Natural de Campina Grande, a terra do forró na Paraíba, a estudante de Direito Laissa Polyana da Silva Vasconcellos, de 19 anos, é bailarina, atleta paralímpica e tornou-se uma das importantes ativistas da comunidade de Atrofia Muscular Espinhal (AME) no Brasil. Ainda aos 12 anos, Laissa Guerreira, como é conhecida nacionalmente, ganhou espaço para falar da necessidade de acesso e qualidade de vida para os pacientes junto ao governo brasileiro. E segue amplificando sua voz por mais inclusão e acesso às terapias medicamentosas e suplementares.
A doença de Laissa é rara, genética e afeta a produção de uma proteína importante para a sobrevivência dos neurônios motores. O avanço da AME pode comprometer a habilidade de andar, ficar de pé, de deglutir e até de respirar. Mas no caso da jovem paraibana, a cadeira de rodas representou a liberdade. A condição de cadeirante não a impediu de fazer aquilo que ela sempre gostou.
Diagnosticada aos 8 anos de idade com AME tipo 3, ela nunca deixou de realizar tudo aquilo que a deixava feliz, como dançar e estudar. Mesmo depois de precisar utilizar a cadeira de rodas, ela descobriu uma nova paixão: a bocha. A história de Laissa Guerreiro é contada na emocionante série “Viver é Raro”, lançada em março de 2023, na Globoplay, que traz sete episódios contando a vida de pessoas com doenças raras.
Meu sonho é ser uma grande Laíssa, com vários projetos em andamento, ajudando várias pessoas, representando o meu país”, revela a estudante de Direito cheia de sonhos, como qualquer outro jovem da sua idade.
Laíssa cobra ampliação de diagnóstico e tratamento para pessoas com AME
Mas a luta não para (…). A luta por políticas públicas que sejam realmente efetivas, que saiam do papel. A luta pelo direito ao tratamento medicamentoso, para que diminuam os entraves para se ter o acesso a medicações”, disse ela.
“Quem tem AME tem pressa, quem tem AME morre a cada segundo’
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Em geral, os sintomas da atrofia muscular espinhal aparecem nos seis primeiros meses de vida. O tipo de AME de Laíssa apresenta sintomas a partir dos 18 meses e pode se manifestar tão tarde quanto na adolescência. Os pacientes afetados por esse tipo da doença conseguem ficar em pé e andar de forma independente, mas podem perder essas habilidades com o tempo.
No caso de Laíssa, os sinais só surgiram depois dos dois anos de idade. Foi quando Edna notou que o desenvolvimento motor de sua primeira filha não estava seguindo o padrão esperado. Até então, a menina tinha mostrando certa dificuldade em mamar e se alimentar. Mas Edna foi notando que a filha, que sempre amou dançar e se mexer, era uma criança que não corria, não pulava e andava de forma mais lenta.
Andou dentro da idade correta. Só que algo era diferente. Ela tinha dificuldade para mamar, de se alimentar. Minha filha não corria, não pulava, andava com dificuldade, batendo um joelho no outro. Aí começou a acender aquela luzinha de mãe – ‘alguma coisa tá errada’. Começou a luta por um diagnóstico para Laíssa até descobrir o que minha filha tinha”, conta Edna.
A partir desse momento, uma verdadeira jornada pelo diagnóstico correto se iniciou e só iria se encerrar seis anos após os primeiros sintomas. Somente aos 8 anos, Laissa recebeu o diagnóstico de atrofia muscular espinhal do tipo 3, uma doença rara, genética e hereditária que afeta os neurônios motores, que são células que controlam os músculos.
No dia que recebemos o diagnóstico de AME, minha filha me abraçou chorando e disse que não queria deixar de andar. Ela tinha oito anos. Prometi que ela não ia para uma cadeira de rodas. Isso foi em outubro. Em dezembro, a Laíssa deixou de andar por conta da doença”, lembra.
Paixão pelo balé e pela bocha paralímpica
No caso de Laíssa, apenas três meses depois de fechar seu diagnóstico, ela parou de andar e precisou da cadeira de rodas, que usa até hoje para se movimentar e fazer as atividades do dia a dia, como ir para a escola – que é adaptada com elevadores, rampas e mesas na altura ideal para encaixar sua cadeira, consultas médicas e a fisioterapia, essencial para melhorar seu tônus muscular e força.
Eu amo dançar. A dança para mim é uma forma de ter a liberdade de ver até onde as minhas rodas poderiam me levar. Quando retornei ao palcos, me emocionei muito, porque achava que não ia conseguir tão cedo. Mas eu consegui”, contou a jovem paraibana ao Metrópoles.
