A taxa de mortalidade materna entre mulheres negras é superior a de mulheres brancas em mais que o dobro, de acordo com o relatório submetido pela Anistia Internacional à Organização das Nações Unidas (ONU). A cada 100 mil nascidos vivos, houve 100,38 mortes de mães negras em comparação com 46,56 mortes de mães brancas. Para mulheres pardas, a taxa foi de 50,36.

Esses números foram revelados pela Pesquisa Nascer no Brasil II: Inquérito Nacional sobre Aborto, Parto e Nascimento, realizada com base em dados do Ministério da Saúde de 2022, em colaboração com a Fiocruz. De acordo com os Ministérios da Saúde e da Igualdade Racial, a mortalidade materna por hipertensão arterial, por exemplo, aumentou 5% entre mulheres pretas no período de 2010 a 2020.

Do ponto de vista pré-natal, mulheres pretas e pardas também enfrentam maiores taxas de desassistência, começam o acompanhamento pré-natal mais tardiamente e realizam um número menor de consultas e exames durante o processo. Elas têm ainda menor vínculo com a maternidade onde darão à luz e enfrentam uma maior peregrinação para ter acesso aos serviços de saúde – fatores contribuem para as maiores taxas de mortalidade e de casos graves entre as populações de cor preta e parda.

Os dados acendem um sinal vermelho neste Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna (28 de maio), que alerta a sociedade sobre a importância de debater o tema e promover políticas públicas de assistência e acolhimento que garantam o bem-estar materno e fetal. A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) aproveita a data para reforçar a importância do olhar para a saúde da mulher negra no Brasil.

Como o racismo estrutural influencia na mortalidade materna

Para o presidente da Comissão Especializada em Perinatologia da Febrasgo, Conrado Coutinho, os principais fatores que contribuem para as maiores taxas de mortalidade materna entre as mulheres negras estão no contexto de desigualdade socioeconômica e as particularidades decorrentes do racismo estrutural, ainda presente no País.

Ele explica que, de forma geral, as mulheres pardas e negras tendem a residir em áreas com menor poder econômico e em localidades mais remotas, onde o acesso aos serviços de saúde costuma ser mais limitado. Segundo o especialista, essas disparidades não podem ser atribuídas somente à cor da pele, mas sim às diferenças socioeconômicas entre os grupos.

No âmbito dos cuidados obstétricos, em comparação com outros grupos, elas têm taxas mais elevadas de internação para atenção ao aborto, são geralmente mais jovens, têm menor nível de escolaridade, menor participação no mercado de trabalho remunerado, maior probabilidade de estar em situação conjugal sem parceiro, maior número de gestações e maior incidência de complicações hipertensivas.

“Devemos também enfatizar o cuidado no puerpério para combater a mortalidade materna não apenas entre mulheres negras, mas em todas as mulheres. É importante reconhecer que as mulheres negras enfrentam problemas específicos, mas também existem outras questões associadas, incluindo a mortalidade em diferentes faixas etárias, como entre as jovens. “, concluiu Roseli Nomura, diretora administrativa da Febrasgo.

Segundo ela, o problema não se restringe ao momento do parto, mas envolve todo o cuidado desde a atenção pré-natal até o acompanhamento pós-parto na Unidade Básica de Saúde (UBS) e o encaminhamento para serviços de saúde mais especializados quando necessário. “É essencial que tenhamos uma visão abrangente de toda a cadeia de cuidados de saúde para alcançarmos resultados efetivos”, disse.

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Estratégias para a redução da mortalidade

O presidente da Comissão enfatiza a importância da transversalização da temática étnico-racial em todas as ações, programas e iniciativas promovidas ou apoiadas pelo Ministério da Saúde, e reforça a necessidade de promover ações afirmativas na composição da força de trabalho em todos os níveis, assim como a capacitação contínua para a promoção do antirracismo.

“É essencial que haja uma crescente inclusão de profissionais negros e pardos nas equipes assistenciais multidisciplinares de saúde, que compreendam as dificuldades e necessidades específicas dos cuidados obstétricos nessas populações”, comenta Coutinho.

Para o médico, é necessário proporcionar educação continuada permanente, com foco nos aspectos relacionados à etnia e à violência de gênero, para gestores e profissionais de saúde, a fim de qualificar o acesso e o acolhimento das demandas das mulheres negras nos diversos serviços de saúde.

