Conhecido pela voz marcante ligada a transmissões esportivas, o jornalista, apresentador e locutor esportivo Léo Batista morreu no último domingo (19), aos 92 anos. Seu legado é imenso na comunicação brasileira, e sua perda destaca a relevância do câncer no pâncreas. Ele estava internado desde o início do mês no Hospital Rios D’Or, na Freguesia, zona oeste do Rio de Janeiro, e enfrentava a doença.
Um dos criadores do programa Globo Esporte, Léo Batista estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), no Rio de Janeiro, desde 6 de janeiro, por conta do diagnóstico do tumor. De acordo com o boletim médico divulgado na sexta-feira (17), ele deu entrada no hospital apresentando um quadro de desidratação e dor abdominal.
O câncer de pâncreas é um dos tumores mais agressivos e desafiadores. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), é o sétimo mais mortal entre os homens e o quinto entre as mulheres no Brasil. Em 2023, o Inca incluiu pela primeira vez o câncer de pâncreas na lista dos tumores que mais matam no país, destacando sua relevância crescente na saúde pública.
Apesar de a doença ser mais comum a partir dos 60 anos, há um aumento de diagnósticos conforme o avanço da idade. Segundo dados do Inca, são esperados 10.980 casos para cada ano do triênio 2023-2025, sendo 5.690 em mulheres e 5.290 em homens.
Diagnóstico precoce é uma das principais barreiras
O pâncreas é o órgão responsável por liberar enzimas que atuam na digestão e na produção de hormônios que ajudam a manter o açúcar do sangue controlado. Medindo cerca de 15 cm, ele é composto pelas seguintes partes: cabeça (lado direito), corpo (centro) e cauda (lado esquerdo). O termo “câncer de pâncreas” engloba diversos tipos de tumores malignos.
O termo é usado de maneira genérica, contudo, ele se refere ao tipo mais comum da neoplasia – que se origina na parte exócrina do pâncreas – o adenocarcinoma, responsável por 90% dos casos. Já os demais tipos incluem casos mais raros, como os pancreatoblastomas e neuroendócrinos“, explica o oncologista João Paulo Fogacci de Farias.
De acordo com o Inca, o câncer de pâncreas é um tipo de tumor maligno que normalmente não leva ao aparecimento de sinais e sintomas em estágios iniciais, mas apresenta alta taxa de mortalidade exatamente em razão do diagnóstico tardio. O diagnóstico precoce é uma das principais barreiras para tratamentos eficazes.
Apenas 15 a 20% dos pacientes são identificados quando a doença ainda está localizada na glândula e não se espalhou para outras partes do corpo. Detectar o quadro nas primeiras etapas de desenvolvimento é essencial para garantir tratamentos menos invasivos e com maior potencial de cura”, afirma Cicilia Marques Rodrigues, oncologista do IBCC (Instituto Brasileiro de Controle do Câncer).
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Fatores de risco
Dentre os riscos associados ao desenvolvimento do câncer de pâncreas, o oncologista alerta quanto ao tabagismo, etilismo, obesidade, histórico familiar/síndromes hereditárias, diabetes mellitus e também a pancreatite crônica.
“No caso da obesidade, que é um marco presente na sociedade atual, a condição possui relação com diversos problemas de saúde, inclusive o câncer de pâncreas. Contudo, é possível reverter esse quadro uma vez que o fator é modificável”, explica.
Ou seja, perder 10% do peso já reduz riscos para a saúde, como indica um estudo publicado no Journal of Endocrinological Investigation, realizado pela Universidade de São Paulo (USP).
Estima-se que entre 5% e 10% dos adenocarcinomas de pâncreas sejam de origem hereditária estando frequentemente associados a síndromes genéticas. Segundo o Inca, é possível identificar fatores de risco hereditários e não hereditários para o desenvolvimento do câncer de pâncreas – sendo que apenas algo em torno de 10% a 15% dos casos decorre de fatores de risco hereditários, incluindo síndromes de predisposição genética como:
– câncer de mama e de ovário hereditários associados aos genes BRCA1, BRCA2 e PALB2;
– síndrome de Peutz-Jeghers
– síndrome de pancreatite hereditária
Já os fatores de risco não hereditários incluem o tabagismo; o excesso de gordura corporal (sobrepeso e obesidade); diabetes mellitus; e pancreatite crônica não hereditária. “Os fatores de risco não hereditários são passíveis de modificação, pois relacionam-se, em grande parte, ao estilo de vida”, destaca o instituto.
