No Brasil, o aborto é considerado legal em casos de gestação decorrente de estupro, risco de vida à gestante e anencefalia fetal. Em todos os outros casos, o aborto é ilegal. Apesar da proibição, os índices de aborto cometidos em situação que colocam em risco a vida das mães é alarmante e se tornou um problema de saúde pública. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto 2021, estima-se que 5 milhões de mulheres tenham feito aborto em todo o país. A proporção é de que uma em cada sete já fez o procedimento até os 40 anos de idade.

O tema ainda é muito polêmico e cercado por tabus e preconceitos de ordem moral e religiosa. Das mulheres que já realizaram aborto, 81% têm religião. O dado sugere que, mesmo com suas crenças, consideram ser mais urgente resolver a gravidez por não desejarem dar à luz a uma criança que não querem naquele momento. O estudo indica que muitas das mulheres têm religião de linha conservadora e, mesmo assim, fazem o aborto, ainda que não compartilhem a decisão com outras pessoas. Para movimentos a favor da legalização, a atitude revela hipocrisia.

A descriminalização do aborto é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que defende que seja um direito de todas, sem limite de idade gestacional, e que se opte preferencialmente pelo aborto medicamentoso, com misoprostol e mifepristona, proibido no Brasil. O Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe traz à tona uma realidade que afeta diariamente milhões de mulheres especialmente no Brasil.

São casos como o da designer Ísis (o nome da entrevistada foi trocado para preservar sua identidade). Ela tinha 39 anos e saía há um mês com seu companheiro, apesar de o conhecer há anos, quando descobriu a gravidez indesejada. O relacionamento era tão recente quanto o emprego que conseguira. Pela lei que vigora hoje no Brasil, Ísis não poderia realizar um aborto. Ela chegou a tomar a pílula do dia seguinte para evitar a gravidez, mas não funcionou.

A ajuda chegou por meio de pessoas de sua confiança, em sua maioria mulheres que indicaram contatos para a compra de substâncias abortivas. Ísis também consultou um médico para saber como deveria tomar o medicamento, que adquiriu com dinheiro guardado na poupança, e para conhecer os riscos. Ela contou com o apoio do companheiro, que teve receio de que ela morresse ou ficasse com sequelas após o procedimento.

“Também conheço uma moça que, mesmo tendo dinheiro, quase não conseguiu abortar. Ela estava grávida de gêmeos. Só soube quando foi verificar no exame transvaginal”, contou Ísis à ‘Agência Brasil’.

Segundo ela, o aborto de um dos fetos não foi feito com sucesso e que ela precisou recorrer a doses de mifepristona, que obteve por meio de um coletivo feminista. “Eu não estava preocupada em morrer, estava preocupada em parir sem ter planejado. Eu tinha pouquíssimo tempo no emprego. Imagina a confusão”, afirma.

Julgamento moral: ‘aborto que mata é o clandestino’

Participantes do Festival Pela Vida das Mulheres caminham do Museu Nacional da República até o Supremo Tribunal Federal (STF) – Foto: Divulgação

Para a médica ginecologista e obstetra Helena Paro, a postura de profissionais mais conservadores quanto ao direito ao aborto em qualquer circunstância é um elemento que gera negligência em consultórios e hospitais, estendendo-se até mesmo às pacientes que estão respaldadas pela lei.

A médica trabalha há cerca de seis anos com aborto legal e afirma que a atividade devolveu a ela “o sentido da vida”, pois se sente bem ao ajudar jovens. Helena citou uma paciente atendida há poucos dias que engravidou após ser vítima de estupro. Ela conta que, se a jovem mantivesse a gestação que não queria e nem programou para ter, reduziria a quase zero as chances de realizar o sonho de cursar arquitetura.

“O sofrimento maior é o do estigma e o de morrer na clandestinidade”, resume a profissional, que é professora de Medicina e integrante do Nuavidas, do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.

Helena afirma que grupos contrários à descriminalização pressionam quem é a favor e, no seu caso, apresentam questionamentos a órgãos públicos.

“A gente tem um Estado laico, mas também uma cruz nas paredes dos salões das sedes dos Poderes”, afirma, fazendo referência ao símbolo colocado nesses locais e à interferência do cristianismo na tomada de decisões e na proposição de leis. A ginecologista argumenta que “o aborto que mata é o clandestino”.

Perigos e barreiras

Os movimentos feminista e mulherista chamam a atenção para o fato de que o aborto clandestino coloca as mulheres em situação de maior vulnerabilidade e, por essa razão, defendem que se trata de uma questão de saúde pública. Essa associação pode ser observada por meio de outro dado da pesquisa nacional: 43% delas precisam ser hospitalizadas após o procedimento.

O risco do aborto feito de modo improvisado, sem a proteção legal e, portanto, sem assistência adequada de profissionais de saúde, pode levar à morte e, nesse cenário, a maioria é negra. De acordo com o mais recente levantamento oficial do país, 64% das mulheres que perderam a vida após tentar fazer um aborto não especificado – termo mais usado para os abortos clandestinos – tinham esse perfil, tendo como base o intervalo de 2012 a 2021. De 2012 a 2019, mais de 192 mil mulheres foram internadas após abortos não especificados ou após a tentativa dar errado.