“Também é de suma importância fortalecer o monitoramento dos dados pré-natais e dos resultados gestacionais dessas diferentes populações, com auditoria regular dos resultados e reeducação das equipes, visando aprimorar os processos”, conclui.

Condições socioeconômicas dificultam cuidados no pré-natal

Roxana Knobel, médica especializada em ginecologia e obstetrícia, destaca a importância do diálogo humanizado e centrado na paciente para prevenção e redução da mortalidade materna. A médica sublinha a necessidade de uma abordagem cuidadosa ao discutir como evitar as mortes maternas.

“Muitas vezes, a responsabilidade é erroneamente atribuída à mulher, como se ela não tivesse procurado ajuda a tempo ou não tivesse seguido as recomendações médicas. No entanto, é crucial reconhecer que esses fatores estão frequentemente ligados às condições socioeconômicas e ao papel da mulher na sociedade”, explica.

Por exemplo, uma mulher pode faltar a uma consulta médica porque não pode deixar o trabalho ou porque não tem com quem deixar os filhos. Além disso, pode não seguir a prescrição médica por falta de acesso ao medicamento.

Segundo a especialista, para enfrentar esses desafios, os profissionais de saúde devem oferecer um atendimento centrado na pessoa, compreendendo a realidade socioeconômica e cultural da paciente além de sua patologia.

“É essencial que a paciente entenda e consinta com todas as condutas e acompanhamentos propostos. Uma comunicação clara, que envolva explicar a necessidade de um medicamento e verificar a compreensão da paciente, é vital,” enfatiza Knobel.

Orientações por escrito e busca ativa de gestantes pela atenção primária são práticas recomendadas. A médica também destaca a importância da comunicação clara e eficaz durante internações e procedimentos. “Toda a equipe de saúde deve documentar rigorosamente o atendimento no prontuário, assegurando a continuidade do tratamento, a proteção profissional e a coleta de dados vitais para o estado.”

O papel do poder público para reduzir as mortes maternas

Ela ressalta, ainda, o papel fundamental do poder público na redução das mortes maternas, melhorando os determinantes sociais, como estabilidade de emprego, acesso a serviços de saúde, creches acessíveis e horários de funcionamento ampliados da atenção primária.

“É função do Estado garantir que todos tenham acesso a todos os níveis de atenção, incluindo transporte e vagas em UTI, bancos de sangue e equipes especializadas,” afirma Roxana Knobel.

A população deve ser informada sobre os benefícios de uma gestação saudável e os riscos associados. As gestantes devem conhecer seus direitos e a sociedade deve se comprometer a garantir que o cuidado obstétrico adequado esteja disponível para todas.

Exemplos importantes incluem a realização de acompanhamento pré-natal, exames de rotina, imunizações durante a gestação, hábitos de vida saudáveis e assistência adequada ao parto e pós-parto, incentivando o parto normal com intervenções somente quando necessário.

Por fim, Knobel cita Fritas Junior, que em seu artigo Mortalidade Materna evitável enquanto injustiça social” de 2020, destaca a necessidade de corrigir as desigualdades de gênero no acesso à educação, cultura e oportunidades, e de valorizar a necessidade de atenção especial à saúde materna.

“É essencial que a sociedade compreenda a morte materna como um problema social evitável e invista na assistência obstétrica adequada,” conclui.

Agenda Positiva

Fórum debate mortalidade materna na população negra 

Racismo estrutural e a assistência à gestante e puérpera negra foram os principais temas abordados no Fórum de Mortalidade Materna da Pessoa Negra, principal destaque do primeiro dia da 29ª Jornada Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. O evento foi realizado pela Febrasgo no último dia 9, em Salvador (BA), uma capital majoritariamente negra.

O painel contou com a participação do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde da Bahia e de várias outras entidades, incluindo o Comitê de Mortalidade Materna do município. Diversos profissionais e indivíduos preocupados com a redução da mortalidade materna estiveram presentes.

A Jornada reuniu cerca de 1.500 especialistas de todo o país e tratou de temas que abrangem desde a prevenção e o diagnóstico precoce de doenças ginecológicas até os avanços em tratamentos obstétricos e questões psicossociais que impactam a saúde da mulher.

Com informações da Febrasgo e Organon

 

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