Exposição a solventes, tetracloroetileno, estireno, cloreto de vinila, epicloridrina, HPA e agrotóxicos também tem associação com o câncer de pâncreas. Agricultores, trabalhadores de manutenção predial e da indústria de petróleo são os grupos mais exposição a essas substâncias e apresentam risco aumentado para o desenvolvimento da doença.
Sinais e sintomas
Na fase inicial da doença, o câncer de pâncreas não costuma indicar sinais ou sintomas. Mas, segundo o oncologista João Paulo Fogacci de Farias, conforme ocorre o aumento do tumor e/ou quando há disseminação da neoplasia para outras partes do corpo, iniciam-se os sintomas.
Alguns fatores merecem atenção e a procura de um especialista para a investigação correta. Os sinais e sintomas mais comuns do câncer de pâncreas são fraqueza, perda de peso, falta de apetite, dor abdominal, urina escura, icterícia (olhos e pele de cor amarela), náuseas e dores nas costas. Também pode causar trombose venosa profunda (identificação de um coágulo sanguíneo, geralmente em uma veia principal) e piora abrupta de um diabetes já antigo.
Essa variedade de sinais e sintomas, entretanto, não são específicos do câncer de pâncreas – e esse é um dos fatores que colabora para o diagnóstico tardio da doença.
Vale chamar atenção para o diabetes, que tanto pode ser um fator de risco para o câncer de pâncreas, como uma manifestação clínica que antecede o diagnóstico da neoplasia. Assim, o surgimento recente de diabetes em adultos pode ser uma eventual antecipação do diagnóstico do câncer pancreático”, alerta o Inca.
Detecção precoce
A detecção precoce de qualquer tipo de câncer é uma estratégia utilizada para encontrar tumores em fase inicial e, assim, possibilitar maior chance de tratamento bem sucedido.
A detecção precoce, de acordo com o Inca, pode ser feita por meio de exames clínicos, laboratoriais, endoscópicos ou radiológicos de pessoas com sinais e sintomas sugestivos da doença, ou mesmo de pessoas sem sinais ou sintomas, mas que pertencem a grupos com maior chance de ter a doença.
Não há evidência científica de que o rastreamento do câncer de pâncreas traga mais benefícios do que riscos e, portanto, até o momento, ele não é recomendado”, destaca o instituto.
Diagnóstico precoce
Já o diagnóstico precoce desse tipo de câncer é possível em apenas parte dos casos, já que a maioria dos pacientes só apresenta sinais e sintomas em fases mais avançadas da doença. Em apenas 10% e 15% dos casos o diagnóstico se dá em estágios iniciais, uma vez que a doença costuma ser assintomática no começo. “Essa questão, infelizmente, recorre frequentemente no descobrimento tardio da neoplasia”, comenta João Fogacci.
Segundo o Inca, não existem sinais ou sintomas específicos cuja presença seja sinônimo de diagnóstico de câncer de pâncreas. Exames de imagem, como ultrassonografia (convencional ou endoscópica), tomografia computadorizada e ressonância magnética, são métodos utilizados no processo diagnóstico.
Além disso, exames de sangue, incluindo a dosagem do antígeno carbohidrato Ca 19.9, podem auxiliar no raciocínio diagnóstico. O laudo histopatológico, obtido após biópsia de material ou da peça cirúrgica, define o diagnóstico.
Exames complementares
Após a suspeita diagnóstica, a investigação é fundamental para que o início do tratamento ocorra. “Quanto antes o câncer for descoberto, maiores são as chances de cura através do tratamento precoce. Por isso, caso note algo fora do normal, não hesite em procurar um médico”, aconselha o oncologista.