A advogada Letícia Vella, do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, avalia que, se a mentalidade do país fosse outra, o acesso seria mais fácil até para quem tem, atualmente, direito a fazer um aborto. “As barreiras são inúmeras”, observa.

Ela citou, entre essas barreiras: poucos serviços que oferecem consultas para que se chegue à possibilidade de realização do procedimento; objeção de consciência por parte dos profissionais; limite de idade gestacional; autorização judicial, quando não é necessária; e desconfiança na palavra das mulheres. Citou ainda tentativas de verificar a compatibilidade da idade gestacional com a época da violência (estupro) e a desconsideração de doenças crônicas.

Mulheres negras são mais vulneráveis ao aborto no Brasil

Esta semana, um estudo revelou que mulheres negras apresentam uma probabilidade 46% maior de fazer um aborto, em todas as idades, com relação às mulheres brancas. Isto significa que para cada 10 mulheres brancas que fizerem aborto, haverá 15 mulheres negras, aproximadamente, na mesma situação. A pesquisa indica que a estimativa para o período 2016 a 2021 é de que, aos 40 anos de idade, uma em cada cinco mulheres negras e uma em cada sete mulheres brancas terá feito um aborto.

Esses dados estão presentes em um estudo recente publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Trata-se de uma análise com perspectiva de raça da Pesquisa Nacional de Aborto, realizada nos anos de 2016, 2019 e 2021. Quando observadas detalhadamente, as desigualdades raciais são consistentes no tempo: têm a mesma direção em todas as edições da pesquisa, em todas as combinações possíveis, e se mantêm quando se usam diferentes métodos.

O estudo foi feito com coautoria de Emanuelle Góes, pesquisadora associada do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), e de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de Columbia (EUA).

“O problema fundamental é que o aborto é tratado como um crime. A criminalização restringe o acesso das mulheres ao sistema de saúde antes do aborto, pois não é disponível, e depois do aborto, por medo de denúncias e represálias. Não é fácil imaginar qualquer outra proibição que tenha a mesma magnitude na restrição do direito à saúde da população brasileira”, explicam os autores do estudo.

Com o título Aborto e raça no Brasil, 2016 a 2021, o artigo reforça que a criminalização restringe o acesso das mulheres ao sistema de saúde antes do aborto, pois não é disponível e, depois do aborto, por medo de denúncias e represálias.

“Existem desigualdades raciais em todas as edições da Pesquisa Nacional de Aborto. São sempre as mulheres negras que mais realizam abortos. São sempre as mulheres negras as mais vulneráveis ao aborto e consequentemente ao aborto inseguro. Então, esse resultado vai se somar a outras pesquisas sobre as desigualdades raciais nos direitos reprodutivos, pois as mulheres pretas e pardas são as que mais morrem com procedimentos inseguros. Esse é um debate importante que aponta para a necessidade da descriminalização”, avalia Emanuelle Góes.

De acordo com os pesquisadores do estudo, a criminalização tem três implicações. Primeiro, impede que as mulheres acessem os serviços de saúde público e privados para realizar aborto e, por isso, faz com que as mulheres usem métodos inseguros para abortar, o que as expõem a riscos importantes e desnecessários, pois os métodos de aborto recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) são simples e seguros.

Em segundo lugar, as complicações do aborto inseguro não recebem tratamento, pois as mulheres temem denúncias. De acordo com o artigo, a criminalização faz com que um volume imenso de mulheres evite exercer seus direitos de tratamento independentemente das causas do problema de saúde por medo de represálias.

Por fim, impede a prevenção do aborto. “Por um lado, a criminalização impede a discussão do tema nos ambientes adequados. Discutir aborto pode ser visto como apologia ao crime e só isso basta para conter discussões positivas que resultariam em prevenção. Por outro lado, a criminalização não permite que o sistema de saúde dê atenção adequada às mulheres de modo a evitar o aborto de repetição”, diz a Fiocruz.

Fonte: Agência Brasil e Agência Fiocruz

Tema polêmico entre evangélicos e movimentos de esquerda

A descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, que começou a ser julgada virtualmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na madrugada do dia 22 de setembro, é tema polêmico tanto entre grupos mais conservadores que se opõem à legalização, como os evangélicos, quanto entre movimentos de esquerda e mais progressistas. 

A presidente do STF, ministra Rosa Weber, é relatora do processo e registrou, na sexta-feira (22), o voto a favor de que a prática não seja considerada crime. O voto da ministra favorável à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que prevê a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, reconhece o aborto como uma questão de saúde pública e reprodutiva da mulher. O ministro Luís Roberto Barroso pediu que o julgamento fosse suspenso e levado ao plenário físico. A nova data ainda não foi marcada.

