Uma pesquisa, encomendada ao Datafolha pelo Instituto Alana, revelou que três quartos da população (75%) acreditam que as crianças e os adolescentes passam muito tempo nas redes sociais, sendo que dois a cada três (65%) concordam integralmente com a afirmação. A concordância é maior entre pais com filhos de 0 a 6 anos (76%) e 7 a 10 anos (78%).  A população brasileira considera, em média, que o acesso às redes sociais deveria ocorrer a partir dos 15 anos.

Este dado é extremamente significativo, já que a maior parcela de pais que consideram que seus filhos passam tempo demais em redes sociais é a daqueles com crianças entre 7 e 10 anos, o período definido como fim da primeira infância. É um momento fundamental na formação e na socialização das crianças, imediatamente anterior ao início da adolescência, em que as rotinas têm um declínio significativo de atividades lúdicas, brincadeiras ao ar livre, parques etc.

Cada vez mais movimentos mundo afora — como o Desconecta, no Brasil, alinhado com iniciativas semelhantes no Reino Unido e nos EUA — têm insistido nessa questão, propondo um grande acordo coletivo para que as crianças não tenham smartphones próprios até os 14 anos e acesse as redes sociais somente a partir dos 16 anos de idade.

Entre os resultados mais expressivos do estudo estão o fato de que de que nove em cada dez brasileiros (85%) acreditam que as empresas não fazem o suficiente para proteger crianças e adolescentes e que oito em cada dez brasileiros (78%) acreditam que a lei brasileira protege menos as crianças e os adolescentes do que as de outros países.

A pesquisa buscou investigar a percepção da sociedade sobre o uso da internet por crianças e adolescentes. Foram questionados temas como a atuação das plataformas, o tempo gasto por crianças nas redes, o nível de conhecimento de pais e mães sobre formas de monitorar esses acessos, e como veem a atuação das empresas e do poder público quando se trata de manter crianças e adolescentes seguros no ambiente digital.

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Restrição do celular na escola

Em meio a todo esse contexto, o Instituto Alana considera que é preciso refletir sobre as realidades e desafios específicos dessa faixa etária para repensar as estratégias de proteção, e a contenção de danos causados pelo uso excessivo de telas é um ponto de partida fundamental para essa transformação.

A organização defende a proposta de restrição do celular pessoal dos estudantes na escola, com o objetivo de repactuar a presença da tecnologia na escola a partir de avaliações sinceras sobre os benefícios e danos, priorizando a reflexão sobre a intencionalidade pedagógica dos usos.

É muito importante ressaltar que não defendemos retirar o digital do currículo nem da sala de aula. É possível fazer a discussão sobre o mundo digital, já prevista nos currículos, usando preferencialmente outros equipamentos, estratégias e tecnologias, que não dependam exclusivamente do celular pessoal dos estudantes. Isso ajuda a escapar das plataformas com design manipulativo como as redes sociais que não são feitas para favorecer a aprendizagem e ainda dificultam muito o exercício de autocontrole nos usos”, afirma Rodrigo Nejm, líder do Eixo Digital e especialista em Educação Digital do Instituto Alana.

Nem ainda diz que, ao restringir o celular pessoal dos alunos, estimula-se outras formas e linguagens para trabalhar a educação digital, com computadores de uso coletivo, laboratórios multimídia de inovação ou mesmo com atividades desplugadas que tragam a experiência digital dos estudantes para o centro e não seu aparelho.

É preciso sempre se perguntar: qual tecnologia, com qual intencionalidade pedagógica, em quais momentos e estimulando quais habilidades digitais? Como sempre frisamos, é preciso proteger as crianças na internet, não da internet”, diz.

Um novo pacto do uso de tecnologia na escola

Nesse sentido, o Alana considera que restringir o celular pessoal na escola hoje é um freio de arrumação, uma medida necessária para refundar o pacto do uso de tecnologia na escola. É preciso que ele seja um ponto de partida, e não de chegada, para uma grande discussão coletiva que considere todos os envolvidos na construção de uma jornada de emancipação digital: crianças, famílias, escolas, governo, organizações e empresas.

Embora muitas vezes as famílias desejem adiar a entrada dos filhos no mundo digital, sua posição, bem como a das escolas, é de grande fragilidade frente ao grande poder de manipulação e captação das redes sociais e alguns jogos.

Ações como a restrição do uso de celulares pessoais nas escolas, portanto, podem funcionar como um respiro para que se consiga estabelecer um diálogo e se possa redefinir o acordo da presença da tecnologia na vida de crianças e adolescentes – iniciando pela escola como espaço singular de convivência e de aprendizado para a vida em sociedade.

