De acordo com levantamento do IGBE, o número de surdos no Brasil ultrapassa a marca de 10 milhões de pessoas. Desse total, 2,7 milhões são surdas ou escutam com dificuldade, e usam aparelhos auditivos. Muitas enfrentam diariamente o desafio da comunicação, tanto em ambientes públicos quanto privados, onde raramente encontram espaços preparados para recebê-las de forma inclusiva.

Para garantir pleno acesso à cidadania, é inevitável passar pela educação. Ações de inclusão devem respeitar tanto a diversidade comunicacional quanto a identidade cultural da comunidade surda. Mesmo com a Lei nº 10.436, que determina o uso da Língua Brasileira de Sinais, essa parcela da população ainda enfrenta dificuldades para acessar diversos serviços, desde uma consulta médica até o atendimento em bares e restaurantes.

Educação bilíngue: avanços e desafios

Em 2021, o Brasil deu um passo importante ao incluir a educação bilíngue para surdos como modalidade específica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), com a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua e o português escrito como segunda língua. No entanto,  o acesso a essa modalidade ainda é limitado, especialmente fora dos grandes centros urbanos.

Na cidade de São Paulo, conseguimos ter escolas bilíngues, mas em cidades menores, a realidade é muito diferente. Muitas vezes, os alunos são incluídos em turmas de ouvintes com a ajuda de intérpretes de língua de sinais. Mas isso só é efetivo se o aluno já tiver uma base sólida em Libras, o que nem sempre é o caso”, alerta Sabine Vergamini, diretora do Centro de Educação para Surdos Rio Branco. 

No Colégio Rio Branco, a inclusão vai além de colocar alunos surdos e ouvintes na mesma sala de aula. “Temos intérpretes em todas as turmas com alunos surdos, e nas aulas de português, esses alunos têm uma abordagem específica, com um professor dedicado ao ensino deste componente curricular como segunda língua. Tudo é pensado para garantir o máximo desenvolvimento possível de cada estudante”, diz Sabine.

Para Nathan Ferreira Gomes, que estuda na 1ª série do Ensino Médio do Colégio Rio Branco desde 2016, a abordagem inclusiva e bilíngue fez toda a diferença no seu desenvolvimento. “Antes de entrar no Centro de Educação para Surdos, eu estava em uma escola onde não havia intérprete de Libras. Eu copiava o que os outros alunos faziam, mas não entendia nada, isso me deixava muito frustrado”, relembra Nathan.

No Centro de Educação para Surdos, eu me tornei fluente na língua de sinais e consegui me comunicar melhor com meus colegas ouvintes, tanto em Libras quanto em português escrito. A inclusão aqui é real”, ressalta.

A importância da família no desenvolvimento de crianças surdas

“A maioria das crianças surdas nasce em famílias ouvintes e é crucial que esses pais aprendam a estimular a criança adequadamente, usando o canal visual como principal via de informação”, explica a especialista. “Infelizmente, o histórico da educação de surdos no Brasil tem sido focado em suas dificuldades, como a audição e a fala, ao invés de valorizar suas potencialidades, como a comunicação visual”.

Educação inclusiva: um caminho para a transformação social

O impacto da educação inclusiva não se restringe apenas aos alunos surdos, como aponta Sabine. “Alunos ouvintes que convivem com colegas surdos aprendem desde cedo a lidar com a diversidade, o que se torna um diferencial na vida em sociedade e no mercado de trabalho”.

Essa experiência pode moldar profissionais mais sensíveis às questões de acessibilidade, como foi o caso de alunos do Colégio Rio Branco que seguiram carreiras em teatro, jornalismo e publicidade, sempre com um olhar atento à inclusão. Nesse sentido, ampliando a oportunidade aos alunos, a escola promove Oficina de Libras, como atividade extracurricular para alunos ouvintes desde o 3º ano do Ensino Fundamental.

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Transformando barreiras em pontes

Projeto social aproxima comunidades surdas e ouvintes com ensino da  Língua Brasileira de Sinais no Nordeste

Em várias regiões do país, iniciativas voltadas à inclusão têm surgido para atender a essa demanda urgente. Entre elas, destacam-se os projetos da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA), que, por meio de núcleos em Pernambuco, Maranhão e Bahia, oferecem aulas de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para ouvintes. Esses cursos ajudam a criar um elo entre a comunidade surda e a população geral, promovendo inclusão, empatia e respeito.

Em Juazeiro, na Bahia, o projeto de curso básico de LIBRAS é coordenado por Ana Paula Santos Silva Oliveira, assistente social da ADRA. Segundo ela, a iniciativa nasceu da necessidade urgente de incluir surdos na sociedade. “Nosso maior objetivo é levar conhecimento e ensinar as pessoas que os cidadãos surdos precisam se sentir acolhidos e percebidos em nosso meio diariamente”, explica.

Com encontros semanais, o curso atende tanto pessoas que nunca tiveram contato com a língua de sinais quanto aqueles que buscam aprimorar suas habilidades. “Percebemos que os alunos, ao final do curso, mudam sua percepção sobre os surdos. Começam a olhar nos olhos deles com mais segurança e conseguem manter diálogos significativos em sua língua materna”, afirma Ana Paula. Ela ainda destaca que as barreiras no mercado de trabalho para os surdos são grandes, mas com o conhecimento da LIBRAS, o preconceito começa a ser superado.

