Segundo o relatório da The Lancet, o impacto das demências no mundo tende a dobrar até 2050. Entre 65 e 69 anos, cerca de 3% da população já apresenta algum grau de demência; a taxa sobe para 9% entre 75 e 79 anos, 21% entre 85 e 89 anos e atinge 43% entre pessoas com mais de 90 anos.
Estima-se que 1,76 milhão de brasileiros vivem com algum tipo de demência, segundo levantamento da Revista Pesquisa Fapesp, com base em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. As demências mais comuns são: Alzheimer, demência vascular e Demência por Corpos de Lewy, esta última responsável por 10% a 20% dos diagnósticos, e com sinais que costumam aparecer mais cedo, a partir dos 60 anos de idade. O número tende a crescer nas próximas décadas com o envelhecimento populacional.
Diante dessa projeção, um estudo recém-publicado na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia (RBGG) lança luz sobre um cenário preocupante no atendimento a pessoas idosas com Doença de Alzheimer. Entre os principais problemas identificados estão a fragmentação do cuidado, a escassez de recursos e pessoal, o déficit de formação técnica das equipes e a dificuldade de acesso a apoio multiprofissional, como fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia.
Conduzida por pesquisadores da Universidade Federal do Acre (UFAC), a pesquisa ouviu profissionais de saúde e familiares cuidadores. Muitos entrevistados relataram sentimentos de abandono e dificuldades até mesmo para conseguir medicamentos básicos. O trabalho evidencia desafios que ultrapassam as fronteiras do Acre e refletem dilemas nacionais da Atenção Primária no enfrentamento das demências.
O estudo brasileiro no Acre expõe problemas estruturais que, infelizmente, são comuns em diversos países. O diálogo internacional é fundamental para transformar evidências em políticas e práticas que impactem a vida das famílias”, afirma o psicanalista Otelo Corrêa, que coordena no Brasil a pesquisa de detecção precoce da Doença de Alzheimer vinculada aoDavos Alzheimer Collaborative.
Congresso discute a doença de Alzheimer na Uerj
Essa realidade será pauta central do II Congresso da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia e do III Seminário sobre a Doença de Alzheimer, que acontecem nos dias 30 e 31 de outubro de 2025, das 8 às 17 horas, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com transmissão online e tradução simultânea.
Entre os convidados internacionais está Karen Blackmon, neuropsicóloga consultora no Brain and Mind Institute (EUA). Com mais de 50 artigos publicados em periódicos de referência, Blackmon é reconhecida por pesquisas sobre impactos cognitivos de doenças neurológicas e infecciosas e fará a conferência de abertura do evento.
Segundo o psicanalista Otelo Corrêa, coordenador científico do Núcleo de Envelhecimento Humano da Uerj e presidente da comissão organizadora do evento, a expectativa é reunir profissionais de saúde, pesquisadores e estudantes em torno de um debate científico interdisciplinar sobre os desafios do envelhecimento populacional, da atenção à demência e das políticas públicas de cuidado.
Ao longo de dois dias, os participantes terão acesso a uma programação ampla, que inclui conferência magna, mesas-redondas temáticas e apresentações de trabalhos científicos. Temas como políticas públicas de cuidado, novas tecnologias em saúde, práticas clínicas integradas, prevenção e tratamento do Alzheimer estarão no centro das discussões.
Além da programação presencial, o evento contará com transmissão online e tradução simultânea, ampliando o alcance e permitindo a participação de profissionais e instituições de diferentes regiões do Brasil e do mundo.
Leia mais
A incapacidade jurídica das pessoas com Alzheimer
Como conviver com o Alzheimer e os cuidados mais eficazes
Alzheimer: casos graves também receberão medicação no SUS
Relatório aponta que a reabilitação deve estar no centro do cuidado em demência
Documento lançado no Setembro Lilás reúne evidências e pede incorporação da reabilitação no pós-diagnóstico
Outro estudo, lançado durante a campanha Setembro Lilás, mês de conscientização sobre Alzheimer, revelou que reabilitação em demência ajuda pessoas que vivem com a condição a manter a melhor autonomia possível naquilo que é importante para elas, seja se vestir ou caminhar com segurança, por exemplo. Essa fpi a mensagem central do Relatório Mundial de Alzheimer 2025, da Alzheimer’s Disease International (ADI) com colaboração de entidades de vários países, entre elas a Federação Brasileira das Associações de Alzheimer (Febraz).