Na América Latina, diversos países já legalizaram o procedimento. Em 2012, enquanto o Brasil ainda decidia se o aborto de anencéfalos era crime ou não – o STF decidiu que não -, o Uruguai já legalizava a prática, independentemente da situação da gestante e da concepção. Em 2020, 2021 e 2022, a Argentina, o México e a Colômbia, respectivamente, se juntaram ao Uruguai.

Agenda Positiva

Nova lei e protesto em São Paulo

Na região metropolitana de São Paulo, a pauta ganhou destaque neste mês. A Câmara Municipal de Santo André promulgou a Lei nº 10.702, proibindo que qualquer órgão da administração local, direta ou indireta ou autarquia “incentive ou promova a prática do aborto”. O Artigo 128 do Decreto-lei nº 2.848 diz que não se pune o médico que executa o procedimento para salvar a gestante e em caso de estupro da mulher. A Lei nº 10.702 foi uma proposta do vereador Márcio Colombo (PSDB).

Neste Dia de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto na América Latina e Caribe, a Frente de São Paulo contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto convoca partidos, movimentos e coletivos para ato unificado a favor da pauta. A concentração começa às 17h no vão do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). 

Palavra de Especialista

Direito ao aborto como direito à vida da nossa comunidade

Por Rosangela Hilário e Maria Ribeiro*

O dia 28 de setembro, dedicado à Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe, convida ao enfrentamento das notícias levadas à público, por meio das estatísticas disponíveis, e que representam um cenário estarrecedor.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 informa que mulheres negro-brasileiras lideram rankings de feminicídio, violência doméstica e perda das crias e/ou dos companheiros; tudo em função do bem-sucedido projeto de genocídio da população negra. É a radiografia do aborto no país, com avanços e retrocessos que nos emprestam uma medida da ideia que fazemos sobre “civilidade”.

Dados do Ministério da Saúde, levantados entre 1996 e 2018, revelam terem sido notificados 1.896 óbitos relacionados ao aborto, sendo o maior risco de morte reservado para mulheres negras e indígenas, de baixa escolaridade, com mais de 40 anos ou menos de 14 anos de idade, moradoras das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e que não vivem um relacionamento conjugal.

E a razão deste cenário podem ser algumas palavras-chaves mobilizadas pela ministra Rosa Weber, presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), na circunstância do seu voto em favor da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas de gestação.

De acordo com a ministra, o tema do aborto deve ser restituído ao “comum da vida reprodutiva da mulher”, considerando o seu desejo de gestar, parir e cuidar da criança. E, tudo dito, para além dos evidentes prejuízos trazidos pelo ato de gestar, parir e cuidar de uma criança num território nacional que conta índices aviltantes de violência obstétrica.

A tudo isso é preciso incluir desde a oferta de pré-natal inadequado à peregrinação até uma maternidade e culminando com a recusa de evidências científicas e direitos previstos em lei; abandono paterno, 11 milhões de mulheres educam sozinhas seus descendentes, sendo 90% autodeclaradas negras; e a vasta lista de negligências  que, organizadas lado a lado, diagnosticam condições materiais de existência, como adensamento excessivo — quando mais de três pessoas utilizam o mesmo cômodo como dormitório — e falta de acesso à esgoto, coleta de lixo e abastecimento de água.

Cabe aqui rememorar que a associação entre a administração pública e o fundamentalismo religioso tem autorizado o assassinato de gestantes cujos óbitos decorrem da impossibilidade de arcar com os custos financeiros do aborto bem assistido. Que projeto civilizatório estamos endossando quando endereçamos às mulheres negras um tipo de cuidado que as mata ou as estigmatiza quando sabemos que a descriminalização diminuirá a desinformação e a prática do aborto?

* Rosangela Hilário é coordenadora da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC), conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República e Professora Permanente do PPGEduc/UNIR. Maria Ribeiro é professora no Programa de Pós-Graduação em Humanidades Direitos e Outras Legitimidades (FFLCH/USP) e integrante da RBMC.

Fonte: Agência Bori

Dia Nacional da Doença de Huntington

Simpósio em São Paulo vai esclarecer sobre epidermólise bolhosa

A Associação de Apoio aos Portadores de Epidermólise Bolhosa do Estado de São Paulo (AAPEB) realizará o Simpósio AAPEB no dia 14 de outubro, em Itapecerica da Serra (SP).

O evento terá palestras com médicos e profissionais com grande conhecimento sobre o tema. Serão abordadas questões como: “Suplementação e Cicatrização”, “Cuidado bucal e indicação de laser”, “Indicação de ozonioterapia para pessoa com epidermólise bolhosa”, “Identificação de biofilme e cuidados”, “Introdução alimentar, alimentação ideal para cicatrização e constipação”, entre outros.

As inscrições custam R$ 40 e devem ser feitas até quarta-feira (20/09), pela página do simpósio na plataforma even3. O evento ocorrerá das 9h às 17h, no Hotel Terras Altas, rod. Régis Bittencourt, Km 292 – 5, 3.700, Potuvera, Itapecerica da Serra, SP.

Mais informações: www.even3.com.br/simposio-aapeb2023/.

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