A cadeira de rodas foi introduzida em suas performances e ela faz fisioterapia respiratória para melhorar ainda mais a sua dança, feita em parceria com um dançarino que não utiliza a cadeira. Sua paixão pela arte e pela dança contagiou sua mãe: Edna Silva, de 45 anos, hoje coordena o Festival de Artes Inclusiva que recebe apresentações de artistas e dançarinos com deficiências.
Para a jovem bailarina, a cadeira de rodas não é obstáculo. “Ela me dá asas para que eu possa me movimentar, me deslocar”. E se lembra de quanto sentou na cadeira de rodas pela primeira vez: “Pude circular livre, e achei tudo muito divertido”.
‘Eu sou maior que a AME; a AME não é maior do que eu’
Além do ballet, outra atividade importante na vida de Laíssa é a bocha, esporte que ela considera o mais inclusivo no mundo, pois pode praticar de sua cadeira e usar da inteligência e estratégia. Campeã brasileira da Copa Jovens 2022 e bicampeã das Paralimpíadas Escolares, ela já carimbou seu passaporte na competição classificatória para garantir vaga para Paris 2024.
Junto com o maranhense André Martins, 21, diagnosticado aos 5 com Distrofia Muscular de Duchenne (doença neuromuscular genética), ela conquistou o título do qualificatório dos pares BC4 de bocha (para atletas que têm deficiências severas, mas que não recebem assistência), que aconteceu em Coimbra, Portugal. Ambos são formados em projetos do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB).
Laíssa ainda agradece aos profissionais de saúde, em especial à equipe multidisciplinar que a acompanha, ajudando-a a ter uma condição de vida melhor e até praticar o esporte que tanto gosta. “Hoje, sou atleta paralímpica, campeã mundial. É um orgulho muito grande estar no esporte tendo atrofia muscular espinhal. Isso significa que eu sou maior que a AME; a AME não é maior do que eu”.
‘Diagnóstico não é sentença ‘
Uma frase que sempre acompanha Laíssa – “Diagnóstico não é sentença. Ser raro é ser único, ser raro é ser batalhador, ser raro é conviver todos os dias com uma patologia progressiva, ser raro é ser singular. Neste momento, estou morrendo, mas irei continuar lutando, porque, enquanto existir ar em meus pulmões, continuarei lutando por todos nós sempre”, escreveu Laíssa, em seu Instagram, onde compartilha sua rotina e as muitas conquistas nos esportes e na vida.
Opções de tratamento para AME 1 e 2
Conquistar a independência não é fácil para quem tem AME, especialmente para quem recebe um diagnóstico tardio, como Laíssa. Na época, não havia tratamento disponível. Hoje em dia, o paciente com AME pode conseguir pelo Sistema Único de Saúde (SUS) até um dos remédios mais caros do mundo, o Zolgensma.
No caso de Laíssa, o remédio não teria efeito, já que ele é eficaz apenas para pessoas com até dois anos. Ainda assim, ela foi tratada com outro medicamento famoso, o Spinraza, que é injetado diretamente na coluna. “Quando tomei a primeira dose, me emocionei muito. Aquele líquido me deu esperança de vencer. Lembro de chegar em casa depois das aplicações do remédio e conseguir comer uma fatia de pizza inteira, segurar meu próprio copo de suco”, conta.
Dados do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal contabilizavam pouco mais de 1.500 pacientes com AME, sendo 511 do tipo 1; 508 do tipo 2 e 367 do tipo 3 – como Laíssa. No final de 2022, mais de 900 pacientes estavam em tratamento com nusinersena (Spinraza), 108 com o risdiplam (Evrysdi) e 119 receberam oonasemnogeno abeparvoveque (Zolgensma), sendo que 84 deles receberam a medicação pelo Poder Público, pela via judicial.
Medicação de uso oral diário custa R$ 52 mil cada frasco
O Risdiplam (que atende pelo nome comercial de Evrysdi) é a única opção terapêutica de uso diário para AME tipos 1 e 2, que pode ser administrado em casa na forma líquida, por via oral ou por sonda de alimentação. A medicação que já está aprovada em mais de 100 países e usada por mais de 15 mil pacientes em todo o mundo e que chegou ao SUS em maio de 2023 tem ajudado pacientes brasileiros de AME a garantir a sua qualidade de vida.
Fora da rede pública, o preço de cada frasco é de quase 10 mil dólares (R$ 52.604,18), sem a incidência de impostos, conforme lista completa devidamente publicada pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A dose é calculada com base no peso e na idade dos pacientes. Desta forma, o quantitativo mensal pode variar de paciente para paciente. A considerar apenas um frasco por mês, seriam mais de R$ 600 mil por ano.
Em 19 de maio de 2023, a Secretaria de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde publicou no Diário Oficial da União (DOU) a atualização do Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas da Atrofia Muscular Espinhal 5q, abrangendo os tipos 1 e 2. O PCDT estabelece diretrizes para o tratamento da doença no SUS e contém os critérios de elegibilidade para os tratamentos disponíveis – veja mais aqui.
