A recente tragédia ocorrida em Itaperuna (RJ) que chocou o país, em que um adolescente de 14 anos matou o pai, a mãe e o irmão de apenas 3 anos, chama mais uma vez a atenção para os perigos da internet, uma terra sem lei. O autor confesso dos atos infracionais análogos aos crimes de triplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver – compartilhava com a namorada uma rotina virtual  marcada por violência, manipulação e simbologias mórbidas

Segundo o delegado Carlos Augusto Guimarães, que conduz a investigação, os materiais analisados pela perícia reforçam a premeditação do crime e revelam que a jovem de 15 anos apreendida esta semana em Água Boa (MT) atuou como cúmplice da tragédia familiar, mesmo estando a quase 1.800 km de distância. “É possível perceber a exposição a conteúdos violentos. Precisamos monitorar os jovens o tempo todo nas redes sociais”, alertou o delegado.

Outras histórias recentes que ganharam bastante repercussão também ilustram a gravidade do tema e a necessidade urgente de se discutir saídas para esse grave problema que ameaça a vida de crianças e adolescentes e põe toda a sociedade em estado de alerta.

Um destaque recente foi a série de ficçãoAdolescência’, da Netflix, que impactou o público em todo o mundo ao retratar o assassinato de uma colega de escola por um menino de 13 anos, evidenciando os mecanismos de cooptação e radicalização expostos no ambiente digital. Em abril deste ano, aqui no Brasil, a morte de Sara Raíssa Pereira, de 8 anos, após participar do “desafio do desodorante” no TikTok, comoveu o país.

Também recentemente, o Brasil acompanhou o lançamento do livro Aconteceu com Minha Filha, que revela a urgência do debate sobre os efeitos das redes sociais na saúde mental de adolescentes. O livro é uma história real e narra a luta do pai para resgatar a filha adolescente mergulhada em comunidades virtuais ligadas à autolesão, manipulação emocional e isolamento.

Vida e Ação, por meio das suas editorias Família e Mente Saudável, reafirma o compromisso com esse tema e mais uma vez, reforça a série ‘Adolescentes’ não somente para ouvir profissionais e especialistas em saúde mental, mas também iniciativas da sociedade civil organizada, voltadas a discutir soluções que ajudem as famílias brasileiras a enfrentar esta situação que parece não ter fm.

Hoje, destacamos o projeto Cria Coragem, uma iniciativa do Instituto Çarê voltada à prevenção e erradicação ativa da violência sexual infantojuvenil. Plataformas sem lei, algoritmos que moldam o ódio, abusos que começam no terceiro clique são abordados no episódio final do podcast Cria Histórias, que estreia nesta terça-feira (1/7). A equipe da Cria Coragem investiga como o território digital virou um dos principais espaços de violação de direitos na vida de crianças e adolescentes, e o que fazer diante disso.

Com depoimentos de jovens, especialistas e educadores, o episódio “Onde Conecta?” mostra como redes sociais, jogos online e algoritmos afetam a saúde mental, a segurança e a construção de identidade de meninas e meninos. Saiba mais abaixo:

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Radicalização da extrema-direita começa aos 11 anos, diz pesquisadora

Em entrevista ao podcast, a pesquisadora Flávia Gasi aborda as estratégias de manipulação, recrutamento e exploração em curso nas plataformas, revelando como a cultura gamer foi capturada por lógicas machistas e racistas: “O começo da radicalização da extrema-direita acontece aos 11 anos. Você chega em conteúdo extremista em apenas três vídeos, a partir de buscas como Roblox ou Minecraft.”

O educador e designer de jogos Rafael Braga viveu isso na pele. “Era madrugada, eu e o cara ficamos sozinhos no servidor. Foi aí que ele começou a me cooptar, elogiando Hitler e me passando conteúdo. Era um adulto. E eu, um menino.” Hoje, Rafael trabalha com jovens da periferia usando o game como ferramenta de educação crítica.

Jorge André Barreto, investigador da Polícia Civil, detalha como os criminosos migraram da deep web para plataformas abertas, como TikTok e Kwai. “Eles acharam uma forma de fácil contato com essas crianças. Sugerem danças, muitas delas supervisionadas com os pais, vestes, tipos de roupas e essas crianças vão produzindo essas imagens, querendo ganhar like, divulgação, notoriedade. Os abusadores capturam esse material e transformam em conteúdo de abuso.”