Conquistando novos intérpretes no Maranhão

No Maranhão, o projeto “Mãos que Falam”, coordenado por Ruan Pires, professor de LIBRAS, foca em preparar intérpretes e multiplicadores da língua de sinais. “As aulas são essenciais para conscientizar a sociedade sobre a existência de uma cultura surda e incentivar a comunicação entre surdos e ouvintes”, destaca Azevedo.

Apesar dos desafios, como a desistência de alunos devido à falta de tempo, o impacto positivo é evidente. “Aqueles que concluem o curso já conseguem aplicar o aprendizado em suas profissões e em suas igrejas, tornando esses ambientes mais inclusivos”, conta o coordenador. Um exemplo de sucesso é Bruno Mesquita, egresso do curso. “Esse projeto foi fundamental para mostrar que devemos ser uma igreja inclusiva, não apenas dentro da comunidade, mas também na sociedade em que estamos inseridos”, afirma Bruno, que hoje atua como intérprete em sua congregação.

Lição de acolhimento em Pernambuco

Em Recife, o Núcleo da ADRA promove aulas de LIBRAS que se destacam pelo enfoque lúdico e prático, coordenadas pela professora Miraceni Barbosa. Ela conta que o perfil dos alunos é diverso, mas todos compartilham o desejo de aprender a se comunicar com surdos.

Alguns alunos passaram por experiências em que não conseguiram se comunicar com uma pessoa surda e isso os marcou. Agora, muitos desejam continuar no aprendizado para se tornarem multiplicadores da LIBRAS e ajudar outros a não passarem pela mesma situação”, relata Miraceni.

As aulas abordam desde a origem dos sinal até sua aplicação em diferentes contextos, com variações linguísticas e exercícios práticos. No entanto, Miraceni enfatiza que a inclusão plena só será alcançada quando o ensino de LIBRAS for universalizado. “É fundamental que TODAS as escolas, públicas e privadas, ensinem LIBRAS desde o fundamental”, afirma. Ela ainda menciona a história de sucesso de Cauê, um adolescente aluno do curso que agora ensina os sinais aos colegas de escola, contribuindo para um ambiente escolar mais inclusivo.

Inclusão começa pelo diálogo

A experiência de Darticléia Cavalcanti, aluna do curso de LIBRAS em Juazeiro, ilustra o poder transformador dessa iniciativa. Aos 50 anos, ela decidiu aprender a língua de sinais com o objetivo de levar a mensagem religiosa à comunidade surda. “Mesmo com desafios, sigo motivada a aprender para alcançar meu objetivo de levar Jesus para esse público e, claro, quero conversar com eles e aprender cada vez mais”, relata Darticléia.

O impacto da conscientização

O Dia Nacional da Educação de Surdos é um marco para lembrar a importância da inclusão, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Projetos como os da ADRA demonstram como iniciativas educativas podem transformar o cenário da acessibilidade e fortalecer o convívio social. As aulas de LIBRAS oferecidas pelos núcleos da organização capacitam ouvintes a interagir com a comunidade surda, promovendo a inclusão e ampliando as possibilidades de comunicação.

“Mostrar que conhecemos a língua de sinais traz um sorriso de aceitação no rosto do surdo“, afirma Ana Paula, coordenadora em Juazeiro. É um sinal de que o respeito e a inclusão estão avançando, um passo importante rumo a uma sociedade mais acolhedora.

O Dia Nacional da Educação de Surdos (23 de abril) propõe uma reflexão e o debate sobre os direitos e a luta pela inclusão e acessibilidade dessa comunidade não apenas na educação, mas em todas as esferas da sociedade. Nesta data importante, é fundamental refletir não apenas sobre as conquistas, mas também sobre os desafios ainda existentes.

A inclusão verdadeira só será alcançada com o compromisso contínuo de toda a sociedade em respeitar e valorizar a diversidade da comunidade surda. Ouvir, aprender e agir são passos essenciais para uma sociedade mais justa e inclusiva.

Deficiência auditiva

Quase 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo ─ ou uma a cada quatro pessoas ─ viverão com algum grau de perda auditiva até 2050, segundo o primeiro Relatório Mundial sobre Audição, divulgado em 2021 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Atualmente, segundo a ONU, o mundo tem mais de 70 milhões de pessoas com deficiência auditiva.

Em crianças, quase 60% da perda auditiva pode ser evitada por meio de medidas como imunização para prevenção da rubéola e meningite, melhoria da atenção materna e neonatal e triagem e tratamento precoce de otite média – doenças inflamatórias do ouvido médio.

Em adultos, o controle de ruído, a escuta segura e a vigilância de medicamentos tóxicos para a audição, além da higiene do ouvido, podem ajudar a manter uma boa audição e reduzir o potencial de perda auditiva. A identificação é o primeiro passo para lidar com a perda auditiva e doenças relacionadas.

Com Assessorias

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