O primeiro passo é a realização de um exame físico e também a coleta de dados do paciente, sobre seu histórico familiar e também pessoal. Com isso, ele será submetido a exames complementares, como os laboratoriais (de sangue), de imagem (tomografia computadorizada, ressonância e PET Scan), angiografia (exame de imagem específico para a visualização da relação dos vasos sanguíneos com o tumor) e biópsia.
O tratamento para o câncer de pâncreas depende do laudo histopatológico (que define o tipo de tumor), da avaliação clínica do paciente e dos exames. O estado geral em que o paciente se encontra no momento do diagnóstico, de acordo com o instituto, é considerado fundamental no processo de definição terapêutica.
Tratamento com quimio antes da cirurgia
Após a confirmação do câncer de pâncreas, em estágio inicial, o oncologista reforça que tanto a cirurgia, como a quimioterapia, são de igual importância. “Caso o paciente tenha condições para realizá-las, ambos os procedimentos serão necessários.
Nas últimas décadas, a cirurgia oncológica teve um grande avanço através de técnicas minimamente invasivas, o que leva a recuperação e reabilitação mais rápida do paciente. A cirurgia robótica em câncer de pâncreas é promissora, porém, estudos estão em andamento para comprovar sua segurança”, explica.
A cirurgia, único método capaz de oferecer chance curativa, é possível em uma minoria dos casos, pelo fato de, na maioria das vezes, o diagnóstico ser feito em fase avançada da doença. Nos casos em que a cirurgia não é apropriada, a radioterapia e a quimioterapia são as formas de tratamento, associadas a todo o suporte necessário para minimizar os transtornos gerados pela doença”, explica o médico.
Uma tendência atual nos casos de doença localizada no pâncreas (apenas estágio inicial) é de realizar a quimioterapia antes da cirurgia. “Estudos mostram que até 50% dos pacientes podem não se recuperar a tempo após a cirurgia de pâncreas para iniciar o tratamento quimioterápico. Além disso, a inversão da ordem pode promover melhores resultados no controle da doença, pois, consequentemente, pode reduzir o tumor e posteriormente facilitar sua remoção”.
Contudo, entre 70% e 80% dos casos ainda são diagnosticados em estágio avançado e inoperável, reduzindo muito a probabilidade de cura através dos tratamentos ainda é baixa. Em casos como esse, o objetivo é oferecer o maior conforto possível ao paciente, além dos cuidados paliativos para a diminuição dos sintomas.
Prevenção
A melhor forma de se prevenir o câncer de pâncreas, segundo o Inca, é assumir um estilo de vida saudável, incluindo as seguintes orientações:
– evitar a exposição ao tabaco da forma ativa e passiva;
– manter o peso corporal adequado, já que o excesso de gordura corporal (sobrepeso e obesidade) também são fatores de risco para desenvolver diabetes, que aumenta o risco para câncer de pâncreas.
Como forma de prevenir o risco do desenvolvimento do câncer pancreático, o oncologista cita cuidados importantes para serem colocados em prática. “Evitar o consumo de bebidas alcoólicas, praticar atividades físicas regularmente, ter uma dieta equilibrada rica em frutas, vegetais e grãos integrais, manter um peso saudável e parar de fumar são pontos fundamentais para adotar na rotina. Ficar atento ao histórico familiar e na dúvida buscar orientação médica especializada”.
Avanços tecnológicos
Apesar de ser considerado uma doença grave e com diversos impactos físicos e psicológicos para os pacientes, o cenário tem sido modificado e cada vez mais otimista quanto aos avanços tecnológicos e estudos na área.
Até 2010, por exemplo, pouco se sabia sobre o comportamento da neoplasia. Com o passar dos anos, avanços como classificações moleculares criadas pioneiramente por Colisson et al seguido por Moffit et al lançaram uma luz, principalmente para dois subtipos moleculares de adenocarcinoma, o clássico e o basal, este último mais agressivo menos responsivo a terapias convencionais.
A reversão da alta letalidade do câncer de pâncreas é uma questão de tempo, pois o panorama geral é de bastante esperança. O esforço internacional para a personalização de terapias é enorme e logo poderão ser colocadas em prática para diminuir a letalidade do câncer de pâncreas”, finaliza Fogacci de Farias.
Da Agência Brasil, com Assessorias