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‘A saída não é o silêncio’: soluções para enfrentar o problema

O episódio aborda ainda os impactos das redes sociais na autoestima de meninas, os riscos do aliciamento digital, os desafios da regulação das plataformas e a urgência de educar para o uso crítico da tecnologia.

Luiza Akimoto, que conduz a narrativa, aponta que, apesar dos riscos, a internet pode ser ferramenta de reinvenção: “Já sabemos da potência da internet para fazer a manutenção do sistema, mas cadê as revoluções, as contra-narrativas?”, provoca. Na sequência, o episódio aponta práticas ancestrais, tecnologias comunitárias e redes de afeto como possíveis antídotos.

A jornalista e pesquisadora Juliana Gonçalves aborda essas alternativas no episódio, apresentando o conceito de “Bem Viver” como prática de reconexão com o coletivo e a dignidade.

O corpo tem tudo o que a natureza tem. Cuidar das infâncias é cuidar do tempo, da saúde, do descanso. Não existe Bem Viver possível se as crianças seguem adoecidas.” E completa: “A internet pode ser também espaço de encontro, de acolhimento e de descoberta da identidade, desde que as potências do coletivo sejam fortalecidas”.

Um exemplo é o projeto que Rafael Braga desenvolve. “A gente vai hackeando o sistema. Criamos nossa própria cultura digital, com as ferramentas que temos. Isso faz do Brasil um lugar riquíssimo em ideias, em imaginário. O tambor, o pincel, o game, tudo isso são tecnologias. Cada povo desenvolve sua técnica, sua cosmo-técnica. E é nelas que a gente pode encontrar saída, pertencimento e futuro”.

E a saída não é o silêncio, mas o enfrentamento coletivo, a escuta ativa e o fortalecimento de vínculos. “Quanto menos a gente fala sobre violência, mais ela se perpetua em silêncio. Precisamos parar de deixar que instrumentalizem o medo das crianças. Uma criança que entende seu medo e atua no mundo é uma criança com potências infinitas”, como afirma a pesquisadora Flávia Gasi.

Também participam das entrevistas a psicóloga clínica Anna Lucia Spear King e os estudantes João Juliete, Diogo Carvalho, Maria Fernanda Barbosa Bina e Mirelly Sant’Anna. 

Ouça o episódio e acesse os materiais complementares, como imagens, vídeos e bibliografia indicada em: https://criacoragem.com.br/podcast/

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Sobre o podcast Cria Histórias

Cria Histórias é uma série em áudio que propõe recontar a história do Brasil a partir das experiências de crianças e adolescentes. A primeira temporada é composta por quatro episódios temáticos: criação coletiva, trabalho infantil, resistência estudantil e experiências no território digital. A série combina entrevistas, trilha sonora original e materiais educativos que podem ser utilizados por educadores, agentes públicos e profissionais da rede de proteção.

A proposta é dar visibilidade a histórias reais, pouco conhecidas, que revelam a força e a complexidade das infâncias brasileiras diante das violências e desigualdades históricas. “Acreditamos que, para mudar a realidade das infâncias, é preciso, antes, mudar nossa concepção sobre ela”, afirma Alícia Peres, diretora da Cria Coragem e do podcast.

O objetivo é apoiar e construir novas narrativas sobre as infâncias, com foco na prevenção e erradicação ativa da violência sexual infantojuvenil. A produção é assinada em parceria com a Bruta Mirada e tem apoio do Instituto Galo da Manhã.

O Cria Coragem atua de forma multicanal e transmídia, criando pontes entre diferentes públicos por meio de conteúdos que promovem infâncias protegidas, potentes e felizes, a fim de transformar a forma como a sociedade concebe e cuida das crianças e adolescentes”, explica Alícia.

Onde ouvir

A primeira temporada da série Cria Histórias está disponível nas principais plataformas de áudio, como Spotify, Apple Podcasts, Deezer, Google Podcasts, e no site oficial do Cria Coragem.

Classificação indicativa: 16 anos.

Saiba mais no Instagram @somoscriacoragem

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