Por MGD*
Esses dias ouvimos muito sobre superação nos esportes. Muitos exemplos nas Olimpíadas Paris 2024. Mas, na vida da mulher, às vezes, essas superações são quase que diárias. Casei a primeira vez aos 19 anos, tive um filho, hoje com 32. A primeira separação foi aos 32 anos. Sempre me considerei uma mulher inteligente, participativa e ativa em tudo referente às causas femininas. Mas isso não impediu que me descuidasse e caísse nas mãos de um “lobo em pele de cordeiro”.
Conheci meu agressor 8 meses após minha primeira separação. Saímos algumas vezes, mas não me sentia “curada” o suficiente para entrar em uma nova relação. Vivia um momento positivo profissionalmente e dedicação total à criação do meu filho, na época com 7 anos. Por esses motivos não dei continuidade à relação. Dezoito anos se passaram e em 2016 nos reencontramos. Época de dor, meu pai muito doente, veio a falecer. Resolvi fechar o empreendimento e meu agressor ajudou muito nesse período. Fui trabalhar na empresa dele.
Em 2017 resolvemos ficar juntos. Meu filho, já formado, trabalhando e com apartamento próprio. Achei que seria importante retomar minha vida ao lado do então namorado e futuro agressor. Ficamos juntos por quatro anos. Moramos em quatro apartamentos diferentes, uma instabilidade bem desconfortante.

Ele era empresário e tudo que tínhamos ou fazíamos dependia desses negócios financeiros. Em 2019 e a chegada da pandemia, o que já me preocupava no casamento – a instabilidade emocional, financeira e o fato de ele viver para o álcool – piorou muito.

A pandemia nos deixou em casa, sem muitos contatos. Como todos, ficamos sem nenhuma vida social. Ele não aceitava essa condição: saía, bebia cada vez mais e as agressões, que eram verbais, começaram a ser físicas e psicológicas: empurrões, chutes, muito palavrão e até me proibiu de fazsr terapia. Foram dois anos terríveis. Mas como minha irmã lutava contra um câncer e eu era “liberada” para acompanhá-la, fui vivendo esses medos e me anulando.
Quando o mundo começou a liberar todos das exigências da pandemia, entendi que seria hora de mudar a vida. Iniciei com amigas um novo negócio de terapias complementares, bem perto de casa. Mas meu agressor não aceitou, e a vida, que já era pesada, foi piorando. Tudo começou a ficar mais pesado, as brigas eram diárias. Muitas ofensas, gritos, empurrões e tentativa de nocas proibições.
A agressão em casa
Sábado, dia 25 de setembro de 2021, fui almoçar com meu filho. Meu agressor estava na praia, como em todas as manhãs. Mas nesse dia, ligou muitas vezes, enviou vídeos, com muita gritaria e palavrões. Deixei meu filho e fui para casa. Cheguei, ele havia fechado a casa toda. Fiquei com muito medo e já coloquei o celular para gravar. Ele me agrediu, eu gritava e ninguém ouvia. Ele tentou me enforcar, jogou o celular no chão. Eu consegui sair. Mas ali decidi que não ficaria mais. Como recebemos visita da família e não contei nada, no domingo arrumei uma mala e sai de casa.
O agressor começou com as ameaças, foi ao meu trabalho, fez eu assinar um documento retroativo de saída da empresa. Eu só queria me ver livre de tudo. E na data marcada fui à empresa para o desligamento. Assim que cheguei, na frente de toda a equipe, todos homens, ele voltou a me empurrar e a gritar palavrões. Passei muito mal. Tenho hipertensão. Ninguém me socorreu. Meu irmão me pegou e levou direto para um hospital, onde cheguei com princípio de AVC (acidentevascular cerebral). No dia seguinte, passado o risco, fui à Delegacia da Mulher e registrei ocorrência.
A Lei Maria da Penha me protegeu. Sou muito grata! Mas precisei deixar tudo que era meu. E ainda tive que aceitar o meu carro (que estava no nome da empresa) como rescisão trabalhista total. E assinar um acordo para não dar continuidade no processo criminal.
Foram 14 meses de brigas entre nossos advogados. E o pior: descobrimos que as duas ex-esposas do agressor também chegaram a delegacias por brigas, mas na época não existia a Lei Maria da Penha. E ficou o dito por não dito. É muito importante que consigamos na lei a permissão para registrar o nome desses agressores no sistema, onde outras mulheres possam ter acesso.

Superação

Voltei a morar em meu apartamento com meu filho, que foi meu melhor amigo e defensor. Retomei a minha vida e voltei a estudar. Terminei duas pós-graduações – Psicanálise e Parapsicologia. Vivo do meu trabalho e com oportunidade de ajudar mulheres. A dor vem, o aprendizado é duro, mas na superação tudo fica melhor.

Como já fui vítima de agressão, posso dizer que a Lei Maria da Penha é um divisor de águas em minha vida e na vida de tantas outras mulheres que sofrem diariamente com a violência. A lei trouxe importantes avanços na proteção das mulheres, como a criação de medidas protetivas, a ampliação das penas para os agressores e a garantia de acompanhamento psicossocial para as vítimas.

Além disso, a lei contribuiu para a conscientização da sociedade sobre a gravidade da violência contra mulheres e para a criação de políticas públicas de combate a esse tipo de violência. No entanto, mesmo com todos esses avanços, ainda há muito a ser feito. A violência contra as mulheres continua sendo uma triste realidade em nosso país, com altos índices de feminicídio e agressões diárias. É preciso que a lei seja efetivamente aplicada, que as vítimas sejam acolhidas e que os agressores sejam responsabilizados por seus atos, e, principalmente, identificados.

É importante lembrar que a luta contra a violência doméstica e familiar é de todos nós. É preciso denunciar, apoiar as vítimas, identificar, divulgar o nome dos agressores e trabalhar juntos para construir uma sociedade mais justa e igualitária para todas as mulheres. Juntas somos mais fortes e juntas podemos vencer essa luta.

MGD é mãe, empresária, carioca e foi vítima de violência doméstica

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