Com a conclusão do processo de disponibilização e a atualização do PCDT, o medicamento já é oferecido no SUS nas assistências farmacêuticas de todos os estados. Questionada, a Roche – biofarmacêutica que produz o Risdiplam – não soube informar quantos pacientes já recebem a medicação no Brasil pelo SUS.
Planos de saúde não são obrigados a fornecer medicamento
No entanto, o tratamento não deverá ser disponibilizado pelos planos de saúde. É que a regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não prevê a cobertura de medicamentos de uso domiciliar não oncológicos. “O medicamento risdiplam não é passível de incorporação ao rol da ANS devido a esta exclusão legal”, informou a fabricante.
O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS consiste de uma lista em que são elencados os procedimentos, exames e tratamentos de cobertura mínima obrigatória pelos planos de saúde, conforme a segmentação assistencial do plano.
Essa lista serve como referência para a assistência prestada no âmbito da saúde suplementar acerca dos procedimentos e tratamentos que obrigatoriamente deveriam ser oferecidos. A concessão de exames e tratamentos não listados fica a critério dos planos de saúde.
Estudo confirma melhoria da qualidade de vida na AME tipo 1
Dados de acompanhamento de quatro anos do Evrysdi da Roche, apresentados no Cure SMA Research & Clinical Care Meeting (Encontro de Pesquisa e Cuidados Clínicos de AME do Cure SMA), em junho de 2023, mostraram aumento contínuo no número de crianças com a forma mais severa de atrofia muscular espinhal (AME) capazes de sentar, ficar em pé e andar.
Os dados do estudo Firefish, divulgados em setembro de 2023, confirmam a eficácia e perfil de segurança a longo prazo do Evrysdi em crianças com AME tipo 1. De acordo com o estudo, 91% das crianças estavam vivas no 48º mês de acompanhamento (4 anos). Sem tratamento, não se espera que as crianças com AME tipo 1 vivam além dos dois anos e nunca seriam capazes de se sentar sem apoio.
Além disso, a maioria dos bebês (95%) manteve a capacidade de se alimentar pela boca e engolir até o 48º mês. Sem o tratamento, elas precisariam de suporte alimentar e a maioria teria morrido até o segundo ano de vida.
Entre os bebês tratados com Evrysdi, 37 conseguiram sentar-se sem apoio por pelo menos 5 segundos no 48º mês, em comparação com 35 no 24º mês (BSID-III). Além disso, 36 bebês conseguiram sentar-se sem apoio por pelo menos 30 segundos no 48º mês, em comparação com 23 bebês no 24º mês. Entre o 24º e o 48º mês, três bebês foram capazes de ficar em pé sozinhos e um bebê conseguiu andar sozinho.
O Firefish é um estudo de duas partes em bebês com idade de 1 a 7 meses no momento da inclusão. Após quatro anos de tratamento com Evrysdi, muitos dos bebês, agora crianças pequenas, continuaram a melhorar sua capacidade de sentar, ficar em pé e andar sem apoio.
Impacto nos marcos motores, alimentação e deglutição
Giovanni Baranello, do UCL Great Ormond Street Institute of Child Health & Great Ormond Street Hospital, de Londres, Reino Unido, diz que a via oral de administração do Evrysdi permite que o medicamento seja distribuído por todo o corpo, aumentando sistemicamente a produção da proteína SMN, cuja falta é a causa subjacente da AME.
Isso ajudou a proporcionar um impacto significativo em funções importantes da vida diária, incluindo marcos motores, alimentação e deglutição, que se mantiveram ou melhoraram durante esse estudo de longo prazo, ao mesmo tempo em que oferecia um perfil de segurança tolerável”, destaca o médico.
Para Levi Garraway, M.D., Ph.D., Chief Medical Officer e Head global da área de Desenvolvimento de Produtos, “a independência aliada ao ato de sentar, ficar em pé e andar é transformadora para as crianças com AME e suas famílias”. “Nove em cada 10 pacientes em nossos estudos permanecem com Evrysdi a longo prazo e esses dados ressaltam sua importância como uma opção para pessoas com AME em uma ampla faixa etária e tipos da doença”, completa.
Nenhum evento adverso relacionado ao tratamento levou à interrupção do tratamento ou à retirada do estudo, e a taxa de EAs diminuiu em 71% entre o primeiro e o quarto períodos de 12 meses. Os eventos adversos mais comuns foram febre (62%), infecção do trato respiratório superior (62%) e pneumonia (48%). A taxa de hospitalizações diminuiu durante o período do estudo.
Com informações da Roche, CPB e Agência Câmara