Maio é tradicionalmente o mês de celebrar as mães. Mas, em meio às flores e homenagens, pouco se fala sobre a exaustão, a sobrecarga emocional e o abandono estrutural que muitas enfrentam. Neste Mês das Mães, é preciso ampliar o olhar: quem são essas mulheres que sustentam, educam e acolhem tantas vidas e muitas vezes, sozinhas e em silêncio?
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), ligado à Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, revela que 11,2 milhões de mulheres estão fora da força de trabalho por precisarem cuidar de crianças, de pessoas com deficiência ou realizar afazeres domésticos. Destas, 6,8 milhões são negras e 4,3 milhões são brancas, um reflexo do cenário de desigualdade no Brasil.
Segundo a pesquisa, ambas são duramente impactadas, mas de forma diferente: mães solo brancas ficam próximas da linha da pobreza, enquanto as negras beiram a extrema pobreza. O que ninguém vê, mas todo mundo sabe, é que a maternidade carrega camadas complexas e, muitas vezes, invisíveis de dor e resiliência.
A solidão das mães atípicas
A romantização da maternidade ainda encobre realidades marcadas pela solidão, falta de acesso à saúde mental, ausência de rede de apoio e abandono por parte do Estado. Esses desafios se intensificam quando olhamos para as mães atípicas, mães negras, mães solos, avós, tias e tantas outras mulheres que assumem o papel materno”, destaca a orientadora da Genial Care, Caroline Rorato.
Para muitas mulheres, a maternidade atípica começa com um diagnóstico inesperado de transtorno do espectro autista (TEA), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou outros transtornos do neurodesenvolvimento. Além da adaptação à nova rotina, essas mães enfrentam a escassez de políticas públicas, profissionais capacitados e rede de apoio, tornando-se, muitas vezes, as únicas cuidadoras da criança.
De acordo com a pesquisa Retratos do Autismo no Brasil, realizada pela Genial Care em parceria com a Tismoo.me, 86% dos responsáveis pelo cuidado de crianças autistas são as mães. Os pais representam apenas 10% das respostas.
Elas são as principais responsáveis pelo cuidado e pela mediação terapêutica das crianças, muitas vezes precisando abandonar o trabalho ou mudar radicalmente seus planos de vida. A presença de uma rede de apoio composta por pais, familiares, amigos, profissionais de saúde e grupos de apoio pode oferecer não apenas conforto emocional, mas também recursos práticos e informações valiosas sobre o autismo”, completa Caroline.
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Mães solos: amor, luta e esgotamento
Segundo o IBGE, mais de 11 milhões de famílias brasileiras são chefiadas por mulheres sem cônjuges. Para essas mães solos, a jornada é marcada por acúmulo: cuidar dos filhos, trabalhar, administrar a casa, garantir o sustento e ainda lidar com a carga emocional de tudo isso.
A ausência paterna, frequentemente negligenciada socialmente, aprofunda a invisibilidade dessas mulheres, que são julgadas quando não conseguem dar conta de tudo, como se a responsabilidade fosse exclusivamente delas.
“Na sociedade, o papel de cuidadora é muitas vezes imposto às mães, e são elas que acabam assumindo as consequências sociais e financeiras desses cuidados. Quando falamos de mães atípicas, essa realidade é ainda mais complexa. Muitas precisam renunciar aos planos de vida no processo de cuidado com a criança, o que aumenta o risco de burnout materno”, ressalta a orientadora Genial.
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A jornada tripla da mãe negra
As mães negras no Brasil enfrentam uma “jornada tripla”: trabalho remunerado, cuidados domésticos e enfrentamento do racismo estrutural. De acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), o número de mães solo no Brasil cresceu 1,7 milhão entre 2012 e 2022. Dessas, 90% são mulheres negras.
Ser mãe negra é resistir todos os dias a um sistema que desumaniza seus filhos, questiona sua capacidade de educar e nega oportunidades. E quando essa mulher também é uma mãe atípica, os desafios se multiplicam. A cobrança é maior, o apoio é menor, e a luta é constante”, afirma Letícia Amarante.
Letícia Amarante, mãe da Maria Alice, compartilha como é esta jornada. “Ser mãe de uma criança atípica é viver uma rotina marcada por desafios diários, e quando essa maternidade é atravessada pelo racismo estrutural, o peso se torna ainda maior. Como mulher negra, a sobrecarga não é só física, é emocional e social. O que mais desejamos é que essa realidade seja vista e reconhecida, para que possamos seguir cuidando dos nossos filhos com dignidade e apoio, não apenas com coragem.”
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Outra figura fundamental, mas raramente reconhecida, é a da avó (ou tia) que assume a criação dos netos ou sobrinhos como verdadeiras mães. Seja por falecimento dos pais, abandono ou vulnerabilidade social, essas mulheres ocupam o papel de mãe sem as garantias legais e sem o suporte adequado.
E fazem isso já cansadas, muitas vezes com a saúde fragilizada, mas com amor de sobra para dar. Quando falamos de crianças com deficiência ou com TEA, esse cenário se torna ainda mais desafiador para essas mães de coração”, destaca Caroline.
Mães precisam de cuidado, não só de homenagem
Neste mês dedicado a essas mulheres que são mães ou que desempenham o papel de uma, a homenagem mais significativa talvez seja o reconhecimento de suas lutas e o compromisso em dividir melhor as responsabilidades. É necessário criar políticas públicas que acolham as múltiplas maternidades, incentivar redes de apoio reais e promover espaços onde essas mulheres também possam ser cuidadas e não apenas cuidadoras.
Por trás de cada criança bem cuidada, existe quase sempre uma mulher exausta. Seja mãe, avó, tia ou cuidadora, especialmente aquelas que enfrentam a maternidade atípica, todas carregam uma sobrecarga que precisa ser vista, dividida e acolhida. Nesta data, mais do que homenagear, é hora de dividir a carga, porque maternar não pode ser um ato solitário”, finaliza Caroline.