas e estratégias certas e o financiamento adequado – a erradicação da doença é possível no espaço de uma geração.
Os especialistas identificam três medidas para inverter a curva de progressão da doença, acelerando a queda dos casos de malária em nível mundial, incluindo um aumento anual de cerca de US$ 2 bilhões.
Entre as propostas dos especialistas estão melhorar a gestão e implementação dos atuais programas de controle da malária, fazer uso mais eficiente das atuais ferramentas, desenvolver técnicas inovadoras que permitam ultrapassar os desafios biológicos da erradicação e disponibilização, por parte dos países onde a malária é endêmica, de investimento financeiro adequado.
Desde 2000, a incidência da malária e a taxa de mortalidade em nível global caíram 36% e 60”, respectivamente. Foi registrado no período um aumento do investimento na prevenção e tratamento da doença, que em 2016 chegou a US$ 4,3 bilhões. Hoje, mais da metade dos países estão livres da malária.
Apesar dos progressos e dos esforços globais, mais de 200 milhões de casos são registrados em todo o mundo a cada ano, causando mais de 500 mil mortes. Os casos de malária aumentaram em 55 países da África, Ásia e América Latina e crescem as preocupações com a resistência dos mosquitos transmissores (vetores) aos atuais inseticidas e medicamentos.
A maioria dos novos casos de malária surge em apenas 29 países, que são responsáveis por 85% das mortes registradas em 2017. Entre os 29 países, apenas dois – Papua Nova Guiné e Ilhas Salomão – não estão localizados na África. Apenas dois países africanos – Nigéria e República Democrática do Congo – são responsáveis por 36% dos casos da doença em nível mundial.
Sobre a data
O Dia Mundial da Malária (25 de abril) foi oficializado em maio 2007 pela 60ª sessão da Assembleia Mundial da Saúde da OMS. O programa ‘Caminhos da Reportagem’ exibiu reportagem sobre a malária no Brasil – veja aqui.
Com Unisa e Agência Brasil