Se você já entrou em pânico e se sentiu desconfortável porque a bateria do seu celular estava prestes a acabar; verifica as mensagens recebidas tão automaticamente quanto respira e sente ansiedade quando entra em um ambiente onde o sinal da operadora não pega, muito provavelmente você está sofrendo de nomofobia. Essa síndrome, caracterizada pelo medo irracional de ficar desconectado, tem se tornado mais comum e, com a chegada do novo coronavírus, ficou ainda mais severa, afetando a saúde mental de milhares de usuários.
Já é mais do que sabido que a Covid-19 intensificou, em grau elevado, o uso da tecnologia pela necessidade de isolamento e distanciamento social. Pesquisa recente do Instituto Delete – vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – revelou que 52,6% dos entrevistados baixaram novos aplicativos durante a pandemia. Um total de 43,8% mudaram o modo de consumo de bens e serviços, migrando do presencial para o online, por causa das medidas de confinamento adotadas nas várias cidades brasileiras.
Esses usuários, com idades entre 18 e 70 anos, passaram a fazer compras por aplicativos ou sites e-commerce em farmácias e supermercados, além de realizarem transações bancárias na internet. A pesquisa também revela que 51,2% – mais da metade dos 870 entrevistados –, identificou alguma alteração emocional pelo aumento do tempo dedicado ao uso de plataformas digitais.
Leia também:
Isolamento social potencializa dependência digital
Obsessão pelo celular também preocupa especialistas
Dez (bons) motivos para tirar o celular do seu filho
Os sintomas da dependência digital
É mesmo quase impossível para muitos hoje em dia ficar sem acessar a internet, seja por obrigações profissionais, estudantis, como entretenimento ou para estar antenado com o mundo exterior. Para muitos, o simples fato de ficar desconectado involuntariamente pode gerar uma certa ansiedade momentânea. Se não identificada e controlada, muito provavelmente esta sensação levará a outras consequências mentais desagradáveis.
Questões como depressão, diminuição do poder de foco e concentração, irritação e sono alterado pela exposição contínua das luzes das telas dos dispositivos são alguns dos sintomas da dependência digital. Uma das responsáveis pelo estudo do Instituto Delete, a psicóloga clínica e psicoterapeuta cognitivo-comportamental Anna King explica o que leva a pessoa à dependência digital. Ela é a pesquisadora do Laboratório de Pânico e Respiração (LABPR/IPUB/UFRJ).
É um transtorno mental primário, uma ansiedade, uma depressão, uma compulsão. São esses transtornos são responsáveis pelo uso excessivo das tecnologias. Segundo ela, os dependentes digitais usam o celular para extravasar seus transtornos de origem”, comenta Anna, que é autora e organizadora do livro “Nomofobia”, da editora Atheneu, sobre dependência de celular e internet (“No Mobile Fobia”).
Segundo ela, esse ciclo vicioso é explicado pelo efeito que as luzes, cores e sons emitidos nos celulares têm sobre o cérebro. É similar ao de um jogo, libera substância como dopamina e serotonina. “Acrescente características individuais de cada um, se já existe uma pré-disposição a ser compulsivo e ansioso. A pessoa não entende por que ela volta toda hora para o celular”, explica Annaque é doutora em Saúde Mental pelo Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental (PROPSAM) do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ.
Embora pesquisas realizadas décadas passadas tenham indicado que a vilã era a quantidade de horas na frente do computador, estudos recentes mostram que o que realmente faz a diferença é o conteúdo que o usuário consome. Também professora da Pós-Graduação da UFRJ no tema “O impacto das novas tecnologias interferindo no comportamento humano”, Anna afirma que é mais danoso passar oito horas nas redes sociais, em sites de teorias conspiratórias e de fake news, do que o mesmo tempo dividido em cursos, projetos e lives ou webinários com conteúdos relevantes.
5 dimensões da perda de controle
De acordo com o Instituto Delete, “a dependência digital não está diretamente relacionada ao tempo de conexão de uma pessoa aos seus dispositivos eletrônicos”. O principal motivo é o “nível de perda de controle na vida real, trazendo prejuízos nos campos profissional, familiar, afetiva ou social”.
Para entender e explicar esse processo, o Instituto identificou 5 dimensões que correspondem aos níveis de dependência digital. O importante é avaliar o quadro como um todo, observando a formação de um provável grupo de sintomas, o que pode servir como auxílio para a procura de ajuda médica/psicológica. Lembre-se que é importante que o diagnóstico seja feito por um profissional da saúde.
- Excitação e segurança: Este nível mais básico está relacionado ao uso da tecnologia como tentativa de esquecer os problemas pessoais. O usuário sente-se mais seguro e possui uma falsa sensação de satisfação com sua experiência.
- Relevância: Diz respeito à importância que o usuário dá à necessidade de se conectar e usar dispositivos. Ocorre quando não consegue desligar o pensamento de forma que a tecnologia começa a dominar lentamente o comando da sua vida.
- Tolerância: Diz respeito ao tempo dedicado e nível de controle que se tem da tecnologia. Neste nível, os usuários gastam cada vez mais horas para buscar as mesmas sensações experimentadas antes. Perdem o controle e substituem os programas reais do dia por maior tempo na tecnologia.
- Abstinência e efeitos: Isso acontece quando os usuários não estão conectados ou não conseguem usar certos dispositivos ou aplicativos, tornando-se irritados, ansiosos e com medo. Tudo isso pode gerar alterações no padrão do sono ou alimentação e ainda sinais de depressão.
- Evidências de conflitos: É o nível mais extremo, quando o uso excessivo compromete as relações na vida real. Este é o momento em que os usuários percebem a evidência do problema, mas sentem-se incapazes de reduzir ou parar, podendo comprometer a educação, desempenho profissional e social.
10 passos para a desintoxicação digital
Dedicado a orientar e informar a sociedade sobre o uso consciente das tecnologias, através de treinamento, consultoria e suporte, o Instituto Delete preparou 10 passos para você retomar o controle e deixar o vício tecnológico.
- Aplique o bom senso para que o uso das tecnologias não se torne abusivo no cotidiano.
- Fique atento às consequências físicas (privação de sono, dores na coluna, problemas de visão) e psicológicas (depressão, angústia, ansiedade) devido ao uso abusivo das tecnologias.
- Dose o uso de tecnologias no cotidiano. Verifique se seu desempenho acadêmico, no trabalho, na família ou pessoal estão sendo prejudicados pelo uso abusivo das tecnologias.
- Reflita sobre seus hábitos cotidianos e faça diferente.
- Não troque atividades, compromissos ou encontros ao ar livre para ficar conectado às tecnologias.
- Prefira uma vida social real à virtual. Escolha relacionamentos e amizades reais ao invés de virtuais.
- Pratique exercícios físicos regularmente. Crie intervalos regulares durante o uso das tecnologias fazendo alongamentos.
- Não abale o seu humor com publicações virtuais. Não acredite em tudo o que é postado e cuidado com o que você publica na internet.
- Valorize suas relações pessoais, sociais e familiares. Não troque estas relações no dia a dia para ficar utilizando as tecnologias.
- Jogue o lixo eletrônico no local correto. Pense no meio ambiente, recicle os aparelhos fora de uso e evite a troca frequente sem necessidade.
Sobre o Instituto Delete – Primeiro núcleo no Brasil especializado em Detox Digital no país, criado em 2008, o Instituto Delete promove pesquisas desenvolvidas envolvendo profissionais da área da saúde, comunicação e educação (médicos, psicólogos, pedagogos e pesquisadores).