O Ministério da Saúde adverte: machismo faz mal à saúde – não só dos próprios homens, como de toda a sociedade. É o que concluem pesquisadores e profissionais de saúde que atuam na área, em um evento na véspera do Dia Nacional do Homem, celebrado neste 15 de julho. Durante um seminário que debateu os efeitos do machismo sobre a saúde da população em geral, o psicólogo Fernando Pessoa, que atua na Coordenação de Atenção à Saúde do Homem do MS, foi categórico:

“Evidências científicas demonstram que homens que adotam padrões tradicionais de masculinidade têm mais transtornos mentais, buscam menos os serviços de saúde, têm maiores taxas de suicídio, se envolvem mais em situações de violência – especialmente de violência autoprovocada [autoagressões, tentativas de suicídio e suicídios]. Eles também fazem mais uso prejudicial de álcool e apresentam maior resistência ao uso de preservativos. Consequentemente, apresentam maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis. E também vão ter menor adesão a programas de imunização”, apontou.

Há anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) vêm apontando a necessidade de as sociedades discutirem a masculinidade. E pesquisas acadêmicas e a prática profissional são unânimes ao apontar os malefícios da falsa ideia de que homens devem ser viris, competitivos, provedores e aspirar a uma relativa invulnerabilidade.

A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que “expectativas sociais em relação aos homens — de serem provedores de suas famílias; terem condutas de risco; serem sexualmente dominantes e evitarem discutir suas emoções ou procurar ajuda — estão contribuindo para maiores taxas de suicídio, homicídio, vícios e acidentes de trânsito, bem como para o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis”.

A própria Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, em vigor desde 2009, corrobora a opinião de Fernando Pessoa – não o poeta, mas o psicólogo – ao estabelecer a necessidade de o poder público “promover a mudança de paradigmas no que concerne à percepção da população masculina em relação ao cuidado com a sua saúde e a saúde de sua família”.

Machismo na saúde: adoecer não é fracassar como homem

Na sexta-feira (14), véspera do Dia Nacional do Homem, o psicólogo contou o caso de Jeremias* (nome fictício), durante um seminário organizado pelo Ministério da Saúde para debater o machismo.

Jeremias* é um homem negro, de meia-idade. Convencido de que buscar ajuda seria uma demonstração de fraqueza incompatível com o ideal de masculinidade que concebeu a partir do que lhe foi ensinado ao longo da vida, ele só foi bater às portas de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPs) do Distrito Federal quando, desempregado e vendo as dificuldades se avolumando, admitiu para si mesmo que o sofrimento psíquico que enfrentava tinha se tornado persistente e severo.

Já em tratamento, Jeremias foi entrevistado pelo psicólogo Fernando Pessoa, que fazia sua pesquisa de doutorado entre homens usuários do serviço de saúde mental de Brasília. Pessoa buscava compreender como o machismo interfere na vida dos homens e na saúde de suas respectivas famílias.

Durante uma conversa com Jeremias, o psicólogo percebeu que sua suspeita tinha fundamento: para muitos homens apegados ao modelo hegemônico de masculinidade, o próprio adoecimento é vivenciado como um fracasso pessoal e um fator de enfraquecimento de suas identidades.

“Vários usuários dos CAPs que entrevistei se sentiam à margem deste modelo. O Jeremias, por exemplo, disse: ‘Estou desse jeito porque não sou homem. E não sou homem porque estou deixando faltar coisas. Minha esposa falou: ‘Jeremias, não tenho mais fraldas para os meus filhos’. O que eu faço? Aqui [no CAPs], eu [Jeremias] vejo muito cara batalhador que se sente menos porque não consegue bancar a família; não consegue ser aquilo que esperavam que a gente fosse. E aí a gente começa a se perder’”, relembrou Fernando Pessoa, reproduzindo a declaração de Jeremias, que registrou na sua dissertação.

Voltado principalmente para gestores públicos e profissionais de saúde, o evento também abordou as formas como as políticas públicas podem promover maneiras mais saudáveis de as pessoas vivenciarem as diversas manifestações de masculinidade e feminilidade. A íntegra do vídeo do seminário está disponível no canal do DataSUS no YouTube.

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Dificuldades também em procurar um psicólogo ou psiquiatra

A psicóloga Soraya Oliveira, que atende no centro clínico do Órion Complex, em Goiânia, avalia que a cultura machista ainda hoje é o principal fator para a resistência dos homens em realizar exames e consultas preventivas.

“Ser homem não significa estar imune às doenças. Hoje, com estresse, tabagismo, uso do álcool, mesmo que de forma recreativa, ansiedade, pressão social e política, todas estas são situações que vêm adoecendo a população masculina”, detalha.

Ela salienta que esse descuido da grande maioria dos homens ocorre tanto com a saúde física,  quanto com a mental. “Dentro dessa cultura machista, que ainda é muito forte no Brasil, buscar ajuda psiquiátrica e psicológica é algo visto com preconceito. A grande maioria dos homens dificilmente reconhece que está em depressão, que sofre com crises de ansiedade. A bipolaridade, por exemplo, está cada vez mais comum na população masculina”, explica.

De acordo com a especialista, a síndrome do pânico é mais recorrente entre os homens. “Isso se dá devido ao estresse social, familiar e no trabalho. Contudo, os homens normalmente só procuram ajuda em saúde mental quando acham que vão morrer diante de um ataque de pânico, o desespero os leva aos tratamentos psicológicos e psiquiátricos”, ressalta Soraya Oliveira.

“Os homens no Brasil não vão ao médico o quanto deveriam. Eles precisam entender que procurar a ajuda de profissionais médicos e de saúde mental é perfeitamente natural e que isso não os tornam menos másculos ou fracos”, ressalta a psicóloga Soraya Oliveira.

Do Ministério da Saúde e assessoria

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