A criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed), anunciada esta semana pelo Ministério da Educação, marca um novo capítulo na tentativa de conter a queda na qualidade da formação médica no Brasil. A proposta surge como resposta ao avanço desenfreado de cursos de Medicina sem a estrutura mínima exigida — muitos deles em cidades que sequer possuem hospitais de ensino, leitos do SUS ou equipes de Saúde da Família.
Para o advogado Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor e assessor da 6ªTurma do Tribunal de Ética da OAB/SP, a medida é um reflexo direto da preocupação com a saúde coletiva. “A proposta de criação do Enamed é uma resposta coerente a uma preocupação legítima: o declínio da qualidade na formação médica, impulsionado pela proliferação descontrolada de faculdades de medicina, muitas das quais sem infraestrutura adequada e sem corpo docente qualificado”.
Na visão do especialista, o exame tem potencial para funcionar como um filtro essencial: “Do ponto de vista da proteção à saúde coletiva, a avaliação nacional tem o potencial de evitar que profissionais malformados cheguem à linha de frente do atendimento, com risco real à vida dos pacientes”.
Ferri também destaca que, apesar de o Enamed não ser uma solução única, pode atuar como um instrumento poderoso de regulação indireta: “O Enamed pode funcionar como um instrumento de regulação indireta, induzindo a melhoria da qualidade dos cursos, ainda que não seja uma solução única nem milagrosa”.
Questionado sobre a viabilidade do exame, ele é enfático: “Ele é viável, sim, desde que inserido em uma política mais ampla de reestruturação da educação médica no país. Ele pode ser necessário para forçar uma reorganização do sistema, responsabilizando também as instituições de ensino que hoje operam com fins predominantemente comerciais, sem compromisso com a qualidade”.
Especialista alerta para risco de profissionais malformados atuarem sem preparo
Entre os pontos que justificam a aprovação da medida, Ferri lista quatro pilares: “Garante um mínimo ético e técnico para o exercício da medicina. Promove transparência sobre a qualidade dos cursos. Atua como filtro de segurança para o sistema de saúde e para o consumidor. Pressiona instituições a melhorarem suas estruturas e planejamento pedagógico”.
Para que o Enamed cumpra de fato seu papel social, o advogado reforça que ele não pode existir isoladamente: “É necessário que o Enamed venha acompanhado de fiscalização rigorosa dos cursos, revisão dos critérios de autorização e acompanhamento do desempenho longitudinal das instituições. Deve ser uma ferramenta de qualificação e proteção social”.
A expectativa é que o Enamed seja aplicado já em outubro deste ano, com a adesão de mais de 300 instituições e cerca de 42 mil formandos. Enquanto isso, o debate sobre uma eventual “OAB da Medicina” continua em tramitação no Congresso, refletindo a urgência de se estabelecer critérios mais rigorosos para quem deseja atuar na linha de frente do sistema de saúde brasileiro.
Isso é especialmente importante se pensarmos na saúde como um direito fundamental do cidadão e não como um produto do mercado”, finaliza Stefano Ribeiro Ferri.
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Resultados do Enamed serão usados para exame de residência médica
Lançado nessa quarta-feira (23), o Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (EnaMED) será conduzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em colaboração com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal vinculada ao Ministério da Educação (MEC). Os resultados do Enamed poderão ser utilizados para acesso às vagas de residência médica de acesso direto no Enare.
O Enamed é obrigatório para todos os estudantes de medicina concluintes e as inscrições serão gratuitas. Os demais interessados em participar poderão se inscrever no Enamed para utilizar os resultados no âmbito do Enare para as especialidades de acesso direto. Para isso, é necessário se inscrever no Enare e pagar uma taxa de inscrição, exceto para casos de isenções que estarão previstos no edital do candidato.
Mas atenção: as mudanças com o Enamed são de responsabilidades da Ebserh e do Inep. As instituições participantes seguem realizando a adesão com a inscrição das suas vagas de residência a serem ofertadas no Exame Nacional de Residência (Enare), realizado pela Ebserh.
Além disso, os candidatos que vão concorrer às vagas de residências multiprofissional e em área profissional da saúde, ou as vagas de residências médicas para os programas de pré-requisito, área de atuação e ano adicional vão seguir realizando as provas do Enare, como nas edições anteriores.
Enare 2025 começa a inscrever nesta segunda (28)
Nesta edição poderão participar instituições públicas ou privadas com ou sem fins lucrativos
Foi publicado nesta quinta-feira (24), o Chamamento Público para adesão de instituições à 6ª edição do Enare. A edição deste ano traz novidades: além das instituições públicas, poderão participar instituições públicas e privadas com ou sem fins lucrativos que ofertam Programa de Residência Médica e/ou Programa de Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde, reconhecidos pelo MEC e que possuam vagas autorizadas com financiamento de bolsas de residência.
O Enare também será constituído por única etapa obrigatória, de caráter eliminatório e classificatório – exame escrito (prova objetiva) –, a qual corresponderá a 100% da nota final. A adesão ao Enare 2025 deverá ser realizada das 12 horas do dia 28 de abril até as 23 horas e 59 minutos do dia 20 de maio, data que também marca o fim do período para pagamento da taxa de adesão de instituição privada com fins lucrativos. A participação no Enare não traz custo financeiro para as instituições públicas e privadas sem fins lucrativos.
O presidente da Ebserh, Arthur Chioro, reforça que dentre as principais vantagens para as entidades participantes estão a menor quantidade de vagas ociosas, eliminação de custos e carga burocrática da realização de provas individuais. “Já o candidato, com apenas uma inscrição, poderá concorrer a vagas distribuídas por todo o país”, explicou.
Na edição passada, o Enare registrou 89.071 inscritos – um aumento de 30,4% em relação ao ano anterior, quando o certame contou com 68.300 inscritos. O processo seletivo ofereceu 4.998 vagas de Residência Médica, 3.886 vagas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional da Saúde, totalizando 8.884 oportunidades em 163 instituições de todo o país.