Quem nunca chegou numa farmácia do bairro, procurou o farmacêutico de plantão e pediu a prescrição de algum medicamento para uma dor ou outra condição específica? Pois esta prática comum está agora no centro de uma polêmica.
Na última segunda-feira, dia 17, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) publicou Resolução nº 5, que permite que profissionais com formação em Farmácia possam prescrever medicamentos para pacientes, com inclusão de remédios que exigem receita médica (chamados de medicamentos controlados) e até mesmo suspenderem tratamentos prescritos por médicos.
Embora bem vista por boa parte da população – especialmente aquelas pessoas que não têm como pagar uma consulta médica para pedir ou renovar uma receita – a medida está gerando uma onda de preocupação entre os profissionais e entidades médicas.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu uma nota nesta quinta-feira (20) afirmando que a prescrição de medicamentos por farmacêuticos é “absolutamente ilegal e desprovida de fundamento jurídico” e avalia que a prática coloca pacientes em risco. “A prescrição exige investigação, diagnóstico e definição do tratamento, competências exclusivas dos médicos.”
De acordo com o conselho, não há competência em lei que autorize farmacêuticos a prescrever medicamentos de qualquer natureza. “O CFM adotará as medidas judiciais cabíveis contra a resolução. A entidade diz que repudia veementemente uma resolução que coloca a saúde pública em perigo ao permitir que não médicos, sem formação clínica adequada, prescrevam medicamentos. “Trata-se de “uma invasão flagrante das atribuições médicas.”
Diagnosticar doenças e prescrever tratamentos são atos privativos de médicos, formados para tal. Farmacêuticos não possuem treinamento para investigar patologias, definir terapias ou gerenciar efeitos adversos de medicações”.
AMB ameaça ir à Justiça contra o CFF
A Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo) já se manifestaram contra, inclusive com ameaça de ir à Justiça para suspender a resolução.
A AMB demonstra preocupação pois entende que “a prescrição de medicamentos é o ato final de um processo complexo de anamnese, exame físico e de exames subsidiários que permitem o correto diagnóstico das doenças, que só quando concluído e que se pode fazer a receita de um determinado fármaco”. E enfatiza: “cabe aos médicos esta tarefa”.
Ainda de acordo com a nota da associação, “o farmacêutico não tem a formação necessária para prescrever medicamentos, que podem, uma vez prescritos, afetar a saúde do paciente, caso seja utilizado de maneira equivocada”.
A AMB diz que, como entidade médica, está alinhada com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e alegando a necessidade de atuar “com a máxima seriedade e responsabilidade”, anuncia que “tomará todas as providências necessárias para sustar esta decisão tomada pelo CFF com o único propósito de garantir a segurança na prescrição de medicamentos à população”.
Entidade médica alerta: resolução do CFF põe em risco a saúde pública
Primeira a se manifestar, na quarta-feira (19), a Abramepo diz que “a resolução do CFF extrapola as competências legais dos conselhos profissionais, invade o campo de atuação dos médicos, regulamentado pela Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842/2013), e a competência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que tem a premissa legal de regulamentar a prescrição de medicamentos controlados”.
Esta resolução representa um grave risco à saúde pública e à segurança dos pacientes brasileiros. Estamos diante de uma clara usurpação do ato médico por profissionais que não possuem a formação necessária para tais responsabilidades”, afirma o cirurgião Eduardo Teixeira, presidente da Abramepo.
É alarmante e totalmente inaceitável que profissionais sem formação médica estejam sendo autorizados a prescrever medicamentos controlados. Como médicos, somos treinados extensivamente para avaliar o paciente de forma holística, considerando fatores metabólicos, clínicos e potenciais interações medicamentosas”, enfatiza o cirurgião.
Esta resolução não apenas desvaloriza nossa expertise, mas coloca em risco a saúde e a segurança dos pacientes. Questiono: se não é para realizar essa avaliação crítica e tomar decisões complexas sobre tratamentos, qual é então o propósito do médico? Esta situação é um grave retrocesso para a saúde pública brasileira”, afirma.
É fundamental estabelecermos parâmetros legais que protejam a saúde da população e respeitem as competências específicas de cada profissão, levando em conta suas especificidades e formação. A Abramepo está pronta para colaborar na elaboração de propostas que garantam a qualidade e a segurança da assistência à saúde no Brasil,” concluiu Teixeira.
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Direito à prescrição foi conquistado há 12 anos, diz CFF
O plenário do Conselho Federal de Farmácia (CFF) aprovou, no dia 20 de fevereiro deste ano, uma resolução que respalda oficialmente o profissional farmacêutico a prescrever medicamentos categorizados como tarjados e que, em tese, exigiriam receita médica. Na última segunda-feira (17), a resolução foi publicada no Diário Oficial da União e entra em vigor em 30 dias.
Em nota publicada nesta quinta-feira (20), o CFF informou que o direito à prescrição de medicamentos foi conquistado pela categoria há 12 anos.
A prescrição farmacêutica é respaldada pela Lei Federal nº 13.021 de 2014, que determina que o farmacêutico tem a obrigação de estabelecer o perfil farmacoterapêutico dos pacientes, além do próprio acompanhamento farmacoterapêutico.”
O Ministério da Educação estabeleceu, em 2017, que todo farmacêutico deve sair da graduação apto a prescrever terapias farmacológicas ou medicamentos, acrescenta o conselho. “A mesma determinação do MEC garante que o farmacêutico saia da graduação com competências para a realização de anamnese, solicitação e interpretação de exames laboratoriais, entre outras diversas atividades clínicas.”
Para o CFF, a resolução aprovada e publicada este ano não traz “nenhuma novidade” em relação à prescrição em si. “O que o Conselho Federal de Farmácia fez foi aprimorar os instrumentos normativos para a fiscalização e garantir maior segurança para pacientes e profissionais.”
Segundo a entidade, a norma vincula a prescrição farmacêutica ao Registro de Qualificação de Especialista (RQE), mecanismo aprovado em 2025 e recém-adotado pelo CFF para assegurar que os farmacêuticos atuem de acordo com sua formação e especialização.
Agora, a sociedade vai poder consultar quais farmacêuticos são prescritores diretamente no site do CFF, melhorando substancialmente a fiscalização e promovendo o melhor cuidado em saúde.”
Na nota, o CFF destaca que o profissional farmacêutico não pode prescrever todo tipo de medicamento e que sua atuação é limitada à prescrição daqueles que são isentos de prescrição e tarjados, “mediante protocolos ou diretrizes preestabelecidos”.
“Isso garante segurança para a sociedade, pois, diferentemente de outras categorias profissionais que têm liberdade prescritiva (podendo recomendar tratamentos de eficácia questionável como cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina para covid-19 ou ainda medicamentos sem indicação, com doses e/ou posologias fora do padrão), os farmacêuticos somente podem prescrever baseados nas evidências científicas mais robustas.”
Além disso, os farmacêuticos não podem prescrever medicamentos que possuem notificação de receita, como os chamados tarja preta. Ou seja, nenhuma prescrição feita por um farmacêutico será baseada em achismo ou interesses comerciais, mas, sim, na melhor ciência disponível”, completou a entidade.
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