As entidades defendem que a reabilitação seja oferecida rotineiramente no pós-diagnóstico, integrada aos planos nacionais para cuidados em demências, com formação específica das equipes e ferramentas práticas para famílias cuidadoras. Há também um argumento econômico em favor da reabilitação: os custos globais relacionados às demências devem alcançar US$ 2,8 trilhões por ano até 2030. Segundo as entidades, qualificar o cuidado otimiza o uso dos recursos disponíveis.
O documento reúne estudos de caso sobre o potencial positivo das terapias não farmacológicas de reabilitação, reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde e pela ONU como serviço essencial e direito das pessoas que vivem com demência, mas que seguem pouco incorporadas às rotinas clínicas e às políticas públicas.
Coordenado pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, o estudo compreende a reabilitação como uma jornada colaborativa entre a pessoa, a família e a equipe de profissionais, com foco em preservar a autonomia e a participação nas ações cotidianas. O documento destaca que a abordagem deve ser personalizada e desenvolvida em parceria: “fazer com” as pessoas que vivem com demência, e não “fazer por”.
Ainda segundo os pesquisadores, o processo começa com uma avaliação abrangente das capacidades cognitivas e funcionais de quem tem o diagnóstico. A partir dela, são definidos objetivos de reabilitação alinhados ao que é importante para a pessoa. Esses objetivos orientam um plano de ação personalizado que deve ser monitorado e atualizado ao longo do tempo, num processo contínuo de apoio.
Reabilitação em demências no Brasil
Entre os estudos de caso que ganharam destaque no relatório, está a iniciativa desenvolvida no Programa de Extensão em Psiquiatria e Psicologia da Pessoa Idosa da Universidade Federal de Minas Gerais , em Belo Horizonte (MG), há 8 anos, que oferece acesso a terapias não medicamentosas com base em práticas colaborativas e de baixo custo, por meio da extensão universitária.
O programa inclui psicoterapia, estimulação cognitiva, grupos para pessoas idosas e familiares cuidadores, além de planos de reabilitação baseados nas habilidades funcionais e no contexto sociocultural de cada indivíduo. O caso clínico bem-sucedido apresentado pela equipe mineira, mostra o impacto de um plano de cuidado com metas específicas para um homem de 77 anos, diagnosticado com Alzheimer em estágio inicial.
As intervenções combinaram sessões individuais e em grupo, com estratégias como lembretes visuais, organização do ambiente e simulações de tarefas cotidianas. A esposa, que é a principal cuidadora dele, também participou de encontros quinzenais com foco em bem-estar, na organização da rotina de cuidados e no acesso a recursos comunitários.
Como resultado, houve recuperação de autonomia em tarefas como fazer a barba, varrer a casa e cuidar do quintal, além de maior engajamento em atividades sociais e a retomada da espiritualidade como parte central da rotina. A participação em grupos favoreceu a comunicação e a expressão de emoções. A esposa relata que o estresse foi reduzido a partir do aprendizado de novas estratégias de cuidado.
No Brasil, a Febraz também ressalta o trabalho do Instituto Não Me Esqueças em Londrina (PR), organização da sociedade civil que há oito anos oferece gratuitamente oficinas de estimulação psicossocial, musicoterapia e apoio à convivência, atendendo hoje 130 famílias.
Acompanhamos nitidamente os efeitos positivos de atividades como musicoterapia, oficinas de memória e convivência para quem vive com demência. A ciência confirma aquilo que a prática já mostrava: é possível manter habilidades, ampliar a autonomia e reduzir o estresse, com recursos simples e apoio adequado. O Brasil precisa incorporar a reabilitação como parte rotineira do cuidado, e não como exceção”, afirma Elaine Mateus, presidente da Febraz e uma das fundadoras do INME.
O Relatório Mundial de Alzheimer 2025 está disponível em alzint.org.