Não se trata de ignorar potenciais oportunidades das tecnologias na educação, mas sim avaliar com cautela quais recursos efetivamente estão ajudando a consolidar a educação digital mais crítica e que permite converter as oportunidades digitais em benefícios tanto na sua vida acadêmica quanto na socialização e na formação cidadã. Que a restrição seja um ponto de partida para uma jornada de emancipação digital e que a conectividade na escola seja significativa, desenvolvendo habilidades críticas e criativas para além do uso passivo que ainda predomina na experiência no celular”, afirma Nejm.

O design manipulativo das redes e os desafios na proteção das crianças

A pesquisa Datafolha indicou diversas percepções, como a demanda de pais e mães para que as empresas façam mais para proteger as crianças e os adolescentes, que não conseguem se defender sozinhos das violências e ameaças do ambiente digital.

A maioria das pessoas considera que os jovens recebem muitos conteúdos inapropriados para sua idade, que é muito difícil conseguirem se defender e que muitos estão ‘’viciados’ no uso de celular e de redes sociais”, avalia Nejm.

Segundo ele, isso reforça a percepção de que existe um design manipulativo nas redes sociais, que capturam a atenção de crianças e adolescentes, dificultando muito o autocontrole. “Esse é um problema que vem impactando profundamente esses jovens, dentro e fora do ambiente escolar, inclusive gerando reações violentas contra professores e familiares em casos de interrupção do uso”, afirma o especialista.

Nesse cenário, se por um lado há verdadeira onipresença de celulares no dia a dia, por outro, muito pouco é feito para garantir a segurança e o bem-estar de crianças e adolescentes no ambiente digital. E isso tem impactado profundamente a vida desses jovens dentro e fora da escola, afetando múltiplos aspectos de seu desenvolvimento.

O desafio passa pela formação dos educadores, disponibilidade de equipamentos apropriados e intervenções sistemáticas para um ambiente escolar pacífico ancorado em relações institucionais e interpessoais respeitosas. Tudo isso em um cenário de múltiplas carências na educação básica, de banalização da violência no cotidiano.

24% dos adolescentes tentaram reduzir o tempo na Internet, mas não conseguiram

Segundo dados divulgados na pesquisa TIC Kids Brasil Online 2024, divulgada recentemente, o celular é o principal dispositivo de acesso à Internet para 98% das crianças e adolescentes no Brasil entre 9 e 17 anos no país. Os dados mostram que 89% das crianças de 9 e 10 anos, e 88% das crianças de 11 e 12 anos, utilizam a Internet.

O uso de celulares aumenta conforme a idade, mas o percentual de crianças com celulares já chamam a atenção pela precocidade: 67% das crianças com idades entre 9 e 10 anos já possuem celulares; entre 11 e 12 anos, o número sobe para 79%; entre 13 e 14 anos, 77% afirmam ter celulares e, entre 15 e 17 anos, 93% relatam usar o aparelho.

O comportamento de uso de Internet, entre crianças e adolescentes de 11 a 17 anos, já carecem de atenção. Segundo a pesquisa, 24% dos usuários dessa faixa etária tentaram reduzir o tempo na Internet, mas não conseguiram; 22% percebem que estão navegando na sem real interesse no conteúdo e outros 22% disseram que passam menos tempo com a família, amigos ou fazendo tarefas escolares por estarem online. Esse número aumenta para 30% entre adolescentes de 15 a 17 anos.

A segurança também está em risco: 52% das crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos relataram alguma dificuldade em ajustar as configurações de privacidade nas redes sociais, sendo que 44% dos usuários dessas faixas etárias relataram alguma dificuldade na hora de diferenciar conteúdo patrocinado e não patrocinado online, como em um vídeo ou em uma postagem em redes sociais.

E em tempos de desinformação, proliferação e disseminação de conteúdos inadequados e nocivos e de alto teor mercadológico, incluindo os cassinos online, novos riscos se apresentam no ambiente digital, especialmente quando se constata que 50% dos usuários entre 11 e 17 anos concordam que o primeiro resultado de uma pesquisa na Internet é sempre a melhor fonte de informação, ainda conforme a TIC Kids Online.

A TIC Kids Online Brasil reforça diversas pesquisas que mostram que o uso de celular pelos jovens é majoritariamente em redes sociais e aplicativos de mensagens. As plataformas digitais são utilizadas por 83% dos usuários nessas faixas etárias, sendo que as três mais usadas são WhatsApp (69%), Instagram (63%) e TikTok (45%), segundo a pesquisa.

 

Fonte: Instituto Alana

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